quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

HARMONIA DA NOSTALGIA


Somos animais nostálgicos. Acumulamos o tempo em nossa existência, como todos os outros elementos do universo, mas somos mais perecíveis - apesar da superpopulação.

A cada dia tudo muda de maneira eficiente e imperceptível. E essa mudança se aloja em nossa pele, nos cabelos, nos ossos. Penetram pelos poros e complicam veias, órgãos e sentimentos. Transformam suposições em tormentos, dores inesperadas em lamentos, pequenas medidas em alegrias desmedidas, paradoxos brincando alucinadamente numa gangorra. E essa carga de história transforma nossas células, nossas feições, nossas cores, sabores, cheiros, medos, fraquezas, certezas...

Somos então animais transformados, inconformados com a elasticidade estática, estética e histérica do tempo.

Nossa natureza de acumular o tempo assim, o tempo todo, nos deixa presos ao passado, presos ao que já foi, que já passou; ao o que não é mais, ao que já não somos mais. Então as roupas não servem, chove demais ou menos do que devia, tem mais trânsito na cidade e seus olhos ardem de ver e ouvir tudo mudando de maneira tão caótica e desafinada, mas com trechos muito inspirados e harmoniosos. A beleza fotogênica do caos na fração de segundo que passou.

De repente passa-se um ano e a harmonia do caos não é mais fantasia, foto ou sonho. É só nostalgia.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

99 DESEJOS

1. paz
2. amor
3. compreensão
4. união
5. esforço
6. aprendizado
7. exercícios
8. maturidade
9. juventude
10. espiritualidade
11. parceria
12. fé
13. decência
14. criatividade
15. referências
16. repertório
17. interação
18. integração
19. planejamento
20. ócio
21. produtividade
22. honestidade
23. individualidade
24. reflexão
25. meditação
26. saúde
27. família
28. laços
29. amigos
30. amores
31. alegrias
32. crianças
33. animais
34. natureza
35. renovação
36. equilíbrio
37. calma
38. pureza
39. clareza
40. respostas
41. desafios
42. avanços
43. segurança
44. novidade
45. informalidade
46. cuidados
47. carinho
48. perdão
49. doação
50. superação
51. evolução
52. educação
53. ponderação
54. ousadia
55. gratidão
56. humildade
57. coragem
58. delicadeza
59. gentileza
60. paciência
61. consciência
62. autoestima
63. confiança
64. prazer
65. lazer
66. construir
67. crescer
68. ensinar
69. desempenhar
70. pensar
71. sonhar
72. descansar
73. deslanchar
74. checar
75. acatar
76. questionar
77. saber
78. falar
79. enxergar
80. encarar
81. sossegar
82. dançar
83. tocar
84. sentir
85. ir
86. esperar
87. fazer
88. produzir
89. mudar
90. ceder
91. viver
92. diversão
93. diversidade
94. respeito
95. celebração
96. realidade
97. verdade
98. positividade
99. liberdade

sábado, 17 de dezembro de 2011

Dezembro segundo

Segundo soube, houve outro dia um momento. Ouviram os lamentos um do outro e riram-se de novo. Talvez por desespero, talvez por pura falta de fé porque fé era um conceito que já não importava mais, de tão atávico e insólito que lhes era na vida. Riam-se de coisas distintas, mas juntos. Lamentavam a solidão comemorando-a juntos. Esperavam, em vão, aquele segundo de verdade dentro de um dezembro tão precisamente comprido.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Sem dizer nada

Seu eu dissesse que estou só
Estaria mentindo
Se eu dissesse que estou triste
Estaria repetindo
Se eu dissesse que estou bem
Estaria rindo
Se eu dissesse que choro
Estaria sentindo
Se eu dissesse que é verdade
Estaria acreditando
E não haveriam perguntas
Haveriam respostas
Impostas
Constantes
Suficientes

Perguntas sem cor

Sou ingênua. Vejo a noite esfarelar, borrada como a lua que ainda cresce. Há risos que eu não escuto, cores que eu não vejo, e meus desejos se arrastam pelo chão do terraço, escuro e frio, um lugar confinado, embora tenha a amplitude só possível na altitude – e, por que não, da atitude? Sou ingênua porque nada disso mais me assusta. Eu repito coisas diariamente como num monólogo com pouca luz e muito drama. E espero respostas diferentes, até haver uma que eu entenda.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Dezembro de tempo preciso

O dia, que tem precisamente vinte e quatro horas, ao dividir-se à metade com a noite, divide as horas em doze e os minutos em exatos sessenta segundos. Míseros segundos e suas frações, suas vírgulas, métricas milimétricas, agrupadas em centilitros e outras medidas tão óbvias e incomuns. O ano é impreciso e às vezes tem 365 dias e às vezes, precisamente, é bissexto. Mas o tempo navega com precisão. A vida, não.

domingo, 11 de dezembro de 2011

livres padrões

testes de letras
caracteres
linhas
espaçamentos para formatar
este documento,
que, embora seja apenas um modelo,
poderia também ser um poema.
ainda que bobo e quase infantil,
ao admitir isso poderia também soar piegas, óbvio, ridículo, cheio de adjetivos, superlativos, substantivos…
e tantas outras coisas, que o bom é poder ser livre.
escrever pouco,
muito
muito muito
muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito
pouco
e isso ser irritante,
um instante de delírio
delírios meus,
seus
se você está aí,
a se importar com o que escrevo,
com o que digo, com o que sinto,
com o que sente ou entende, ou duvida, ou questiona
ou só gosta porque, embora não faça sentido,
faz algum sentido pra mim
e talvez pra você
porque às vezes dá medo tudo ser tão irremediavelmente real,
real demais até para fazer sentido,
e fazer coisas sem sentido não tem sentido.
então tanto faz,
isso ser um poema,
um teste,
uma carta,
apenas um documento modelo,
no qual vou escrever
porque minha máquina de escrever nunca foi minha
porque me desapegar de coisas, lugares, estilos, vícios, virtudes, vontades, ansiedades, sonhos, delírios, sonhos hedonistas e fantasias reais,
sou um pouco de tudo o que me dão,
e devolvo em letrinhas, em palavrinhas,
alguns palavrões,
há dor, há raiva, há incompreensão e inconformidades,
mas há o amor da liberdade
e não há libertação maior que a verdade,
escrita num poema
ou apenas num modelo de formatação.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

31 COISAS QUE APRENDI EM 2011

Gosto de contagens regressivas e também de retrospectivas. Gosto mais ainda de juntar as duas coisas - como se, ao refletir sobre o que fizemos, nos preparássemos melhor para o que está por vir.

Em dezembro de 2009 iniciei uma contagem muito particular, listando a cada dia do mês uma lição aprendida no ano. Pelo Facebook e Twitter muitos amigos começaram a acompanhar a listagem diariamente, comentando e acrescentando suas próprias experiências, o que me fez enxergar uma coisa que não me era tão óbvia: compartilhar nossas vivências e aprendizados é importante. Temos muito o que aprender com aqueles que vivem à nossa volta. E, sem falsa modéstia, temos também muito a ensinar.

Convido os que me acompanham no blog (ou onde quer que seja) que reflitam comigo sobre seus aprendizados de 2011. Espero que minha lista seja inspiradora não por conter certezas, mas justamente para que as reflexões nos ajudem a evoluir.

Comentem, reflitam, inspirem-se e compartilhem seus aprendizados comigo também. Ficarei eternamente grata!

31 coisas que aprendi em 2011:

#1 - Às vezes a gente tem que fazer o que tem vontade. E às vezes a gente tem que fazer o que precisa. Um exercício que dá paz de espírito é tentar fazer as coisas pensando nos benefícios, sem se sentir obrigado à elas.

#2 - Devemos ser fiéis às coisas que nos são importantes. Duvidar delas quando nos faz mal (às vezes acontece) e valorizar os momentos que as provam verdadeiras.

#3 - As perguntas mais improváveis geram as respostas mais surpreendentes. É sempre bom perguntar - desde que você realmente queira saber a resposta.

#4 - A toda hora anunciam o fim do mundo e há quem creia que ele acaba mesmo em 2012. Melhor não se preocupar muito com isso, mas por via das dúvidas, viver plenamente, como se não houvesse amanhã. E estar preparado para caso haja.

#5 - Refletir antes de tomar decisões nunca é demais. Porém precisamos ficar atentos à duas ciladas: a) pensar demais e perder o timing; b) deixar que a dúvida torne-se inação. Camarão que dorme na praia a onda leva!

#6 - Agir com a pureza do coração (conselho do @Dalai Lama) e, com a sabedoria do que já aprendemos, resistir, diariamente, à tentação de perder a esperança, a compostura e a razão.

#7 - A gente precisa se recuperar dos lutos, ter paciência com a própria dor e aprender a sobreviver a ela sem autocomiseração.

#8 - Pare para pensar num momento feliz, naquele que faz seu dia valer a pena. Vale observar - todo dia tem pelo menos um!

#9 - Lembrar que nossa presença nessa terra é única; a vida não tem ensaio*. Se somos autores da própria história, devemos conduzí-la muito atentamente para que ela nos provoque as emoções que queremos sentir.

*um dia, muito antes de ter escrito sobre isso no lindo blog que ele tem, Nicolla Raggio me disse isso, mas acho que só agora entendi. e compartilho, para quem gostou dessa reflexão, o post inspirador no blog dele.

http://www.vivendocomgosto.com.br/2011/11/vida-nao-tem-ensaio.html


#10 - Ter consciência de que não dependemos de sorte*, mas justamente daquilo que podemos controlar. Sorte é a aleatoriedade dos fatos brincando com a transitoriedade da vida - e vive melhor quem sabe extrair o melhor dessa brincadeira.

*sempre penso na sorte e ouvi de Beto Pandiani uma opinião sobre o tema que resumiu minhas crenças e inspirou este post. obrigada Betão!

#11 - Ajudar as pessoas, sobretudo os amigos e gente próxima de você. Além de ser uma atitude altruísta, é um exercício de amor e doação - exercíco esse que nos deixa mais humanos e mais preparados para as dificuldades da vida.

#12 - Observar atentamente o limite que separa meu compromisso com pessoas, obrigações e deveres do meu compromisso com a liberdade de escolha.

#13 - A pressa e a pressão ao nosso redor imprimem uma urgência em nossas escolhas e, sem perceber, fazemos mais o que esperam de nós do que aquilo que gostaríamos mesmo de fazer. Há que se ter atenção - as escolhas importantes estão escondidas em pequenas porções de escolhas banais, que a gente faz sem se dar conta.

#14 - Renovar os laços com velhos amigos e reforçar os laços com os novos - receita de boa companhia sempre!

#15 - Bobagem nossa reclamar do tempo demorando a passar ou passando rápido demais. Embora a vida não seja precisa, o tempo é - e todo dia tem 24 horas.

#16 - Há coisas que são importantes pra mim, coisas que só eu sei. Esperar que as pessoas adivinhem ou suponham sempre o que eu quero ou espero delas é, no mínimo, presunçoso da minha parte.

#17 - Aprendi uma lição muito especial e inesperada este ano no fundo do mar: mergulhar com golfinhos é muito legal! Eles são enormes, rápidos, fazem barulhinhos engraçados e por algum motivo nossos corações disparam com alegria. Mais legal ainda é compartilhar um momento assim com muitos amigos. Valeu InAcqua Escola de Mergulho people!

http://www.youtube.com/watch?v=3q0oSDOFT6E&list=UUzfvvASm6Q1PaLjPmj-KoWw&index=6&feature=plcp

#18 - Não ignorar as coisas que nos acontecem. Os acontecimentos ocasionais mudam rumos, escolhas, vidas. E as mudanças às vezes chegam sem que a gente as encomende.

#19 - Dor e medo são fraquezas que não podemos ignorar quando se manifestam em nós. São fraquezas do corpo e da alma que precisam ser tratadas com atenção e cuidado. Ignorá-las é alimentá-las e deixá-las crescer. E acho que faz parte da nossa evolução alimentar e desenvolver nossas forças, não nossas fraquezas.

#20 - Desistir é a solução mais fácil diante de um problema. Mas como diz a sabedoria popular, só não há solução para a morte, para todo o resto a desistência é uma escolha tão disponível quanto a resistência e a perseverança.

