terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sentido

Você não veio. Meus anseios, vãos, meus senãos, nada demais, nada capaz de impedir que vieste a me perturbar, que vieste a me incomodar. A lembrar que sou sou frágil, sensível ao que fazes, ao que não fazes, ao que me deixa incapaz de discernir se sirvo, se falto, se aos sobressaltos me encontro. Se consigo saber quem sou. Se faço sentido sem haver em mim um fim, sem haver você em mim.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Não disse

Olha, eu tentei dizer. Ensaiei, escolhi as palavras, o vestido, o lado que o cabelo devia ficar, mostrando um pouco do pescoço, minhas saboneiras magras que não sei porque acho que te seriam atraentes... Pensei na cena toda. Em deixas para abordar o assunto. Queria dizer tudo com calma, com coerência, com sabedoria e alguma humildade firme - dessas que te fizesse sentir o tamanho da verdade que existe no que sinto e como sou pequena diante disso, mas que te provocasse também aquela dúvida, aquela ansiedade de estar diante de alguém maior que você, de estar diante de uma chance única na vida e querer agarrá-la sem nem questionar razão alguma. Eu tentei dizer e ser clara - não passa! Isso de você que carrego em mim não some. Tento matá-lo ou, pelo menos, ignorá-lo. Tento disfarçar e me distraio com outras propostas. Faço outras tentativas que eu mesma não levo tão à sério, mas me distraio, me divirto um pouquinho. E de repente me lembro assim, por um acaso, que tentei dizer... e não fui clara. Não disse pra valer. Não disse que ainda queria, que ainda preciso. Eu disse apenas o suficiente. E o suficiente não foi bom o bastante para dizer o que precisava. Talvez eu tenha dito apenas aquilo que você já sabia. Aquilo que você deduz, que intui. Mas de que me serve, se não diz o que você ignora por opção?

Revolta das cores

Suas cores, meu bem, estão empalidecendo, ficando sem vigor, sem sabor. Cor carmim que fica rosada de tanto tomar sol. Fica surrada de tanto se expor. Suas cores, meu bem, de repente já não me interessam. Suas tintas, telas, pincéis, seus painéis sobre o que não entendo, sobre o que desvendo sem saber se errei, se acertei, porque é tudo tão subjetivo que acaba subjugado. E aquilo, que não quisemos nomear, meu bem, com medo das dores, segue ficando sem cores, porque não soubemos tentar.

A chance

Maybe if I write I won't think. Maybe if I don't think I won't mind so much. Maybe if I don't mind things can happen - and maybe change. Maybe if things change there's a chance. And maybe, if there's a chance, I'll write about it. Not to think, not to worry, not to tell - just to remember that there's a chance.

Leveza visita

A leveza me inunda e me deixa. Maré que sobe e que desce. Gente que chega e que vai. Maré que enche e se esvai. E eu que fico, apenas fico a observar. A linha da água brincando, num constante mudar. O vento indeciso se faz frio ou calor. E a leveza inunda. Questiona os fatos, questiona a dor, num vai e vem sem fim. Visita, bagunça, brinca, mas não mora em mim.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

À frente

Então ele iria embora com ela. Deixaria tudo pra trás. Jogaria o colchão pela janela. Não havia mesmo muito mais. Então já passava da hora. Há tempo para tudo. E o final de um ciclo é mero acaso caprichoso do início de outro.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Teoria e prática

Faltava-lhe apenas gostar um pouquinho mais das coisas. Ser um pouco menos ranzinza, um pouco menos rancoroso. Entender um pouco melhor que o outro é diferente. Se não tem apenas outro sexo, tem pelo menos outra sensibilidade, fragilidade, motivos, histórias, dores, amores, sofreres, questões, emoções diferentes das suas. É tudo um sistema, claro. Mas são outras métricas, outra rima, outra lógica que nem sempre combina com a sua. Nem sempre responde ou corresponde. Há tempos, lugares, momentos para cada um. Era duro apenas saber tudo isso na teoria e não ter sucesso em aplicar a prática.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tempo passado

