terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vivendo com gosto

Eu vivo com gosto. Gosto quando o sabor das coisas me faz sentir como um bicho, que precisa conter a fome às custas de razão e compaixão. Eu vivo com fome. Meu apetite variável, porém, me distrai, me confunde, porque o mundo vegetariano, ayurvédico, oriental e estranho me é tão bom quanto um t-bone mal passado ou algo simples como misto-quente, principalmente se o queijo puder ser palmira. Ou qualquer outro queijo, mesmo que o minas não me emocione. Eu penso sobre o gosto das coisas. Sobre como o sangue tem gosto de ferro. E o suor às vezes é salgado como a água do mar. Eu penso sobre o cheiro do mar e como posso sentí-lo se fechar os olhos e respirar com cuidado e atenção. Mesmo que esteja em São Paulo, num dia confuso de sol, ventania, calor e chuva de verão, mesmo que ainda seja uma primavera chorada, de mais flores amarelas no chão do que nas árvores da cidade. Me dá gosto sentir que essas coisas me atingem. Me ajudam a ver o tempo passar com uma precisão que antes eu não via. Me avisam, com mensagens simples, que algumas coisas parecem lentas, mas não adianta ter pressa. O gosto da pressa às vezes é doce e às vezes amarra, como as jabuticabas que só existem no Brasil. Gosto de sentir que me apego aos detalhes, mesmo que este apego não dure, mesmo que ele seja volátil como o álcool das coisas que flambam. Eu vivo com gosto, sim. Gosto mais quando as coisas me surpreendem e me tocam como eu não imaginaria ser possível. E gosto – e gosto tanto – de voltar em lugares, em pessoas, em bancos de praças, bancos de ônibus, bancos de metrô, como o metrô de Londres, que um dia me disseram que tinha um cheiro todo próprio e quando conheci, achei que próprio era um termo muito apropriado. Incrível como as coisas têm um cheiro próprio, um gosto próprio e nós, nossas maneiras mais loucas de nos apropriarmos disso. Eu vivo com meu próprio gosto e meu jeito confuso de gostar de coisas diversas. Diversos gostos. E há gostos amargos, como o da Guinness. Mas nem sempre tão bons. Há gostos que não são bons. O coração às vezes manda e às vezes obedece. O nariz também. A boca, então, nem se fala! Os gostos mudam. O importante é prestar atenção no gosto da mudança e não esquecer que a fome e a pimenta são temperos de dosagem delicada. Somos animais ingênuos, mas sofisticados. Vivem melhor os que vivem com gosto.

(texto inspirado no blog inspirador de Nicolla Raggio: http://vivendocomgosto.blogspot.com/)

2 comentários:

  1. adorei, minha querida. Inspirar um texto teu é um privilégio. Beijos. Muitos beijos!

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  2. Inspirar um texto teu é um privilégio. Muitos beijos, minha querida.
    (eu já postei este comentário, mas como não apareceu estou postando de novo)

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