#21 - Este ano conheci o Candombá, planta do cerrado, cuja flor pincela de lilás a paisagem árida e de tons amarelo-marrom da Chapada dos Veadeiros de abril a agosto. Pouca gente que vê a delicadeza das flores pelas trilhas da chapada sabe que a seiva do Candombá é inflamável e entra em combustão, sendo responsável por boa parte dos incêndios no cerrado. Quando eu ouvia sobre as queimadas na região (não são raras), ficava triste, achando que a destruição era irreparável, mas aprendi que lá a natureza é assim: se renova depois de quase se autodestruir. Me lembra a simbologia da fênix, que renasce das cinzas. E, como na natureza, a gente também se propõe a coisas que muitas vezes nos machucam (e parecem irreparáveis), mas que são importantes para que a gente se reinvente. Penso que, ao errar tentando acertar, aprendemos que existem outros caminhos e outras formas de andar, de correr, de esperar, de viver e renovar. Há coisas que parecem absurdas - como flores que pegam fogo! - e só passando por elas vamos entender o seu real significado em nossas vidas.

#22 - Cuidar bem do suado dinheirinho e das conquistas que ele traz. O perdulário tem como castigo não a perda de bens ou a falta de dinheiro, mas a falta de tranquilidade - e isso não tem preço!

#23 - O processo de renovação das ideias passa por dúvidas que antes não existiam. O caminho que leva para o próximo ponto às vezes é tranquilo e bonito. Às vezes é tempestuoso e complicado. O importante é respeitar seu próprio ritmo para percorrer esse caminho, acelerar quando se sente seguro, ir com mais calma quando as ideias ainda estão se desenvolvendo em você, com atenção aos riscos dos dias de tempestade e sem se furtar à suavidade nobre dos dias tranquilos. Esses ajustes de timing interno e externo ensinam que não adianta querer que todos andem na mesma velocidade que você e vice-versa. Há quem prefira as emoções do mar à segurança da terra - e as coisas bem combinadas, somam-se ao invés de se excluírem.

#24 - Ser uma pessoa grata e gentil. Agradecer a todos, em todas as oportunidades. Ser gentil ao pedir, ao entregar, ao fazer, ao dizer, ao reclamar... tudo é possível de ser feito com gentileza, mesmo as coisas mais difíceis. Gratidão e gentileza, na verdade, são as qualidades que nos fazem mais fortes e diferentes - porque no mundo em que vivemos é muito mais fácil cada um agir por si, impor força ou poder para fazer as coisas, mas as coisas conquistadas assim normalmente não tem a mesma sedução, leveza e alegria daquelas conquistadas naturalmente, com dedicação, respeito, gentileza e gratidão.

#25 - Não julgar as pessoas MESMO. É difícil colocar-se no lugar do outro quando sua atitude nos parece hedionda. Há muitas situações que fogem à compreensão se não passamos realmente por elas. As pessoas mais "difíceis" costumam ser as que mais precisam de ajuda. E o ato de ajudar, seja um estranho, um vizinho ou um parente, é algo que deve transcender o natal - porque se a gente não se ajuda, a gente não aprende a evoluir.

# 26 - Aprender e reaprender mais = Ouvir muito + Estar disposto a mudar a opinião ou reafirmá-la quando for o caso (mas não ser resistente por hábito ou impulso) + Expor-se sem medo (medo de quê?) + Experimentar, tentar, testar para ver se dá certo + Não acreditar que todas as fórmulas se aplicam a todas as pessoas ou a todos os momentos.

#27 - Não ter vergonha de ser quem eu sou. Porque a gente acha que isso não tem importância, mas o que as pessoas à nossa volta pensam de nós e sentem por nós, é algo que tem importância, sim. Então, aprender a conviver com o fato de que às vezes você vai desagradar o outro é tão importante quanto se esforçar para ser uma pessoa agradável, desde que isso não modifique quem você realmente é.

#28 - Dar espaço para que as pessoas pensem, reajam e façam, não necessariamente o que você espera, mas o que estão prontas para fazer. Lembrar que quando recebemos do outro o que vem do coração, a sensação é de merecimento e complementaridade, muito melhor do que a sensação de que estão cumprindo "não mais que a obrigação".

#29 - Encarar as coisas de frente e resolver burocracias, situações chatas e difíceis o quanto antes. Confesso ainda estar aprendendo esta lição, mas um grande aprendizado deste ano foi comprovar que o que a gente deixa pra vida resolver por nós, ela resolve, só que o preço é bem mais alto e pagá-lo causa aquela sensação amarga de ser extorquido - e se sentir idiota por isso.

#30 - Fazer balanços sobre o que está bom, o que não está e refletir sobre o que deve ser mudado. Mudar de ideia, de atitude e de gostos pode ser tão bom quanto reafirmar o que não se deseja mudar. O segredo é achar o equilíbrio das coisas e ter paciência com essa busca. Às vezes não enxergamos o óbvio porque não estamos preparados para vê-lo.

#31 - Outro dia meu pai me perguntou o que significa "namastê" e me dei conta de que temos a mesma curiosidade em querer saber o significado das palavras. Namastê é uma saudação usada na Índia para dar olá, bom dia, até logo. Mas o real significado em sânscrito é "a minha essência saúda a sua" ou "o deus que mora em mim saúda o deus que mora em você". Acho muito bonito, seja porque partilhamos a mesma essência, o mesmo deus ou, no mínimo, porque nos saudamos de maneira reverencial. Namastê, meus amigos! Meu maior aprendizado de 2011 foi comprovar que as relações são essenciais para nossa felicidade; somos nós juntos que movemos o mundo como ele é hoje e o moldamos para o que será no futuro. Que nossa essência possa sempre saudar e respeitar a essência das outras pessoas. E que a gente possa continuar em 2012 nossa construção da felicidade para vivê-la hoje e sempre.

Dezembro primeiro

Amanhã é dezembro de um ano passageiro, desses de entressafra. Chove demais, esfria demais, esquenta demais. Há tsunamis e tormentas. Há excessos natalinos, de luzes, de coisas, de gente, de afeto, de um contágio de uma contagem regressiva, esperando que o mundo melhore, já que tudo começa de novo em pouco tempo. Em pouco tempo já é janeiro, mas dezembro ainda começa. Hoje é só mais um dia. O primeiro.
(30.11.2011)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

UMA VEZ SÓ

Não há silêncio possível. Não há presente que se apresente certo. Há o incerto, como uma ilha, emerso com esforço onde há pouco havia um redemoinho de dúvidas, tristezas, apatia, covardia. As ilhas, porções mágicas de terra, cheias de luz e um calor diferente dos continentes, as ilhas, quem imagina?, também têm seus dias de frio, de chuva, de vento. Não há férias todo dia, mesmo que você viva delas. Porque não há tempo demais. O tempo é tão preciso como a vida e como a morte, nem mais nem menos. E sem tempo para ensaios, vive-se uma vez só.

sábado, 26 de novembro de 2011

Júpiter e nós


Ontem à noite, vimos Júpiter da janela. Falamos do calor, da noite bonita, fresca sem vento. Uma noite larga porque a manhã parecia muito longe. Uma noite leve porque não havia o peso do mundo. Haviam estrelas, Júpiter e nós, a flutuar nos meus sonhos, como os tubarões-baleia no mar.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

AVISOS ASTRAIS

da minha janela vejo júpiter.

Tudo de novo

Há prazeres num recomeço que a gente nem pode imaginar.

PREVISÕES

Que tortura dormir só
Quando se acostuma a outro corpo
Que loucura é dormir junto
Outro peso, outro calor, outro barulho
Outra coisa é dormir bem
Porque há vezes em que falta espaço
E há vezes em que a gente se perde na vastidão da solidão
Há vezes em que a distância é uma dor
E há outras em que ela é uma droga cara que se toma só
Coisa da alma simples e trabalhosa como a meteorologia
Tão fácil de prever e tão difícil de acompanhar

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

SONHO BOM

Vou dormir derrotada pelo sono atávico, pelo cansaço irrelevante, pelos motivos mundanos. Minha rotina, minha história, minhas contas, livros, discos e sapatos, a maioria dos meus amigos, aliás, a maioria das pessoas, vivem neste mundo de 24 horas, de segunda a sexta, nos intervalos de sábado, domingo e feriado. Eu não sei bem onde vivo, mas pensar sobre derrotas me fez lembrar o limbo, onde vivem os derrotados. Não gosto do limbo. Venço o sono e aí me entrego a ele como gosto, com prazer.

Eu falo baixo

Eu falo. Mas você não ouve minha voz. Não houve o esforço necessário. Meu, de falar mais e mais alto? Ou seu, de às vezes ouvir, às vezes não ouvir e estabelecer um espaço tão pequeno entre as duas coisas que às vezes entendo e muitas vezes não entendo.?

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vivendo com gosto

Eu vivo com gosto. Gosto quando o sabor das coisas me faz sentir como um bicho, que precisa conter a fome às custas de razão e compaixão. Eu vivo com fome. Meu apetite variável, porém, me distrai, me confunde, porque o mundo vegetariano, ayurvédico, oriental e estranho me é tão bom quanto um t-bone mal passado ou algo simples como misto-quente, principalmente se o queijo puder ser palmira. Ou qualquer outro queijo, mesmo que o minas não me emocione. Eu penso sobre o gosto das coisas. Sobre como o sangue tem gosto de ferro. E o suor às vezes é salgado como a água do mar. Eu penso sobre o cheiro do mar e como posso sentí-lo se fechar os olhos e respirar com cuidado e atenção. Mesmo que esteja em São Paulo, num dia confuso de sol, ventania, calor e chuva de verão, mesmo que ainda seja uma primavera chorada, de mais flores amarelas no chão do que nas árvores da cidade. Me dá gosto sentir que essas coisas me atingem. Me ajudam a ver o tempo passar com uma precisão que antes eu não via. Me avisam, com mensagens simples, que algumas coisas parecem lentas, mas não adianta ter pressa. O gosto da pressa às vezes é doce e às vezes amarra, como as jabuticabas que só existem no Brasil. Gosto de sentir que me apego aos detalhes, mesmo que este apego não dure, mesmo que ele seja volátil como o álcool das coisas que flambam. Eu vivo com gosto, sim. Gosto mais quando as coisas me surpreendem e me tocam como eu não imaginaria ser possível. E gosto – e gosto tanto – de voltar em lugares, em pessoas, em bancos de praças, bancos de ônibus, bancos de metrô, como o metrô de Londres, que um dia me disseram que tinha um cheiro todo próprio e quando conheci, achei que próprio era um termo muito apropriado. Incrível como as coisas têm um cheiro próprio, um gosto próprio e nós, nossas maneiras mais loucas de nos apropriarmos disso. Eu vivo com meu próprio gosto e meu jeito confuso de gostar de coisas diversas. Diversos gostos. E há gostos amargos, como o da Guinness. Mas nem sempre tão bons. Há gostos que não são bons. O coração às vezes manda e às vezes obedece. O nariz também. A boca, então, nem se fala! Os gostos mudam. O importante é prestar atenção no gosto da mudança e não esquecer que a fome e a pimenta são temperos de dosagem delicada. Somos animais ingênuos, mas sofisticados. Vivem melhor os que vivem com gosto.

(texto inspirado no blog inspirador de Nicolla Raggio: http://vivendocomgosto.blogspot.com/)

Doses novas

Sensações novas aos olhos, aos pés, aos cabelos que voam com o vento, que molham com a chuva, que crescem sem eu perceber. Emoções novas como primaveras novas, onde plantas florescem e perecem desavisadamente, como se fosse época sem ser. As novidades disfarçadas na rotina do todo dia, de segunda a sexta, ou no excesso de feriados ou na escassez de descanso. Ou ainda nas faltas que nada disso pode preencher.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ÚLTIMA SEXTA

Choveu uma chuva miúda mas molhou. Esfriou. Não é mais inverno mas hoje, não fossem as árvores verdinhas e o asfalto agora forrado de flores amarelinhas, nem seria notável a primavera. A verdade é que o tempo anda meio louco. Aliás, parece que todo mundo anda meio louco. As pessoas parecem não ter mais a mesma certeza. O tempo não parece mais ter a mesma firmeza. E as chuvas de verão agora chegam antes da hora.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Palavras sem palavras (em cem palavras)

Palavras faltam
Palavras sobram
Palavras transbordam
Como chuva
Como lágrimas
Como o que não podemos conter

Palavras dizem
Palavras mentem
Palavras sentem
O que às vezes não podemos dizer
O que não quiséramos mentir
O que poderíamos omitir

Palavras permitem
Palavras inspiram
Palavram imprimem
Transformam ideias e sentidos
Transformam sonhos e ideiais
Transformam pessoas

Palavras aproximam
Palavras afastam
Palavras entregam
Coisas que não posso explicar
Coisas que você não pode entender
Coisas que não podemos mudar

Palavras se perdem
Palavras enganam
Palavras encantam
Como cores
Como olhares
Como a lua
Quando nasce
Quando cresce
Quando morre
Quando cala
Sem palavras

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Argueiros

Você se pergunta como chegou aqui. Pensa na resposta que já deu mil vezes - nunca uma igual à outra. Você se pergunta como acumulou tanta coisa, tanta história, tanto absurdo, tanto sonho, tanto dado. Você se pergunta como pode caber tanta memória se sentindo tão pequeno. E você se esquece que qualquer coisa no universo é feita da mesma matéria que a nossa, de poeira, partículas, argueiros.