Há tanto que não se disse. Há tanto que se guardou, que se escondeu, desperdiçou. Tememos, esperamos, escrevemos e apagamos e de repente já passou outro dia. Será que é preciso colocar na agenda? Fazer soar um alarme para nos dizer que já é tempo? Há que se ter algum talento com o tempo – se a fruta não está madura, amarra. E se está demais, esbarra nesse pequeno detalhe: passou do tempo, não serve mais...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Lembrando da lua

A lua está cheia e nossas vidas vazias. As esperanças, jogadas no fundo da caixa, tardias, cansadas, sem brilho nem viço. A lua está cheia e sua beleza ilumina as ruas, quase quietas, esperando algo acontecer, velando beijos escondidos, histórias que acontecem, que não são nossas, porque nossa história já teve sua lua e agora é só lembrança. Uma boa lembrança. Uma lembrança só.

domingo, 22 de agosto de 2010

Começo

Estavam conhecendo-se melhor. Era o primeiro café da manhã juntos. Ela preparava o café forte e seu cheiro inebriante inundava a casa. Ele preparava as torradas. Gosto com muita manteiga, ela disse sorrindo. E hoje acordei com vontade de comer duas fatias! Ele levantou os olhos e perguntou – mas quantas normalmente você come? Uma só, ela respondeu meio tímida, magrinha, quase magra demais, mas linda na luz da manhã que entrava pela janela aberta, trazendo o ar seco e morno da manhã já tardia, mas com as cores vivas das coisas que se iniciam.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

À deriva das certezas

Hoje eu entraria num barco e velejaria sem destino. Dizem que para um navegador que não sabe para onde ir nenhum vento é favorável, mas será? Navegar sem destino não é o mesmo que estar à deriva. Para se encontrar às vezes precisamos nos perder.

Sexta-feira

Há dias que nascem destinados a serem especiais. Não porque têm algum grande acontecimento previsto ou agendado. São dias diferentes apenas porque são mais bonitos, mais brilhantes; porque têm cheiro de verão, mesmo ainda estando um pouco frio; porque têm as cores da primavera, ainda que seja inverno. Nesses dias, nada precisa acontecer de fato para que as pessoas fiquem felizes. São dias perfeitos para lembrar que felicidade não tem formato, não é um estado de ser, de estar, de fazer, de ficar, de comprar, de beber, de comer, de dormir... Nesses dias rende menos pensar e mais sentir.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Escondido do mundo

1, 2, 3... o menino correu enquanto ouvia a contagem e se escondeu no vão entre a janela e o sofá. A barra generosa da cortinha lhe dava a cobertura perfeita. E o lugar inusitado de repente pareceu muito aconchegante. O cansaço da brincadeira somado ao conforto do esconderijo embalaram seu sono. Ouvia o agito da casa ao longe, mas era apenas uma massa de som indecifrável, que não podia sentir nem enxergar porque suas pálpebras estavam pesadas e não atendiam ao comando que ele nem sabia mais se queria enviar para que ficassem abertas. Estava sonhando e quase tinha consciência disso. Estava sonhando ali, entre a janela e o sofá. E nada mais no mundo podia ser melhor do que aquilo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Perguntas

Isso é paz, então? A paz que nem faz nem desfaz? A paz de Vinícius, de Gandi, de Bethania, do Dalai Lama? Que raio de paz é essa calmaria sem ventos, sem alentos para velejar? E faço o que para fender o mar, sair, mergulhar, voltar a respirar? Faço o que com tudo isso que está aqui querendo ser, recusando-se a esquecer, insistindo, adiando, desistindo de tentar entender? Faço o quê com essa paz, muito pequena e quieta para minha alma faminta e barulhenta? Faço o que com a previsão que não sei ler – hoje é calmaria, amanhã é tormenta?