Estranhas medidas

Sinto-me estranha. E acho estranho quem consegue se sentir normal.

CRISE

tempo de economia até para palavras.

Amanhã

Tudo fica para amanhã. Porque hoje é só mais um daqueles dias de eclipse. E a gente se esconde atrás da sombra da lua ou do sol, põe a culpa no tempo, na história, nos genes, no cosmo, mas de nada adianta. Hoje, amanhã, será ontem.

sábado, 5 de novembro de 2011

FELIZ

Fico triste que existam tantas canções tristes. Fico triste com os finais infelizes. E com pessoas infelizes. Fico triste que as coisas acabem. Fico triste com as árvores podadas. Fico triste com os tubarões que vão deixar de existir. Tanta coisa triste, tanta coisa para se entristecer, tanta tristeza no mundo… mas hoje estou feliz.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

TODO DIA

Todo dia, bom dia. Todo dia sol, todo dia céu. Todo dia sim, todo dia não, todo dia calor, todo dia frio. Todo dia boa tarde, boa noite, até logo. Todo dia é assim. Outro dia é passado.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

UM MOMENTO

Foi um encontro inesperado. Já havia passado muito tempo e haviam se esquecido um do outro. Obviamente não tinham se apagado da memória. Essas coisas são assim; a gente vai esquecendo com o tempo até que chega um dia e nem pensamos mais no assunto. É o tipo de coisa que não se planeja, que não se conquista simplesmente querendo. Depende de outras coisas, independe das vontades. E eles haviam se esquecido. Até aquele momento.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

QUANDO AS COISAS MUDAM

Eu não percebi que era importante. Há um tempo de maturação das coisas, um caminho onde você vai e volta com alternativas confusas pelo meio. E assim nem a ida nem a volta são iguais, como uma viagem de destino pretendido, mas incerto. Eu não percebi que era uma viagem importante. Eu achei que era só mais um final de semana.

O suficiente

Discutiam a fórmula do sucesso. A equação que lhes daria alegria e paz, mesmo que soubessem que esta não era uma equação tão simples quanto parecia. Sabiam, ambos, que suas histórias estavam irremediavelmente ligadas, mesmo que não quisessem mais… porque mesmo que não quisessem mais, ainda queriam.

sábado, 15 de outubro de 2011

CAIXA DE MÁGICAS

A menina chegou com uma caixa de papelão e colocou em cima da mesa. Ele olhou surpreso para a caixa, depois para ela. São fotos, ela disse, enquanto estendia a mão para dar a ele uns dois ou três álbuns que tirava de dentro da caixa. E aquilo parecia uma cartola, de onde um mágico poderia tirar um coelho, uma flor ou lembranças com cores e formas impressas no papel brilhante, cheirando à tinta e à tempo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Falta fatal

Era uma dorzinha esquisita. Espetava assim meio embaixo da costela. Dava um misto de mal estar, vertigem e ansiedade. Ele ficava um pouco chocado quando sentia. Mas não gostava de falar do assunto. Não levava a dor à sério. Já meio que se acostumara a ela. Era algo assim como uma saudade. Na verdade, pensava, devia ser só isso mesmo. O que não diminuía sua impressão de que às vezes a dor parecia uma ameaça fatal.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MEMÓRIA CURTA

A gente esquece que pode cometer enganos, que pode se magoar, que pode magoar os outros. A gente esquece que pode ficar pobre, que pode ficar doente, que pode ficar triste, independente de nossas escolhas. A gente esquece que vai ficar velho, que vai perder coisas, pessoas, esperanças. A gente esquece que vai morrer e que esta é a maior certeza de todas. E a gente perde tempo com coisas bobas, inúteis, rancores, rumores. A gente devia gastar mais tempo com o amor e as coisas boas. Não deve esquecer que é isso que nos faz sentir vivos. E, se estamos vivos, melhor viver sem se esquecer do que importa.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tolices

Um dia vou me cansar de escrever para você.

Um dia, que pode ser hoje (acho que não) ou amanhã (quem sabe?), tudo isso vai ter passado. Vai ser passado. É lá que moram as lembranças, inclusive aquelas de coisas que não vivemos, esperanças perdidas, histórias do nosso livro que são apenas ficção, poesia sem sentido, imagens que só eu entendo – e talvez você, coisa que não saberei.

Um dia eu devo me cansar. Será que a gente cansa? Será que o amor é mesmo essa coisa mortal e rancorosa, que queima como um anel de fogo até não sobrar nada?

Um dia talvez eu me canse. Talvez eu descubra um jeito. Talvez eu fique sem jeito diante das coisas dando certo, diante de outros amores, de outras histórias, de outros livros que vou escrever.

Talvez eu fique sem ideias, talvez eu fique ocupada, sem saudade, sem sentir nada quando ouvir aquela música ou vir aqueles lugares, bichos, comidas, lençóis, cervejas, fotos, palavras em caixa alta, alinhamentos estranhos e precisos, filmes preciosos e curiosos, coisas sem sentido.

Um dia talvez faça mais sentido não pensar em nada disso. Não falar mais sobre isso.

Um dia talvez eu supere os silêncios. E me dê conta de que você simplesmente não gosta das minhas palavras como não gosta de pepsi light.

Um dia eu vou perder o impulso de ir até a frente da sua casa e gritar seu nome. E dizer como você é idiota. Como é burro. Como é esquisita essa sua lógica de me tratar como visitante indesejável, que ficou tempo demais na sua vida.

Um dia, com algum esforço, eu devo me esquecer dessas coisas. Vou lembrar de outras. E nenhuma terá traços seus nelas.

Um dia deve haver esse espaço, essa chance.

Até lá… te arranco, letra por letra, linha a linha, em poucos espaços e parágrafos. Despejo nas palavras o rancor que não ouso sentir nem usar. Ele não me serve, assim como as palavras não te servem. Elas não estão aqui a seu serviço nem às suas custas. Elas só me fazem companhia; exercício solitário de quem tenta se livrar do que sente do único jeito que sabe.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

VAGA-LUME

Você me encanta e me desaponta. Faz uma ponta. Não tem vocação, talento ou desejo pelo papel principal. Não quer mais do que pode. Não sabe o que pode. Limita-se. Desiste. Insiste na sorte. É bom com ela. É bom com todos. Te falta maldade. Brilha mais que pode. E sua luz fulgaz me confunde.

Alô?

O que você queria? Uma boa notícia todo dia?

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

PAR OU ÍMPAR

Esse parecia só mais um daqueles momentos. Já sabia, era sempre assim - ela ficava um tempo quieta, parada, calada. E o mundo parecia não se mover ao seu redor. De repente acordava e colocava todo mundo para correr. E de novo as coisas voltavam a funcionar de acordo com sua lógica louca, cheia de cores e valores muito ímpares. Ele via isso acontecer e não podia fazer nada. Era só mais um daqueles momentos. Par ou ímpar.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

DIA NOTÁVEL

Quando acordei hoje, o dia me pareceu mais claro. Não fosse por isso pareceria mais um dia comum. Não notei. Passou um tempo. Tempo demais. Rápido demais. Mas quando eu acordei, não notei. Achei que era só mais um dia. E sem notar não senti tua falta.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A DOSE

Descobriu que a vida era cruel. Que as coisas doíam. Não se deixou poupar. Deu a outra face, deu de todos os jeitos. Doou-se de um jeito como não ousava antes. Ousou fazer perguntas e responder o que realmente lhe parecia certo, não apenas conveniente. E descobriu que as pessoas não estão prontas para a verdade. Pelo menos não sempre. Qualquer remédio na dose errada faz mal.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

INVEJA

Via a outra pessoa amando e tinha vontade de ir lá e contar tudo. Dizer que tudo podia parecer maravilhoso agora. O céu até mais azul. Mas amanhã... ahhh, espera até chegar amanhã. Amanhã você vai dizer a coisa errada ou vai ver um absurdo, um pecado mortal bem debaixo do seu nariz. E seu nariz vai sangrar e seus olhos vão doer, porque o ar está muito seco neste fim de inverno, logo, não é uma época apropriada para chorar tanto. Via a outra pessoa amando e a tentação de ser um arauto ruim lhe dava vergonha.

HISTÓRIA ENROLADA

Porque tua história se enrolou na minha. E agora já não sei mais como as coisas começaram. Outro dia estava pensando e foi bem antes do que imaginei. Mas eu imaginei tantas coisas... e agora já não sei mais o que é verdade, o que são histórias, qual parte quem escreveu fui eu e qual foi escrita por você sem eu nem permitir. Você não pediu permissão. Você veio e se enrolou na minha história...

SHELTER

Há vezes em que a hostilidade se disfarça num dia comum. Bonito até. Há vezes em que você está protegido, e outras completamente exposto. Há vezes em que a vastidão dos lugares é convidativa. E outras em que tudo o que se precisa é de um abrigo.

AS CORES DO DIA CINZA

Agora sou eu que não sei
Não sei se quero ir ou quero ficar
Não sei o que preciso aprender
Não sei o que preciso errar
Para saber se acerto
Se fico, se vou, se volto
Se permito, me entrego, divido
Se sublimo ou sucumbo.

Se você não me deixar ir
Talvez eu possa te contar
O que descobrir
Mas se você permitir que eu vá
Não sei se posso voltar
Para te contar como termina a história.

TUBARÕES

Ela não me ajuda
Diz que não há o que fazer
Não estende a mão
Sabe que não vão se afogar
Não pode mais salvar ninguém
Aprendeu
Não se salva alguém
Morrendo junto

VERBO TO BE

não quero TER você
quero ESTAR com você
você me TEM
se sabe como ESTAR comigo
você não TEM nada
nem eu TENHO nada
e não há nada que seja MEU
se não pode também ser SEU
as vontades SUAS
os desejos MEUS
e o eterno desencontro do que SOMOS

sábado, 24 de setembro de 2011

PARADOXOS


A menina tinha cor de paçoca amor. E quando ela passava por ele, ele sentia seu cheiro. Seu perfume, quase imperceptível, trazia lembranças dos bonsais, que antes ele gostava de cuidar, plantas nascidas para serem pequenas, tratadas com dedicação máxima para serem belas, exercícios de paciência que ele não andava praticando. E ela trazia isso de volta, acordava nele lembranças e sentidos perdidos em sua memória, coisas paradoxais que seriam de difícil entendimento aos outros, como a cor provocante da paçoca amor e o cheiro calmante dos bonsais.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

primavera polar

de repente a primavera se encheu de nuvens e resolveu chover logo no primeiro dia. acho que ainda tem sintomas do inverno gorducho como o urso bi-polar.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ÚLTIMO DIA DE INVERNO

Ele queria se agarrar nela como aqueles dias arrastados, que demoram a passar, arrasados pelas expectativas altas demais. Ele gostava do frio e via com seus olhos infantis o sol se pôr cada vez mais para a esquerda. Sentia a primavera chegando. Ela era colorida e cheirosa, mas vinha sempre derrubando a porta, esparramando-se por todos os lugares. Ele só queria se agarrar nela e esquecer as estações do ano.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

FALTA PRESENTE

Me falta fome. Me falta você. Me falta o mar, o sal, o sol, o céu azul e a saudade de sentir saudade apenas das coisas leves, das coisas breves, dos momentos puros de felicidade onde esquecíamos as preocupações porque as emoções (delicadas) eram muito mais importantes que nossa vidinha mundana, complicada, corriqueira e traiçoeira, cheia de buracos e faltas e letras e números vermelhos, sangrentos, nos obrigando a ser quem não somos. Me falta a simplicidade do amor simples, da rotina boa, das férias de nós mesmos. Me sobra futuro mas me falta passado. Ou seria o contrário? Onde está o presente agora?

terça-feira, 20 de setembro de 2011

MEDIDAS

Era um casal tipicamente atípico. Tinham a força ruim entre eles. Provocavam-se e depois riam. Não era aquele caso clássico de amor e ódio, mas atrapalhavam-se em controvérsias entre o drama e a comédia. Notavam inutilmente que querer demais era tão ruim quanto querer de menos.

TODO DIA ELA FAZ TUDO SEMPRE IGUAL

Hoje é o meu dia de sorte.

BOM CAMINHO

Gente de raça, gente do bem. Sorte, destino, presente divino – cada um chama como quiser. O importante é valorizar e agradecer quando essa gente está no seu caminho.

ENTRE OS ENCAIXES

De repente parece que tudo se encaixa. Aí desencaixa. Depois encaixa de novo… E você enxerga evidências nos lugares onde menos espera.

5 minutos reais

Me deram 5 minutos para escrever uma mensagem. Eu queria falar de paz, de amor, de coisas alegres… queria falar dessas coisas e inspirar as pessoas. Queria que quem lesse minha mensagem pudesse esquecer, pelo menos um pouco, seus problemas e tristezas e decepções. Mas talvez seja arrogante da minha parte achar que alguém possa parar e ler isso e se inspirar e sair sorrindo. Meus 5 minutos acabaram e me resta a esperança de apenas desejar que tudo possa ser melhor, mesmo que minha contribuição seja falha e pequena. Me orgulho, porém, dela ser real.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

APENAS QUEIRA

Mesmo que eu queira - me esqueço - não depende de mim você ser feliz. Mesmo que eu me esforce, deseje, me esmere, me desespere... você vai por ali, pelo seu caminho, com seu jeito próprio de fazer as coisas. E eu, com meu jeito impróprio, mesmo que eu espere, é uma espera vã - não adianta você tentar ou se esforçar. Só funciona quando não há esforço. E é tão diferente do resto, tão simples e tão claro, que parece mais fácil do que realmente é.

domingo, 18 de setembro de 2011

HUMOR DO CÃO

Meu problema é que estou sempre alerta, como um cão mal humorado preferindo ser um gato. Não largo o osso, mesmo que ele já não me tenha gosto. Abano o rabo porque um espirro pode me parecer um elogio. Farejo o que está bom e o que está ruim. Ladro pouco, mas mordo. Mordo forte. Mas só pra me defender. Sou um cão de humor felino.

LINA

O nome dela era Lina e eu sempre achei que esse nome não combinava com ela, uma mulher alta, de ossos largos e sorriso complicado. Eu achava que Lina era pouco, nome muito curto para uma mulher tão grande. Mas acho que me enganei. Lina foi morar do outro lado do mundo e todos os dias eu penso nela. As quatro letras do seu nome acesos na minha memória como um letreiro gigante, desses que ficam acesos e zumbindo a noite toda sem deixar a gente dormir.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

RESPOSTA IMPOSTA

Segue sem resposta. Vida imprevisível, ela diz. E ele ouve, sentindo culpa por não sentir remorso. Ele não consegue dizer mais nada. Ela espera e segue sem resposta. Sofre com o silêncio, talvez mais do que sofreria se ele lhe dissesse as piores coisas possíveis. Sua tortura é medieval e muda, ela diz. Ele não contesta. Não há o que fazer. Ele pede desculpas, ela aceita como quem toma um remédio ruim, incerta se esta é a cura ou o que vai matar dentro deles o que ainda existe. Ele não diz mais nada. Não tem a resposta. Segue sem ela.

RELÓGIO DE CORDA


Eu tinha tantas coisas para te dizer… mas você saiu apressado, mais uma vez, não me deu tempo de nada. E de novo fui surpreendida com a sua ausência. De novo me obriga a dizer essas coisas e parecer uma mulher amarga. De novo me confunde com o que não sou, com o que não quero, com o que você não percebe ser tão importante. Não importa. Vou acreditar na volta. E nas voltas que o mundo dá.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Voltas do dia

Ele sai e deixa a luz acesa. Roupas pela casa. Ele sai e deixa seu cheiro. Sua presença, persistente, não vai com ele pela porta.

Ele sai e me custa sair como ele faz. Me custa começar o dia automaticamente, como ele faz. Me custa perseguir as mesmas coisas.

Me custa deixar que ele saia e que as coisas aconteçam, corriqueiras e mundanas, como a maioria das rotinas, como a rotina devia ser.

Mas quando ele sai, eu sei, é mais um dia que se vai. E pode haver tudo dentro dele. E nada. E nada é como a próxima parte desta história, que só continua quando ele volta.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A subida de Alpamayo


Quando eles se conheceram, estranharam-se. Ela lhe pareceu distante, como se forjasse sua naturalidade para lidar com as pessoas que não conhecia. Ela era uma outsider, sentia-se perdida, mas a ele parecia que ela apenas queria sumir dali, pular direto para o dia seguinte no calendário, quando a programação seria mais previsível. Ela tinha nome de musa - Jane - mas ele não sabia o porquê, só achava esnobe.

Ela olhava para ele, como para qualquer pessoa, e tentava apenas enxergar através delas. Sentia-se perdida. Sentia-se culpada por não estar feliz como estavam os outros. Sentia-se culpada porque tinha escolhido estar ali, queria estar ali, mas seu coração não estava. Ela olhava para todos e via a excitação infantil brilhar em cada retina. Menos na dele. Ele não lhe parecia triste, mas parecia cansado. Talvez, como ela, ele só quisesse sumir dali por um instante, pular o dia e chegar logo ao dia seguinte.

No dia seguinte ela se apresentou melhor a ele. Iam subir uma montanha juntos. Ela achou importante dizer aos guias que aquela era a primeira vez que ela subiria aquela montanha. Eram três guias: Filipe, Amanda e ele, Davi. Ela falava com eles e sempre terminava o que estava dizendo olhando para Davi. Não queria fazer distinção, mas Davi era naturalmente o líder da matilha.

Havia um guia para cada cinco pessoas, mais dois assistentes, que ajudavam com os equipamentos, barracas e mantimentos. Ou seja, ela ficaria cinco dias em condições rústicas convivendo com vinte desconhecidos.

- Então você nunca escalou o Alpamayo? E já escalou alguma montanha peruana antes? – perguntou Davi, curioso sobre a origem de toda a experiência de Jane, que lhe fora assegurada por Filipe.

- Não. Apesar de já ter escalado o Aconcágua, não escalei nenhuma outra montanha andina. Nem nenhuma outra fora do Brasil ou Argentina. – Jane respondeu com simplicidade, o que parecia um absurdo para Davi.

- Mas você é profissional? Tem um currículo respeitável de montanhas, pelo que o Filipe me disse. – Davi agora estava mais curioso que preocupado.

- Ah, eu adorei escalar com o Filipe. Mas não sou profissional. Fiz alguns cursos, pratico bastante e adoro fazer essas viagens, mas não sou profissional. Participo dessas expedições de “férias”. Mas sei lá... tenho gostado tanto que, de repente, em algum momento essa paixão pode mesmo virar uma coisa séria. – ela disse, sentindo os olhos desfocarem.

Agora Davi via, nos olhos dela, aquele brilho que ela havia visto ontem nos olhos dos outros. Dar-se conta disso provocou nele sentimentos contraditórios, de identificação e respeito, mas também de dúvida e ansiedade. Era estranho sentir aquela atração por uma desconhecida.

Davi era o guia do grupo onde estava Jane. Além dela, havia mais um casal argentino e o filho deles com um amigo. Eram bem experientes também, por isso estavam no grupo de Davi. Jane, em princípio achou a divisão estranha, mas depois entendeu: Filipe, seu único conhecido, ia liderar um grupo de brasileiros mais jovens e menos experientes em escalada. Ele mesmo, ainda não tinha tantas montanhas em seu histórico quanto Jane, mas estava completando sua formação como guia, por isso ia com o outro grupo. Era uma pena, ela achava, porque embora não houvesse nenhuma história romântica entre eles, ela e Filipe tinham feito uma expedição juntos pela Serra Fina e desde então, apesar dela morar no Rio de Janeiro e ele em Porto Alegre, viviam em contato e tentando combinar outras viagens para escalar.

Davi percebeu que Jane preferia o outro grupo, mas fingia não se importar. Era assim que fazia sentido. E ela ia perceber. Jane percebia uma certa indiferença em Davi. Mas parecia uma coisa com ela, porque para todos os outros ele parecia muito atento. Custou a ela perceber que, na verdade, a indiferença estava mais para despreocupação. Ele confiava nela. Tinha observado seus movimentos, conversado sobre suas viagens e experiências. Ele estava tranquilo com ela, não precisava tomar conta.

Com o passar dos dias, ficaram muito próximos. A expedição andava bem. Todos tinham ritmos parecidos, estavam treinados e saudáveis. Tudo ia bem. E Davi sentiu que podia relaxar. Ele andava pela trilha e atacava a montanha como se fizesse aquilo todos os dias. Jane olhava admirada. Sempre admirou essas pessoas apaixonadas, que fazem coisas difíceis parecerem uma brincadeira, que são líderes naturais, criaturas carismáticas mesmo quando são duras, pessoas gostadas pelos outros em qualquer ocasião. Não tinha inveja. Ela mesma se sentia assim, alguém com capacidade de liderança e carisma, mas não queria ser líder. A relação dela com isso era diferente: enquanto Davi fazia da sua paixão uma profissão, Jane buscava ainda entender o que aqueles desafios significavam para a vida dela. E não queria ninguém seguindo-a. Queria companhia, gostava de pessoas, mas não queria ter a responsabilidade de dizer aos outros o que fazer. Pelo contrario: Jane achava-se geniosa e tão independente, que acabava sentindo-se só, então gostava de ser guiada, de permitir que lhe dissessem o que fazer na hora-limite, pois na vida “real”, ela não permitia que ninguém fizesse isso.

Jane e Davi haviam nascido no mesmo dia, do mesmo ano, com um mês de diferença. E essa foi apenas uma de dezenas de coincidências que descobriram entre si nos dias que se seguiram.

Quando a expedição acabou, estavam ambos realizados e tão felizes que não se continham. Era a oitava expedição de sucesso dele naquela região. E a primeira vez dela no alto de Alpamayo, a montanha considerada por muitos como a mais bonita do mundo. Jane achava que a montanha mais bonita do mundo, na verdade, era o Everest, mas achava muito difícil que um dia fosse conseguir escalar o Everest, então escolheu Alpamayo para ser a “sua” montanha mais bonita já escalada. Concluir a expedição com tanta facilidade e vibração enchia-lhe a alma de uma alegria que não conseguia sentir com nenhuma outra coisa.

No último dia juntos, Davi contou muitas coisas para Jane. Coisas que ela não poderia imaginar. Por trás dos olhos cansados dele havia toda uma história com idas, vindas e reviravoltas. Ele falou pouco sobre as outras expedições, mas contou sobre algumas dificuldades já ocorridas e como ele tinha lidado com elas. Jane também contou suas histórias para Davi, abriu seu coração de um jeito tão escancarado que ele se sentiu mergulhado na caixa de pandora. Foi uma experiência intensa, uma troca de energias que mal podiam acreditar que estava acontecendo. Não eram mais dois estranhos, como naquele primeiro dia. Aquele primeiro dia não parecia ter sido há cinco dias atrás. Estavam com a alma repleta da aventura que haviam acabado de partilhar. E parte dela era a permissão que um havia dado ao outro para invadirem sonhos, gostos, coincidências, decepções e desafios da vida diferente que levavam.

Quando se despediram, não sabiam como a história ia continuar. Se um dia iriam se ver de novo. Se voltariam a escalar juntos. Se a amizade sobreviveria à distancia e à paixão que não puderam conter um pelo outro; paixão deixada de lado porque não cabia ali, naquelas condições de altitude, temperatura e pressão.

Despediram-se com um beijo e um adeus tímido. Jane já era musa de alguém. E Davi o líder de outras matilhas. Todo o espaço que haviam dado um ao outro, davam-se conta agora, não fazia parte da continuação da vida normal, à qual tinham que retornar. Mas aquele encontro havia mudado alguma coisa dentro deles. Eram maduros e sabiam que a vida é assim – muda todos os dias. Mesmo assim, sabiam, naquele momento, cristalizado lá no alto da montanha mais linda do mundo, um mudou no outro a história que escreviam de suas vidas. Suas páginas tinham ficado marcadas, como uma passagem daquelas de tirar o fôlego, num bom livro. E enquanto caminhavam no aeroporto agora, cada um para pegar sua conexão diferente, sentiam, ao mesmo tempo, aquela dorzinha de quem chega à última linha de uma história que adorou.

sábado, 27 de agosto de 2011

OS OUTROS SÃO OS OUTROS

rio de mim mesma com muito escárnio. acho melhor assim. melhor que eu ria, que riam de mim. divirto-me bem mais rindo de mim do que dos outros.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

VOTO

De repente, o silêncio; ausência de voz, de nós, deles e todo o resto. Porque mesmo vivendo isso todos os dias, ou pelo menos em muitos dias, é raro perceber o silêncio e o corte na normalidade das coisas que ele faz. Estranhamos o silêncio como se ele fosse a falta do que não conseguimos expressar. Que bobagem. Se você puder notar, repare, é no silêncio que moram os melhores segredos, esses mesmos, que as palavras não sabem como dizer.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

EDIÇÃO ESPECIAL

Será que vamos lembrar dessas coisas depois? Outro dia eu chorei muito achando que tinha perdido minha memória. Já pensou, esquecer que meu pai me deu um conjunto de canetinhas e todo dia eu fazia um desenho diferente para dar a ele? Talvez eu quisesse esquecer algumas coisas, especialmente essas que doem e fazem sentir como se o tempo nunca mais fosse passar. Mas se eu pudesse escolher, acho que teria tanta dúvida, ia temer tanto apagar as coisas importantes. Sim, porque elas se escondem nas curvas, em pequenas brechas das memórias mais bobas ou infantis.

sábado, 20 de agosto de 2011

JEAN GENIE

Os dias passam. Velozes como uma estrela cadente. Na verdade demorando mil anos para passar. E a dor, que não passa, esmaece nas extremidades; não deixa claro onde tudo começa ou termina. O que está no meio é o que nos faz sorrir. Alvo fácil de mira difícil.