Sem sono

Os dias sem calor. Eu, sem sono. Dias sem sossego. Eu, morno, sem sal, sem tempero, sem desespero, mas completamente sem cor, sem estar doente, mas com dor. O mundo impaciente, indelicado, desacreditado. Eu, deitado, sem forças para estar em pé, sem fé, sem nada. Eu assim, estranhando o mundo. O mundo assim, estranho em mim.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Tentemos

E se eu investigasse seus gens, seus bens, seus entes, parentes, seus gostos, desgostos, desusos... seus abusos, seus ossos? E se eu investigasse nossos esforços e juras, nossas curas pras doenças comuns? Essas mesmas que nos aproximam e que nos condenam eu a ti e tu a mim sem que possamos conhecer antes o fim. A última página da história só faz sentido quando há memória.

domingo, 15 de agosto de 2010

Recomeça

A noite fria
Eu vazia
Devia ser divertido
Mas é dolorido
Devia ser fácil
Mas é estranho
E estranhamente
É normal
É banal
Saber que é assim
Que não tem fim
Só começa de novo

Coisas que acontecem

Com as mãos suadas, pensava mais uma vez que loucura que era descobrir-se então com medo. E tentava justificar-se. Não era necessário, mas sempre tentava justificar-se para tudo, para todos... Já não era mais tempo de temer. Mas seu temor era atávico, aparentemente dominável. Poderia ser um alerta de inconseqüência, não fosse a inconseqüência desejável, necessária, resolvida. E seu temor era apenas uma prova, banal, apenas um atestado de que há coisas que não se entende, por mais que se vejam por aí, até acontecerem com você.

TUDO O QUE EU HÁ DIAS TENTO DIZER

"Quanto a mim...
O amor passou
Peço que não faça como a gente vulgar,
Que não me volte a cara quando passe por si,
Nem tenha de mim uma recordação
Em que entre o rancor
Fiquemos, um perante o outro,
Como dois conhecidos desde a infância,
Que se amaram um pouco quando meninos,
E, embora na vida adulta
Sigam outras afeições, conservam sempre,
Num escaninho da alma,
A memória profunda do seu amor antigo e inútil."

Texto "Cartas de Amor" de Álvaro de Campos

Você não sabe de nada

Nada disso. Vamos rir. Vamos rir até cair. Vamos cair. E levantar. E cair. E rir de novo porque a graça está aí. E se não fosse doer, como é que iríamos saber?

sábado, 14 de agosto de 2010

No tempo

E está tudo tão devagar. E nós reclamando. Ou rindo. Ou chorando. Tudo tão devagar e ao mesmo tempo, nos damos conta e olha aí, já foi. Já passou e nem notamos. Já fomos e voltamos e parece que nada andou, mas andou. O mundo moveu. Outros chegaram. Outros foram. E nós... sei lá. De repente ainda não era nosso tempo. E tudo tem seu tempo, certo?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Acorda

A bofetada acordou os seus sentidos. Arrancou-lhe lágrimas e integridade. Não sabia, porém, se aquilo provocava tristeza, dor ou escárnio. Havia merecido a bofetada. Ela lhe servia, sem dúvida. Ela fazia seu sangue correr, seu ar faltar e sua necessidade de fuga explodir de forma grandiosa. Então riu, não para zombar, mas para se despedir sem rancores ou arrependimento. Riu e foi embora lentamente.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

(Des)Ilusão

Sonhava que estava loucamente feliz. Havia um vento morno, com cheiro de mar. E não eram todos tão cínicos, tão tristes, tão personagens do jornal na TV, de hits and runs, de coisas tão absurdas, tantas mentiras, tantas perdas. Era esse o mesmo lugar do vento morno com cheiro de mar? Era ali o carnaval? Era de lá que vinha seu DNA, sua história, sua música, sua alma? Onde estava afinal? Onde é que havia ido parar? Era falsa aquela sensação de amor adulto, de segurança infantil, de correr descalço na areia sem se machucar? Por que ninguém mais sonhava? Por que insistiam que era melhor ir, que os destinos eram tão pequenos e estreitos que não comportavam mais do que uma pessoa só? E olhava em volta e via tudo tão vazio, todos tão longe... Via a tristeza como quem via o céu sobre o mar. E ela enchia o céu de um azul tão misturado, cinzento, tão frio, tão intenso e denso. A tristeza e suas cores às vezes pintam um quadro feio e assustador. Fica tudo tão escuro... os olhos se acostumam, pesam, cansam-se e estranham aquele sonho do começo, com a brisa morna com cheiro de mar e as estranhas cores do céu triste. As cores da desilusão. Era um sonho. Mas acordou chorando de verdade.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Meu deserto

Chorei até meus olhos doerem. Chorei todas as lágrimas que havia em mim. Sequei. Tornei-me um deserto. Agora superaqueço de dia e congelo de noite. Deixo o vento guiar minhas montanhas de areia e de nada. Deixo que ele me leve para os lugares onde não há ninguém. O deserto de todas as lágrimas choradas. Talvez elas agora sejam oceanos. E talvez você possa nadar nelas. Se for assim, então talvez tudo tenha valido a pena.