CAFÉ FRIO

Quando o tempo esfria, ele sente vontade de tomar café. Ela acha graça. Não toma café. Mas adora o gosto amargo que o beijo dele tem.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

PÉROLAS E PEDRAS PRECIOSAS

Sentados na beira do píer, ele me contou sobre seus sonhos. O cenário era de uma beleza surreal e eu tive a sensação de também estar sonhando. Ríamos como dois bobos, só porque tudo parecia engraçado. Só porque era engraçado o inusitado da situação: nós dois ali, dois estranhos, dividindo anseios e sonhos, falando de poesia, dos luxos que preenchem a alma. Eu falei sobre navegar ser preciso. E ele me falou sobre as pedras que guardava para seu castelo. Confissões cheias de amor e dor, preciosidades que moravam no céu e no mar dentro e ao redor deles.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

EM VOLTA

Te mando embora, mas você volta. Sai da minha vida só para voltar mais tarde, como um animal faminto. Não quer saber se eu tenho fome. Ou sede, ou frio, ou medo. Não quer saber se eu senti falta, se senti dor, pena ou raiva. Volta para mim como uma canção antiga, que eu jamais pude esquecer; cuja melodia, alojada em minha memória, pode ser ressucitada com um beijo leve.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

RASANTE

Ele me deu novas instruções. Teve o cuidado de um ourives, mas me deu uma missão. Se esqueceu que sou kamikaze. E me beijou com um adeus de quem queria voltar.

PERGUNTAS INFANTIS

Quando a gente é criança, tem todas as perguntas. Adulto, a gente acha que tem as respostas; se confunde, responde as coisas com pressa, descuida das respostas. Não percebe, mas o tempo anda ainda mais rápido do que a gente já sabe. E, sem notar, acumulamos perguntas sem resposta, respostas erradas, questões fora do lugar. Se existe uma hora certa de parar e recalcular, deve ser esta; avaliar as possibilidades direito, pensar com o carinho e a curiosidade da criança que fomos para começar a perguntar de novo.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

UM CAFÉ


Ele me chamou para um café. Eu estava meio sem vontade, mas fui.

Ultimamente andava sem vontade das coisas, sem paciência para as pessoas, cansada de minha própria impaciência e falta de interesse. Por isso fui.

Foi bom vê-lo. Ele estava bonito, empolgado, fazendo planos. A alegria dele era inspiradora.

Ele levou um livro e eu achei que era para matar o tempo enquanto eu não chegava, porque, ele sabe, eu vivo me atrasando. Mas num dado momento ele disse que queria ler para mim um trecho do livro. Perguntou se podia - ele era muito educado. E eu disse: claro!. Então ele começou:

"O pranto da moça redobrou tanto que senti os meus olhos molhados e fugi. Vim para perto de uma janela. Pobre criatura! A dor era comunicativa em si mesma; complicada da lembrança de minha mãe, doeu-me mais, e, quando enfim pensei em Capitu, senti um ímpeto de soluçar também, enfiei pelo corredor, e ouvi alguém dizer-me:

- Não chore assim!

A imagem de Capitu ia comigo, e a minha imaginação, assim como lhe atribuíra lágrimas, há pouco, assim lhe encheu a boca de riso agora; via-a escrever no muro, falar-me, andar à volta, com os braços no ar; ouvi distintamente o meu nome, de uma doçura que me embriagou, e a voz era dela. As tochas acesas, tão lúgubres na ocasião, tinham-me ares de um lustre nupcial... Que era lustre nupcial? Não sei; era alguma coisa contrária à morte, e não vejo outra mais que bodas. Esta nova sensação me dominou tanto que José Dias veio a mim, e me disse ao ouvido, em voz baixa:

- Não ria assim!"

Quando ele terminou, eu ria, mas meus olhos estavam inundados. Ele sabia que aquele era o meu livro favorito. E eu nem lembrava mais direito da história, nem que ele sabia sobre meu livro favorito.

Minha cabeça então se encheu de memórias. E quando ele fechou o livro, deu um gole no café e depois sorriu para mim, eu senti o sabor das lembranças com aquele gosto doce e amargo do café que eu bebia também.

Eu não disse nada, mas ele entendeu. A gente sabe quando o outro sente a mesma coisa.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

INTENTO

Seu amor, de mentira, me preenche de verdade. O seu amor, verdadeiro como a maldade, me engana, me atrai e trai. Meu amor, de verdade, a verdade é o que a gente sente. E as mentiras, sinceras desculpas pro que não podemos fingir. Me ame do seu jeito e eu te amo do meu. O que a gente não souber, a gente inventa.

AMORES E HUMORES

Sem jeito, ele diria algo divertido, só para distrair o mal humor dela. Ela mesma mal suportava o próprio mal humor. Olhava para ele e não entendia como todo aquele amor não enjoava, como todo aquele esforço para deixar tudo bem não o exauria. E ele olhava para ela e pensava apenas que ela era divertida até mal humorada.

INVASÕES

você invade minha rotina. diz que eu sempre entendo o que você diz. se envaidece com minha atenção. se lambuza com meu afeto feito criança tomando sorvete de manga. eu te seduzo. e você me arrasta para sua solidão invisível, me acarinha de maneira doce e bruta, me venda e me deixa tonta. diz que precisa de proteção mas nem percebe que também não me protejo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

UM SORRISO PARA ELE

ainda há pouco ele me fez sorrir de um jeito bobo, despretensioso... eu ri sem querer, sem nem perceber que o dia de repente tinha ficado bonito, como se não houvesse mais nada para se preocupar na vida. fazia um tempo que eu não percebia isso, que existem pessoas assim, que fazem a gente esquecer que o mundo é um lugar complicado, mas pode ser também bem simples se você, por um momento que seja, puder esquecer de todo o resto e trocar a importância das coisas por um sorriso bobo, despretensioso.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

PAISAGENS

paisagens são como portais para um mundo fantástico onde nada tem tanta importância diante do gigantismo e da brutalidade da terra, do céu, do mar e todas as suas cores verdes, azuis, amarelas e brilhantes, incapazes de serem descritas ou fotografadas com fidelidade porque são reais demais. paisagens são como passagens secretas que nos transportam dos lugares que visitamos e nos levam ao interior de nós mesmos, um lugar que conhecemos pouco, cheio de emoções que despertam acionadas pela estampa do que os olhos vêem.

UNIVERSO EM DESALINHO

mesmo com os olhos cansados, pôs-se então a observar a linha do horizonte, que dividia o céu e o mar, sem entender bem onde acabava um e começava o outro. pôs-se a pensar também sobre a linha invisível que lhe cortava em dois meridianos, um que queria voltar no dia que se punha ali junto com o sol; outro que queria avançar naquele azul profundo surgido com a noite que começava. e mais uma vez se perdeu nas divisões invisíveis a olho nu. uma viagem particular às linhas que dividem os continentes, os pensamentos, os sentimentos, o dia, a noite e o desalinho das nuvens de magalhães.

O SAL, O SOL, A LUA

daqui não vejo a lua.
não vejo se sua cama segue vazia.
o sol segue escaldante.
e, displicente, você me segue.
aqui não há silencio, exceto pelo mar.
e sinto falta do silencio da sua voz.
aqui vivo um sonho real. é o q eu esperava.
você é o q eu não esperava.
alojado na minha pele como o sal.
agora, com todo o mar me abraçando, ainda me falta sal. e sono.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

SENTIDOS

não dormi todas aquelas noites, esperando.
não tinha sono, nem sede, nem fome.
nada fazia sentido naquela espera.
nada fazia sentido.
mas eu esperei.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nada importa, ele me ama

estava aqui, pensando bobagens.
então o flávio me ligou pra dizer oi.
no final da conversa, como sempre, ele disse:
- não esquece, eu te amo. e quando um idiota te contrariar, diz pra ele: nada importa, ele me ama!

COMENTÁRIO

seu sarcasmo me devasta. mas se não por ele, como é que eu vou gostar de você?

terça-feira, 5 de julho de 2011

INFINIDADES

há coisas prosaicas que são reconfortantes, como a infinidade das estrelas e das palavras. 

BOLAS CURVAS

racionalizar os sentimentos é como entender o baseball e a delicada arte de rebater bolas ruins com boas tacadas.

SILÊNCIOS

Digo com todas as letras o que você teme ouvir e recebo de volta o silêncio, cheio do que você não tem coragem de me dizer. 

domingo, 3 de julho de 2011

roubado de um mural

"The only way of knowing a person is to love them without hope" - Walter Benjamin

PALAVRAS DELES

Era um dia típico de inverno. Cedo demais para o que ele desejava fazer. Tarde demais para convidá-la para o que ela já devia estar fazendo. Mas ela não saiu naquele dia. Olhou para o início da tarde pela janela e sentiu um misto de dúvida entre ir e ficar, fazer ou deixar que fizessem por ela. Parar de pensar e apenas deixar que as palavras dele ficassem perdidas no ar, desintegrando sem maiores interpretações, como faz o tempo com as coisas que a gente não dá atenção.

sábado, 2 de julho de 2011

QUANDO ACREDITO

tenho muitas dúvidas. não encontro nada que seja mais certo ou radicalmente errado. me deslumbro e me desaponto com a mesma facilidade. e frequentemente com as mesmas pessoas.

acontece, porém, em vezes espaçadas, inesperadas até, de eu acreditar. e há uma beleza nessa crença que é imensa. e me pergunto se é disso que as pessoas têm tanto medo.

não é uma crença no amor, do qual nunca duvidei. não é uma crença religiosa, porque sempre achei que o universo independe disso. mas quando você me ouve ou me diz alguma coisa, mesmo que cada um diga coisas diferentes, eu acredito.

gosto de acreditar em você. gosto de te dizer apenas verdades. de tentar, verdadeiramente, ser alguém melhor porque você me lembra que isso é importante.

e quando acredito, nada é mais importante que isso.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

em 1985 era estranho comer sushi

em 1985 eu tinha 10 anos. tinha certeza que meu time era o palmeiras e iria amá-lo pra sempre, embora o menino corintiano tentasse me fazer mudar de ideia. por isso numa festa junina, no elevador, eu dei o primeiro beijo na boca de um menino são paulino - eu não estava nem aí para o time dele nem ele para o meu. estávamos interessados em beijar. adorei. tinha gosto de quentão! naquele dia, além beijar, aprendi a gostar de quentão.

meus irmãos eram mais novos e eu mais ou menos tinha que cuidar deles. então a gente jogava bola, andava de bicicleta e via tv à tarde em casa. cada um tinha seus amigos, seus horários, mas às vezes as coisas se misturavam. era divertido com eles. e também sem eles, porque em 1985 eu tive minha primeira turma de amigos mais velhos.

eu tive sorte em 1985. as meninas da minha idade, do prédio ao lado, gostavam de ouvir menudo. na minha casa, meu pai ouvia várias coisas que eu gostava e nada parecia com menudo, então eu não conseguia gostar de menudo. uma menina que morava no meu andar e tinha uns 14 anos parecia saber mais das coisas. ela era mais velha, um pouco estranha e também não gostava de menudo. ela tinha uns discos parecidos com os do meu pai. e foi assim que começamos a ouvir genesis e yes. e ensaiamos uma coreografia de "owner of a lonely heart". naquela época eu cantava esse refrão com minha própria versão, algo parecido com "only with on the rocks", que para mim fazia todo sentido do mundo.

nesse ano eu vi essa mesma menina estranha dar uma bofetada em outra maior que ela. sonhei com essa cena por anos. nunca esqueci o barulho do tabefe. sem perceber, na época, desejei aquela força pra mim se algum dia precisasse dela. a força da coragem de dar uma bofetada em alguém. nunca precisei da bofetada, mas precisei da força. e também acho que tive mais sorte do que juízo por isso. seja como for, nesse ano, 1985, aprendi o significado de várias coisas, inclusive o da bofetada.

me lembro também que em 1985 meu pai teve um dodge azul. um carro lindo e barulhento. o motor tinha um ronco que eu nunca esqueci. era tão especial que um amigo do meu pai, um pianista que eu adorava, fez uma música para ele. "dojão azul". nessa época meu pai teve também um landau, que eu gostava ainda mais. não me lembro qual veio primeiro, se o dojão ou o landau. só me lembro que o landau era hidramático e tinha o banco emendado, gigantesco. e me lembro de imaginar que estávamos num avião quando andávamos naquele carro.

em 1985 me lembro de ter estudado a guerra fria na escola. foi o ano em que acabou também a ditadura militar no brasil. foi um ano de grandes mudanças sociais e econômicas no mundo inteiro. eu tinha só dez anos e tinha medo da guerra, dos militares, embora tudo isso ainda não fizesse muito sentido para mim. eu tinha medo dos caras do kiss, também. mas deles eu curtia ter medo.

eu não fazia a menor ideia do que seria minha vida dali pra frente. eu tinha vontade de ser astronauta, de ter uma moto e de viajar o mundo todo pegando carona. eu tinha vários sonhos contraditórios já em 1985. eu ainda não tinha comido sushi, mas já sabia que gostava de ostras porque um dia, na praia, para contrariar minha mãe, eu aprendi a comer o molusco viscoso e... foi legal.

é curioso parar de vez em quando e viajar até uma época remota da sua história. você descobre vários detalhes, momentos, pessoas e coisas marcantes na própria memória. algumas coisas nem são tão legais de lembrar. mas até isso, até os momentos difíceis são interessantes quando os colocamos assim em perspectiva. diz muito sobre a pessoa que somos agora. e talvez também diga muito sobre as pessoas que queremos ou não queremos ser.

hoje pensei em 1985. e em como era estranho comer sushi, falar com pessoas distantes, viajar e ter estabilidade financeira naquela época. não que eu pensasse muito sobre isso na época. mas em 1985 eu achava que estava começando a entender as coisas...

BEM OU MAL

Não sei que mal há em querer estar mais perto. Não sei no que isso te faz mal. Não sei porque você se afasta. Não sei porque eu dou um passo para frente e você dá um para trás, como num balé às avessas, um filme do David Lynch. Nossos lábios fora de sinc, dizendo coisas ao contrário, atraídos e desencontrados. Não sei porque isso funciona. Eu diria que não me importo, mas não é verdade. Funciona, mas não me faz bem.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

UM MOMENTO

pense num momento. num só. naquele que fez seu dia valer a pena hoje. todo dia tem um.

UMA VOLTA - parte 3

Ela sabia que ele não voltaria. Não que ele tenha dito algo, mas ela sabia lê-lo de uma maneira precisa que, no início, o encantava, e agora, tanto tempo depois, o sufocava.

Quando ele não voltou naquela noite, ela sabia, ele tinha ido se acabar em algum lugar. Algum bar bem fuleiro ou algum puteiro mais fuleiro ainda.

Ele era um homem falsamente sofisticado. Ele sabia o que era bom. Conhecia boa comida, boa bebida, boas pessoas. Mas havia algo no submundo das coisas ruins que o atraía de maneira desesperadora. As drogas, as putas, os vagabundos e viciados eram, ele achava, grandes companheiros. Eram pessoas que não esperavam nada dele. Eram seres inofensivos, com quem ele não precisava se preocupar em desapontar. Eram meros coadjuvantes na história cujo único personagem que importava era ele, certo ou errado, mesmo que isso não tivesse mais importância pra ninguém agora.

Ela sabia disso. E isso o deixava louco. Ele não queria compreensão. Ele queria apenas viver qualquer coisa que o fizesse se sentir vivo, mesmo que para isso precisasse morrer um pouco.

UMA VOLTA - parte 2 (por Marcelo Sanglard)

Continuou andando sem rumo até que, virando aqui e ali, viu-se de frente para o mar. Sentou-se em um banco de cimento sujo de areia olhou ao redor. O sol não incomodava mais. A culpa e o remorso menos ainda. Estava livre. Sentiu a vibração mecânica de uma chamada ressoar como um alarme. Encontrou o aparelho nos bolsos do paletó entre maços amassados de cigarros e embalagens vazias de preservativo. "Meu Deus. Que noite..."

LEITURA NÃO OBRIGATÓRIA

Antes de sair ele deixou um bilhete sobre a mesa. Ela leu, sonolenta, com os olhos ainda meio colados de sono. Leu de novo. Não entendeu nada. Que diabos ele queria dizer com aquilo? Ela guardou o bilhete no meio de um livro, tirado sem atenção da pilha perto da cama. Algumas coisas são assim, só fazem sentido depois.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

SEGREDINHOS DO FRIO

contemplo o frio lá fora, em pé, na porta da varanda, com o nariz quase colado no vidro frio. contemplo o silêncio desse frio, o ar gelado, parado feito uma cena num pause. os barulhinhos irrelevantes do relógio, o movimento lento do avião cruzando o céu, o reflexo colorido das velas queimando em ritmos diferentes em cima da mesa, tudo como uma cena congelada pelo frio debochado lá fora rindo de mim. e eu, eu contemplo quieta, como se já fosse madrugada, essas coisas que acontecem sem a gente perceber porque a gente nunca para só para contemplar as coisas direito.

O DIA PERFEITO

o dia perfeito é aquele em que nada tem que acontecer. e sem você notar, tudo acontece.

Começo, meio e fim

Ele a viu na porta do bar ao lado. Não lhe pareceu bonita à primeira vista. Mas era vistosa, gostosa se olhasse melhor, bonita se prestasse atenção. Era uma mulher sensual. Tinha um jeito de mexer nos cabelos e morder o lábio inferior que era quase uma provocação.

Sem perceber ele não parava de olhar para ela. Ele fazia esse tipo de coisa; saía sozinho e ficava na porta daquele boteco, tomando uma cerveja e fumando um cigarro, então de repente se pegava encarando alguém sem querer. Era por bobagem, uma camiseta ou tênis que lhe chamasse a atenção, o semblante de alguém vagamente familiar, qualquer coisa.

Não era esse o caso agora. Agora ele estava hipnotizado pela garota de calça vermelha, marcando suas coxas e quadris de falsa magra. A calça tão justa que ele podia ver a marca da calcinha quando ela virava de costas, inquieta ali na calçada. E ainda assim ela ria e se movia de maneira tão confortável que mexia com a cabeça dele de um jeito espiral.

Ela notou que ele estava olhando e olhou de volta fixamente por alguns segundos, depois desviou o olhar como se tivesse sido um engano. Ela tinha um olhar ladino, duro e doce ao mesmo tempo. E ele gostou do que sentiu - um calor repentino da virilha para baixo - quando o olhar dela encontrou o dele de novo.

Ele desviou o olhar assim que ela o encarou de maneira mais evidente. Não sabia bem porque, mas quando ela o olhava assim diretamente, parecendo sem medo, aquilo o deixava desconfortável. Ele gostava mas não sabia como olhar de volta. Sensações espirais...

Ele a queria. Ia lá falar com ela. Ela estava com duas outras mulheres, não seria difícil de abordar. Já tinha feito isso antes. Estava inseguro e nem sabia porque. Estava incerto de ir na hora certa. Não queria ser inoportuno. Não queria errar. Não queria desapontá-la.

Ela parecia ter desistido dele. Sentou-se de costas e continuava rindo com as amigas na mesa alta ali na calçada. Tomavam vinho. E agora ela tirava a blusa, tinha calor meu deus... Usava uma camiseta branca colada no corpo e por algum motivo injusto seus seios não transpareciam na camiseta, mas era possível ver que eram redondinhos e cabiam perfeitamente em suas mãos.

Ele olhou para baixo, para as próprias mãos, e pensou no que faria com elas se levasse aquela mulher para sua cama. Será que uma mulher como aquela iria para a cama com ele? Sentia-se impróprio. Ele ali, de bermuda e tênis, fumando maços de Malboro e bebendo cerveja no bar pé sujo. Ela no bar ao lado, sentada numa mesa bonitinha, de bancos altos na calçada, bebendo vinho e fumando Free Box.

Ela levantava para fumar. Saía de perto das amigas, provavelmente ecochatas antitabagistas. Ele mal conseguia olhar para elas. Ele mal conseguia olhar para outra coisa que não fosse ela. E ela olhou de volta de novo e sorriu. Ele sorriu discreta e lentamente. Ia desviar o olhar, reação atávica àquele calor na virilha de novo, mas resistiu e ficou ali, sorrindo de volta, feito um bobo da corte, sem dizer nada. Ela deu um trago longo e prazeroso no cigarro, olhou de leve para o alto e lançou no ar de maneira quase lasciva a fumaça venenosa. Virou de costas, jogou o que restava do cigarro quase inteiro no cinzeiro alto do bar chique, e voltou para a mesa com as amigas chatas. Tudo pareceu ter durado horas, mas agora dava-se conta que tinha sido tudo muito rápido. Sensações espirais.

De repente começou a chover. Uma chuva leve, não exatamente uma surpresa com aquele tempo instável. Ela colocou a blusa de volta. A chuva apertou e aí ela correu com as amigas para debaixo da cobertura na calçada. Ele via sua bunda redondinha naquela calça vermelha e ficava com vontade de morder com força, como se fosse uma maçã do amor.

As mesas do bar se rearranjaram e ela se sentou de frente para as amigas, de frente para ele, mas sem que ele pudesse vê-la direito, como se as chatas fizessem uma barreira.

Chega, aquilo já estava passando dos limites. Ele ia lá falar com ela logo. Seu coração estava disparado. Esperou um pouco. Fez um trato com a chuva - assim que parasse, ele ia. - A chuva passou. Ele foi. Puxou ela de lado, perguntou o nome, o que fazia ali, essas coisas. Ela sorriu, respondeu e devolveu as perguntas, mostrou-se interessada. Ela gostava dele. Certo disso ele a puxou pela cintura, pediu desculpas por ser tão direto, mas confessou que não podia mais esperar. Ela olhou nos olhos dele daquele jeito difícil de novo e ele sentiu um misto de medo e vontade que fazia o calor da virilha se espalhar pelo corpo todo. Ela não desviou o olhar, nem o rosto, nem a boca, parada ali, entreaberta, esperando a reação dele. Tudo em câmera lenta, sensações espirais, vertigem.

Ele sentiu como se fosse sugado pelos olhos dela, que agora eram ternos como os de uma garotinha. Ele aproximou seu rosto do dela, sentiu seu hálito adocicado de vinho e beijou a boca dela com fome, como se aquele pudesse ser o último beijo que daria naquela mulher inacreditável que estava ali, entregue nos braços dele, de boca aberta para ele, salivando e sugando a boca dele de volta, parecendo gostar ainda mais que ele daquilo tudo.

As amigas pagaram a conta. Iam embora. Perguntaram se ela ficaria bem. Claro. Tudo estava ótimo. Ele se sentiu orgulhoso. Convidou para tomar uma cerveja. Ela estava bebendo vinho antes... tudo bem, ela disse, uma cerveja de saideira. Ela tinha senso de humor. Era rápida nas respostas. Quando chegaram na casa dele ela sabia quem eram as pessoas nos pôsters espalhados pelo apartamento. Ela conhecia os filmes, os músicos, ela gostava do Marlon Brando naquele pôster do Godfather, ela sabia quem era Tupac Shakur. Ela era realmente gostosa. E ele nunca entendeu como ela saiu tão fácil daquela calça apertada. Ela estava muito à vontade. O tesão dela parecia ainda maior que o dele. Ele ficava quase intimidado. Às vezes se sentia a presa ao invés de se sentir caçador, que era como gostava de se sentir. Isso incomodava e ao mesmo tempo seduzia. Mas ela se entregava. Deixava ele comandar a brincadeira. E isso o levava à loucura.

Treparam a noite toda. Ela fez tudo o que ele quis. Delicada, elegante e vadia. Ele quis que ela dormisse lá. Tudo bem. Ela dormia de maneira angelical. E quando esfregava o corpo dela no dele, começava tudo de novo. Ela dizia que ele era incansável, mas a verdade é que ela era assustadoramente gostosa, provocante e incansável.