Flores loucas

A noite está fria e eu estou cansado. A hora avança e eu, derrotado, penso se quero avançar também. As flores me olham como se me velassem. Que horror! Será que pensam que morri? Sorriam, flores, ainda estou aqui! Estou apenas cansado. Me dêem meio motivo e volto a ser engraçado.

domingo, 8 de agosto de 2010

Marca d'água

O que eu acho triste é que uma hora acaba. E então o que se faz de todo esse amor? O que se faz de todo esse carinho desperdiçado? Jogado ao tempo, sujeito ao esquecimento, condenado a perecer despercebido, a morrer sem ninguém se dar conta. Esperemos passar. Demora, eu sei, todos sabem. Tudo demora tanto. E fala-se no tempo e fala-se na cura. E há cura, afinal? Ou chamamos de cura o que, sem solução, dissolve-se nos dias que passam, nas coisas novas que vêm. Outras emoções, outras canções, outras peles e sensações. Pode ser uma cura, sim. E ainda assim não deixa de ser um fim. E o desperdício talvez pareça menor, mas há ali e haverá para sempre aquela marca da dor de algo que acabou. Há um momento em que ninguém mais a vê. Mas você sabe. Esteve ali. E de algum modo sempre estará ali.

Fingida

Fingia amor. Fingia importar-se. Fingia gostar mais do que gostava mesmo. Esforçava-se ferozmente para agradar. Era empenhada, queria ter êxito, sucesso. Acreditava piamente que sua felicidade estava ali. Então buscava, atropelava, fingia crer que estava no caminho. Já não havia outra maneira. Seu mundo estava tão retocado que agora, mesmo que quisesse, já não sabia mais qual era a cor do verdadeiro.

Nunca sei se sei

Nunca sei se o que dizem certo é certo mesmo ou é para me confundir. Nunca acho que estou errada em querer o bem. Então nunca entendo porque preferem achar que estou certamente querendo outra coisa. Nunca penso se vão achar isso ou aquilo antes de tentar, efetivamente, fazer isso ou aquilo. Nunca entendo então porque deveriam se preocupar... Mas preocupa-me não saber, não entender, não achar, não suspeitar que no final das contas há contas a se pagar. Portanto, nunca sei se sei. Mas sempre desconfio!

sábado, 7 de agosto de 2010

Hora marcada

Não é o momento. Você está atrasado. Você está adiantado. Você está descompassado. E sua falta de compromisso, de hora, de juízo, de razão são como uma maldição. Estás condenado a esperar. Pegue sua senha e vá para o fim da fila! Mas se te der a louca, jogue fora o relógio, dispense os palpites cheios de equilíbrio e opinião. Como diria o Gullar, há que se escolher – e às vezes é melhor ser feliz do que ter razão.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dor de ouvir

Ouviu quieta a afronta e não deu um pio. Sentiu o sangue todo se esvair das veias. Sentiu os olhos aumentando, ficando gigantes. Pensou por um momento que estivesse entendendo mal o que ouvia. Insistiu na atenção, mas desistiu de tentar entender. Como se salva o que já está perdido? Como se perde o que já não se tem?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Demônios boêmios

Então a onda veio enorme. A garota arregalou os olhos, apavorada, sem coração, cérebro ou fé por cinco exatos segundos. Lembrou-se do que fazer. Encheu os pulmões, fechou os olhos, mergulhou como sereia e com a grandeza da baleia colocou a cabeça para fora e lembrou-se de que quando há paz, ela se faz presente mesmo diante do que parece um demônio infinito. Ou uma infinidade deles.