Choveu durante a madrugada e a chuva caindo, ora forte, ora devagar, alternava com eles os gemidos e os silêncios de prazer noite adentro.

Ela era uma delícia, um bolo de chocolate que ele não queria mais parar de comer, mesmo se sentindo tão saciado e já tão sem energia restante para mastigar. A pele dela era deliciosa e o conforto que sentia em ter suas costas encostadas em seu peito relaxavam seus músculos instantaneamente. E dormiam assim, amontoados.

De manhã ele acordou com sede. Ela não quis beber água. Vê-la nua, espalhada pela cama, naquela meia luz da manhã, recusando a água, fez com que ele se sentisse um homem mau. Iria comê-la de novo. Ela não ia dizer não. Ela olhava para ele com aqueles olhos ladinos de quem queria muito dar para ele de novo. E depois ela iria, finalmente, ter sede. Iria colocar de volta sua calça vermelha apertada, quase imprópria para aquela hora da manhã, iria dar-lhe um beijo e iria embora, porque era assim que as coisas funcionavam.

Ele perguntou, quase sem poder conter a pergunta, quando se veriam de novo. Ela apertou os lábios num gesto de dúvida. Ele pediu o telefone dela. Ela deu. Ele perguntou se podia dar um toque para que ela gravasse o dele. Ela disse que sim, mas ele duvidou por um instante que o número estivesse certo. Chamou e o telefone tocou na bolsa lá na sala. Ela sorriu e ele se sentiu tolo. Foi com ela até a porta, deu-lhe um beijo terno e disse adeus para sempre. Não voltariam a se ver. Há histórias entre pessoas perfeitamente cabíveis e completas numa única noite.

terça-feira, 28 de junho de 2011

pequenas vontades pequenas

é madrugada outra vez. não sei se é cedo ou tarde. se você vem. se você vai me ligar em alguma hora imprópria outra vez. se vou poder te contar que adoro quando você me liga nas horas impróprias e improváveis. se vai haver mais uma vez, eventual, despreocupada e descontrolada como aquela outra vez. acho que não. acho que você não vem. passou o torpor e talvez a vontade. coisa superestimada é a vontade. parece que vai matar. mas, não. ela passa logo, derrotada por coisas meramente cotidianas como a fome, o sono ou outra segunda-feira.

Opening morning

It was early in the morning but she could not sleep anymore. It was summer and all the windows were wide opened, she was barely naked, lying alone in a big and messy bed. And she thought about him. It was a useless thinking, she thought.

(16/2 - on the way to rj to meet sister & lux, finishing "juliet, naked" - here's a short story I've created by mixing all my latest music and books' references with my mixed feelings for you)

QUADRILHA

Esta é a história de um menino que adorava festa junina. Na verdade, ele odiava festa junina. Era um caso clássico de amor e ódio.

Renata era a menina mais linda da escola. Ela usava maria-chiquinhas e tinha um sorriso que Rafael, muitos anos mais tarde, ainda lembraria de cada detalhe.

Rafael era alto para sua pouca idade. Era lindo, mas não gostava de ser tão alto. E toda vez que a festa junina na escola se aproximava, ele sabia que iria dançar com alguma menina alta e desengonçada. Era assim que as coisas funcionavam. Mas naquele ano, não. Naquele ano ele sentia tanta ansiedade pressionando suas costelas... naquele ano ele sabia que tinha que dar um jeito de dançar com Renata.

Ele foi falar com a mãe. Sabia que ela teria uma solução praquele problema. Sua mãe, tão doce e tão forte, ele sabia, iria saber o que fazer. Rafael ficou um pouco assustado com a solução da mãe - "quando a professora for escolher os pares para a quadrilha, você diz a ela que deseja dançar com a Renata. aposto que ela vai entender. mas se por acaso ela não entender, você não desista. diga a ela que só vai dançar se puder ser com a Renata". Mas ela disse isso com tanta firmeza que o menino não viu como não dar certo.

No dia que a professora anunciou que iriam escolher os pares para a festa junina, Rafael sentiu um certo frio na barriga. Mas estava decidido. Quando a professora disse seu nome e o de outra menina, que ele já nem se lembra mais, Rafael se levantou e disse, com toda a classe assistindo - "professora, espero que a senhora entenda, mas esse ano eu só vou dançar a quadrilha se eu puder escolher minha parceira de dança. e eu gostaria de escolher a Renata". A professora ficou um pouco espantada, mas não se opôs. Renata também não pareceu contrariada.

Naquele ano, então, Rafael dançou a quadrilha com Renata. Foi a festa junina mais bacana do mundo. Nunca nenhuma outra festa junina seria tão legal. Desde aquele dia Rafael adora festas juninas.

Minha inquietude e tua calma

Antes tua calma me irritava. Seduzia um pouco também, mas fazia sentido de um jeito que eu ainda não podia entender. Há várias outras coisas que eu não entendo. Há várias outras coisas que me derrotam porque não resistem à desistência. Desisto fácil. Quando não encaixa, não sincroniza, não vejo porque em insistir. Aí vem você, com esse seu ritmo quase letárgico, tão diferente do meu... vem você e mal se esforça, mas não me deixa desistir. Você também não desiste. Você resiste, eu acho. Não sei muito bem o que acho. O que sei é que a minha calma, novidade pra mim, faz uma curva grande ao teu redor. Pinta um quadrinho de você com cores difusas que eu custo a entender. Me cansa mas me intriga, então eu sigo tentando entender, me irritando com minha calma com tua calma, ambas numa luta tipo vale-tudo contra minha inquietude.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

forgotten thoughts

such a fool you are. such a boy playing the bad boy. such a fool I am for even care.

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so I dared and looked you in the eyes, catching them like a cat chasing the ball.

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I ran out of words tonight. I'm mute like a lamp.

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so it's not raining anymore. have you retired from the game?

SEGREDOS DE SABER

se num outro dia, com o sol assim por cair, se seus desejos se alinharem com os meus, posso te mostrar meus superpoderes.

MINHA LÍNGUA

penso demais e não vou a lugar algum.
paro de pensar e sinto na língua o gosto da estrada.
paro de falar porque não é só pra isso que a língua serve.
e o mundo, que não para, não repara em nada disso.
não fala minha língua.

http://www.youtube.com/watch?v=58-DCkdGL5s

DISTÂNCIAS

num dia sem sol as distâncias ficam mais evidentes. todos os passos, dados para tentar a aproximação, na verdade só fazem afastar. talvez seja só impressão. não necessariamente afastam, mas levam a outro lugar. e como há lugares puros e lugares perigosos, você nem sabe, mas corre tanto risco quanto eu.

terça-feira, 21 de junho de 2011

HÁ QUANTO TEMPO

Agora quando penso em você sinto-me estranha. É como se nossa história, ocorrida num tempo que já parece tão remoto, tivesse acontecido com outras pessoas, não eu e você. Sinto que você some de mim. Evapora da minha pele e se condensa num outro formato; colagem de memórias num álbum que começa a amarelar. Imagino que você sinta o mesmo. Aquela história nunca vai deixar de existir. Mas quando você me encontrar de novo já existirá toda uma outra vida nesta janela de tempo. E eu serei apenas alguém do seu passado.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

PRATO DO DIA

penso em você enquanto como meu frango pintadinho com gergelim preto. vai ser difícil não sorrir até a hora de escovar os dentes.

TOMATE COM OU SEM PELE

qualquer coisa feita de tomates deve ser vermelha*, senão a gente não acredita que tem tomate, como se isso fosse algo inadimissível. e será que não é? algumas coisas são assim e, apesar de parecer, isso não é óbvio. penso que a questão da pele também é bem importante.

*ouvi do alex atala

sábado, 18 de junho de 2011

TRILHAS SONORAS DE AMOR PERDIDAS

Esta noite perdi vários amores. Ganhei outros. Ganhei outro. Misturei as historias. Pensei num homem. Pensei em vários. Pensei em mulheres. Pensei nas mulheres importantes para mim – coisa na qual nunca tinha pensado e nem pensei propositadamente, exatamente naquele momento, mas ainda assim, por causa de tudo o que vi e ouvi e senti.

Começo a historia assim, verborrágica e exagerada, como gosto. E como não gosto de ser. Mas não tem outro jeito. Medi o dia hoje desde ontem. Planejei não planejar nada disso. Pensei em não pensar sobre o que sentiria hoje. E virei a esquina e dei de cara com o que não queria pensar. E dei uma volta de 360 graus e dei de cara com a primeira opção, com aquele primeiro lugar em que procurei (rápido demais) e não achei aquilo que eu viria a descobrir mais tarde que estava exatamente lá, porque lá era o seu lugar desde o início, mas que, de tão óbvio, eu não percebi. Ou ignorei. E só vi depois, como às vezes acontece. Mas é assim. Essa volta imensa que a gente dá antes de contar exatamente o que a gente quer contar.

Felipe Hirsh e Guilherme Weber escrevem, encarnam e declamam nesta noite inesperada um monte de coisas que eu já disse, que eu quis dizer, que eu não tive coragem para dizer, ou viver, ou lembrar, ou escrever... ou ouvir...

Esta noite eu vi com uma amiga (inesperada e tão esperada) uma peça – logo eu, que não gosta de gostar de teatro – chamada “Trilhas Sonoras de Amor Perdidas”. E minha amiga, atriz formada, encontra-se completamente engolida pelo texto e pelas músicas e também pelas atuações e questões técnicas e igualmente irrelevantes e vistosas que a gente não consegue ignorar. É tipo um tsunami. E corremos e nadamos loucamente tentando sair dele sem saber se essa é mesmo a melhor decisão.

Durante três duras e doces horas os poucos personagens em cena desfilam, comentam, discutem e ouvem, cheios de tesão, paixão, amor, ódio, dúvida, fome, resignação, numbness e misturas de idiomas, palavras e canções e sensações que você não consegue viver, ver ou ouvir em outra língua. Um excesso... E eu, louca por combater o excesso, não consigo combater o excesso em falar sobre isso... Excesso de reticências, de pausas. E paradoxalmente, excesso de canções e filmes e momentos fúteis de nossa história, que parece tão ridícula diante de outros momentos da história... tão distante de Guernica, de Beatles, de tudo o que até então era referência que é até difícil de acreditar que Pearl Jam tem mais de 20 anos e que nós já há algum tempo desafiamos as casas dos 30, 40, 50, 60 anos... tudo em excesso, até a longevidade – afinal, quem acredita que os Stones estão todos (ou quase) vivos? Que Ozzy, Leonard Cohen e Clint Eastwood ainda são homens absurda e bizarramente desejados até hoje por pelo menos umas três gerações de mulheres desajustadas e incríveis, como Jane Birkin, Sophia Lauren e Diane Keaton?

A história da peça de hoje é um patchwork de várias histórias e de muitas histórias nossas. Uma conexão surreal das pessoas que éramos (ou pensávamos ser), das nossas lembranças e reminiscências, das lembranças que temos de coisas que vivemos ou coisas que não tivemos coragem de viver, mas que conectam-se conosco de uma maneira muito profunda, com uma sensibilidade muito à flor da pele – ou será que isso foi só comigo e com minha amiga aniversariante? Ahhh, vai saber...

O que sabemos é que os tempos são outros e não perco mais meu tempo falando sobre coisas que não me interessam. Ninguém me paga para uma ou coisa ou a outra. Escrevo porque preciso tirar de mim essas coisas todas – impressões e emoções que obras, músicas, pessoas e tantas coisas incompreensíveis e imensas me trazem. Quando uma coisa assim me atinge, é bem difícil de controlar. Me desencadeia uma série de lembranças e emoções exageradas. Tão exagerado que me faz pensar naquele filme que a gente vê da própria vida naqueles dramáticos 5 minutos antes de morrer. Exagero, né? Nada a ver falar de morte – mesmo ela sendo parte da vida e de eu andar dando de encontro com ela toda hora, no jornal, na notícia, na música, no livro, na peça, no feriado cancelado e depois descancelado, na vida de modo geral... E penso, atavicamente, naquela canção do Jorge Drexler que diz que “morrer também é lei da vida”.

Hoje eu fiz acompanhada (e bem) uma viagem que teria feito sozinha, à uma terra distante e dissonante sem nome e sem precisão no mapa. Percorremos um trecho relativamente longo de memórias de pessoas, lugares, canções, filmes, personagens e referências de coisas que fomos, que somos e que nem imaginamos ser. Muito estranho quando a gente vai pra um lugar assim, meio que esperado, mas que de repente mostra-se totalmente inesperado, e ele se transforma em mais um daqueles momentos que você acha que nunca mais vai esquecer. E às vezes se esquece. E às vezes lembra dele, como um momento fulgaz e esquecido, que você achou que nem nunca mais ia lembrar. E de repente lembra e acha que nunca mais vai esquecer. Como uma música, cuja letra de repente você aprende e foi tão fácil e há tanto tempo que, um dia, sem saber direito o porquê, lembra e tantas outras coisas passam a fazer sentido – ainda que só façam sentido pra você.

Como ignorar a gentileza e as coincidências e as saudades depois disso? Sou só eu ou estamos todos meio sensíveis ultimamente? Não sei... sou só eu ou perdemos todos um pouco dos sentidos e das trilhas sonoras óbvias de nossas vidas? Não sei... Sou só eu ou de repente todo mundo começou a usar novos formatos? Não sei, mas talvez não seja só eu, talvez seja realmente um outro tempo. E é sempre bom a gente encontrar quem consiga contar as histórias desses tempos. Foi bem legal ver essa história hoje e compartilhar aqueles tempos. E esses tempos também. Parabéns, Sutil Cia. De Teatro e Angelita, pelos seus aniversários. Que sorte tenho eu em celebrar com vocês os primeiros minutos de um novo pedaço de história.

COM QUANTOS NÃOS SE FAZ UM SIM?

você pode dizer mil nãos. o universo, não. o universo sempre diz sim.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

MAIS UMA NOITE

Ela o pegou pela mão e o sentou na ponta da cama. Ficou de frente para ele e lentamente começou a se despir. Ela era o tipo de mulher de quem ele podia esperar algo assim. Mas a verdade é que ele não esperava. Paralisado pela nudez lenta e tranquila dela, ele mal pensava. Mal respirava. Via, sentindo cada músculo do corpo contraindo, a pele da barriga aparecendo devagar enquanto ela tirava a blusa. Deixou os seios nus de repente e por muito tempo ele tentou decidir se olhava o mamilo direito, contornado pela luz dourada do abajur atrás dela, ou o mamilo esquerdo, que tinha uma pequena pinta, que ele já conhecia e tinha na memória como se fosse um ponto importante num mapa. Ele tinha seu corpo gravado como uma carta náutica na cabeça. Mas olhar seu corpo assim, sendo descortinado aos poucos, num espetáculo só para ele, isso ele não esperava e tudo parecia diferente. Ele gostaria que suas veias se enchessem de sangue, que seus poros se inundassem de adrenalina e tesão sórdido, mas... não. O que sentia era confuso, divertido e delicado como suas tatuagens. Ela ficava nua na sua frente e enquanto ele olhava suas coxas e seus poucos pelos entre as pernas e seus joelhos que se separavam de maneira escandalosa, ele pensava em lamber sua pele bem devagar, como se fosse um sorvete de limão. Então ela virou-se de costas e se inclinou para apagar o abajur. E naquela noite, mais uma vez, tudo foi diferente.

MALÍCIA CERTEIRA

Sentiu aquela cosquinha na ponta do umbigo. Aquela sensação de que finalmente as coisas começavam a dar certo. Via que as pecinhas se encaixavam devagar e tudo parecia fazer sentido. Sabia que em algum momento haveria uma trombada, aliás, a qualquer momento. Mas não agora. Agora aquele calor na palma das mãos era sinal de que por ora tudo iria simplesmente dar certo.

O QUE É SAGRADO

Aquela era a hora em que ele mais mais sentia sua falta. Via o sol alaranjado do fim do dia na janela do escritório e lembrava que era nessa hora que ela costumava ligar para saber se ele também estava vendo o espetáculo. E por um tempo ver o sol se pondo era um programa sagrado. Depois ele passou a ver o sol se pondo com raiva. Depois tristeza e amargura. Depois solidão, apenas. Mas agora via o sol se pondo como via antes, achando bonito apenas, sem expectativas ou fantasmas. Pensava que todo dia é sagrado e vale a pena, mesmo quando não parece, mesmo quando parece que a gente vai morrer de tanta saudade.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

28 DIAS

Ai, me deixa, vai
Não quero mais brincar
Ainda é cedo pra acordar
Ainda mais que nem dormi
Me deixa quieta por favor
Não me satisfaz o torpor
Dos corpos que mal conheço
Me deixa, mas fique aqui
Porque meus pés são frios
E meus olhos viram rios
Quando você não está
Me deixe, mas não me esqueça
Me queira, mas não me peça
Que eu seja apenas tua
Porque sou como a lua
E nunca estou igual
Todos os dias

Seção de importados

Menina, a vida é tão mais divertida quando isso não tem a menor importância... afinal, pense bem, só tem sentido nessa vida aquilo que nos traz satisfação. Ainda que te custe alguma coisa. Ainda que te espete uma sensação de frivolidade. Mas sei lá, acho que viver com intensidade sempre traz esse dilema – será que isso vai ser bom ou ruim pra mim no momento? Aliás, será que isso realmente me importa?

terça-feira, 14 de junho de 2011

BIPOLAR COMO UM URSO

então é assim que as coisas são. diretamente dos fragmentos minúsculos e simples para as laudas interminavelmente complicadas. será por isso que o urso hiberna?

Sobre a paixão e o amor

Ser uma pessoa apaixonada – sinto que isso é uma coisa boa, mas às vezes é também um inferno. Meu coração gosta de ser inquieto, raramente fica tranquilo. Me apaixono todo dia e a paixão pode durar 15 minutos ou quinze anos, quer dizer, isso não é uma regra, apenas os limites que eu conheço. Eu até queria ter um coração mais dedicado, mas acho que é da natureza dos corações apaixonados ser um pouco volúvel.

Gosto de histórias de amor e elas sempre começam com paixão. Talvez seja esse o motivo de me apaixonar fácil. Gosto do poder transformador que a paixão dá às pessoas. O coração disparado, a sensação boba de alegria por absolutamente tudo (ou nada!), o esforço que a gente faz para tentar ser melhor só pra ver se conquista o outro, sem nem perceber que isso faz a gente melhor MESMO. Ou pior, nos casos extremos. Apaixonar-se é levar um susto a cada instante, é um salto de paraquedas com aquela sensação de queda-livre interminável. Um inferno. Mas eu gosto.

Curioso como a gente tenta se defender desse sentimento por medo de sofrer. Talvez seja instintivo – na iminência da dor, é natural haver uma urgência por defesa. Tudo o que tira a gente do eixo é potencialmente assustador. E a paixão faz isso, fato. Tira tudo dos eixos.

Há pessoas que são resistentes às paixões. Admiro essas pessoas. Elas são duronas. Se bastam. Não necessariamente são mais felizes, nem mais completas, mas certamente são mais tranquilas. É isso que acho valioso e admiro nessas pessoas que raramente se apaixonam – essa tranquilidade. Não há tranquilidade na paixão, fato.

Quem se apaixona, sabe. Os minutos livres acabam. Todo minúsculo momento livre dos seus pensamentos será ocupado pela razão do seu afeto. E assuntos relevantes como o trabalho, a dieta, a economia, a paz mundial, o mundo de modo geral, ficam irrelevantes ao competirem com a frivolidade da sua paixão.

A paixão é uma inquietude. Sua irrelevância é proporcional ao seu poder. Ninguém é melhor ou pior pessoa porque se apaixona. Mas é inegável que as paixões provocam o que há de melhor e de pior na gente. Paixão gera interesse, gera esforço, gera entrega e doação. E gera ciúme, expectativas, desapontamentos, violência. E faz a gente aprender coisas importantes, sejam elas agradáveis ou não.

Apaixonar-se é aprender uma nova língua. É conhecer outros códigos, habilitar novas condutas, ouvir com atenção redobrada, ver com outros olhos. É um esforço louco de querer ser mais para poder ter mais do outro. É comer com fome a comida preferida.

Decepcionar-se ou falhar são percalços do caminho. Podemos viver com ou sem eles. Apaixonar-se, não. Apaixonar-se é loteria – começa na sua mão mas não depende só de você. Depende dos números, da sorte, das regras, depende de como você escolhe jogar. Se nada der certo, tudo bem, segue a vida. Mas se você ganhar... tudo muda e a única certeza é que vai dar o maior trabalho.

A paixão não é necessariamente necessária, mas ninguém discorda que é como o açúcar – não precisa, mas o mundo é tão mais gostoso com ele.

Se eu pudesse escolher, não sei se escolheria poder apaixonar-me ou não. A paixão me perturba tanto quanto me encanta. Me alimenta ao mesmo tempo que me cansa. Me faz pensar, o que é bom, mas também me faz pensar demais, o que é ruim.

Sei lá. A paixão é uma dúvida. O amor, não. O amor pode até não ser uma certeza, mas certamente é outra coisa.

UMA VOLTA

Era um dia comum. Ele saiu cedo e assim que pisou na rua seus olhos arderam por causa do sol, ainda lavado, mas já quente de crueldade em lhe dizer que ia ser tudo igual outra vez. E ele não podia mais. Todo mundo tem um limite e ele sabia que tinha que descobrir o dele. Resolveu então não voltar mais. E adivinhe? Ele não voltou mesmo.

domingo, 12 de junho de 2011

Dia dos namorados perfeito

De modo geral acho que as datas comemorativas são bobas. Mero argumento comercial para turbinar as vendas. Gosto de aniversários. E também de Ano Novo. Gosto dessas datas porque elas “zeram o cronômetro” e nos dão a referência necessária pra gente não se perder no tempo. Já dia das mães, dia do índio, dia da árvore, dia dos namorados, acho pura bobagem.

Quando se tem um namorado, dia dos namorados tem que ser todo dia. Todo dia a gente devia lembrar o porquê daquela pessoa ser o nosso namorado. Todo dia devia tratar bem, cuidar, mimar, amar. E presente, que é tão bom de ganhar, é melhor ainda quando se ganha fora da data, não por ser dia de alguma coisa, mas porque é tão gostoso dar ou ganhar um presente só porque dá vontade ou tem a ver...

Tem quem se deprima por não ter um namorado no dia dos namorados. Acho uma tremenda perda de tempo. Quem não tem namorado e se preocupa com isso devia aproveitar a data para pensar no que, de fato, significa ser solteiro: ter a vida diante de si, cheia de possibilidades.

Ter namorado é gostoso, ainda mais nesse frio. É bom ter alguém pra abraçar, pra beijar, pra dormir com as pernas enroscadas, ir ao cinema e dividir a pipoca. É muito bom amar alguém daquela maneira que a gente nem consegue medir e se sentir amado de volta no mesmo tanto. Mas penso que isso só é tão bom assim porque é raro, especial e não é com qualquer pessoa que dá certo. E não faz sentido se for de outra forma.

No dia dos namorados gosto de pensar nos motivos certos para se ter um namorado. Não pode ser por carência. Não pode ser por medo. Não pode ser por conveniência, nem por interesse ou circunstância. Gosto de pensar que namorado é um melhor amigo com quem dá pra dividir paixão – e toda delícia que a paixão compreende.

Quando não tenho namorado, gosto de lembrar no dia dos namorados que não é sempre que a gente pode ter tudo. E quando a gente não tem namorado, não tem por quem suspirar ares românticos nem com quem partilhar aqueles momentos em que é tão melhor ter companhia, gosto de pensar que esta é uma ótima oportunidade pra mergulhar nos meus próprios sentimentos e pensamentos.

Acho que as pessoas solitárias, na verdade, são pessoas mal resolvidas com elas mesmas. Acho isso porque acredito ser importante saber ser só. Quando estamos sós percebemos muito melhor as coisas que nos são importantes e isso nos dá a chance de fazer aquelas correções de rota necessárias para que a gente evolua: estou feliz com minha vida? cuido bem dos meus amigos, da minha família? faço coisas que me dão satisfação? faço bem para as pessoas? se eu deixar esse mundo amanhã minha visita aqui terá valido a pena?

À despeito de todas as dores, crueldades e tristezas que existem espalhadas por aí, não é difícil ser feliz se você faz a sua parte e aceita como aprendizado o que o mundo te devolve. Às vezes é tão difícil que a gente acha que não vai agüentar, mas a verdade é que não há nada que se apresente no nosso caminho que não nos caiba – e só depende da gente mesmo a decisão do que fazer com isso.

Por isso, no dia dos namorados ou em qualquer outro dia, a regra de ouro é: aproveitar cada minuto sem pressa, degustar as experiências, prestar atenção para fazer e receber o bem, cercar-se de pessoas boas e quando estiver só lembrar de tudo isso, assim o coração fica nutrido e pronto para receber o que lhe for destino, seja paixão ou decepção (porque sempre há 50% de chance para cada lado), mas não desanimar NUNCA e nem esquecer que é muito legal ter boa companhia até para ficar sozinho.