quarta-feira, 31 de março de 2010

Me faz mal

Parei de fumar. Estava me sentindo pronto. Vai me fazer falta – na verdade, já faz. Mas estava me fazendo mal. Parei. Vou engordar. Se eu tomar remédio para emagrecer também vai me fazer mal. Se eu voltar a correr acima do peso, também vai me fazer mal. Então talvez seja melhor parar de beber, aí emagreço. Sinto que isso também tem me feito mal. E tenho dormido muito tarde também. Certamente me faz mal. Desregula meus horários. O café também. Incrível como me faz dormir mal. E eu gosto tanto de café... mas me faz tão mal para o estômago. Esse último remédio estava tão eficiente, mas não posso tomar sempre. Se tomar sempre, faz mal. Talvez se eu levasse uma vida mais saudável. Se comesse umas frutas... Mas não sinto muito prazer com elas. Então, de certa forma, mesmo que elas não me façam mal, também não sinto me fazerem bem. Ausência de prazer... Faz mal pra libido, não? Queria poder fazer apenas as coisas que desejo. Mas quando penso nelas, vejo que me fazem mal. Todas elas. Fumar. Beber. Tomar café. Virar a noite. Trepar sem camisinha... ou seja, até amar pode fazer mal. Não há saída! Viver faz mal. Quem vai querer uma vida longa assim, sem fazer as coisas que fazem mal? Não eu. Acho que prefiro manter-me fiel ao prazer. Pode ser que isso me mate antes da hora, mas pelo menos não morro arrependido de nada. Nem de parar de fumar. Estou pronto. Parei mesmo.

Já era

Estava insatisfeito. Havia desfeito os laços. Mas sentia-se preso, lerdo, feio. Com a vida às avessas. Afeito às desavenças, sentia-se agora sem forças de brigar. Não era mais um homem. Era apenas uma porção de contradição.

terça-feira, 30 de março de 2010

Tráfego intenso (versão twitter)

Esse entra e sai inesperado de pessoas na sua vida. Esse tráfego incessante. Muitas vagas no estacionamento. Tão difícil chegar a elas.

Tráfego intenso

Esse entra e sai inesperado de pessoas na sua vida. Tanta gente, tantos lugares, tantas coisas que ele não sabia. Que angústia nunca conseguir saber tudo. Que tolice preocupar-se com isso. Que maldição falhar em não preocupar-se.

Sem engano

De que me adianta saber de você? Desculpe, mas acho que não quero mais. Eu queria, mas não sei se posso. Porque você vem e vai de maneira muito imprecisa. E às vezes é muito bom. Ilumina meu dia, me faz rir, me faz crer que é certo. Mas em seguida é como se eu perdesse tudo e o jogo acaba antes que eu queira parar. Aí não sei mais de você. Não sei se você foi para a praia. Não sei se você viu a lua cheia na madrugada de ontem. Não sei se seu carro alagou com a enchente. Se você teve dor de dente. Se você se distraiu. Se você viu um filme. Se sentiu frio. Não sei mais se sua barba cresceu. Se você parou de roer as unhas. Se você parou de sonhar com os ursos de óculos. Se emagreceu, se engordou. Se beijou aquela menina. Se teve vontade de beijar. Se pensou em mim. Se teve tempo. Se não teve tempo de pensar em nada... É muita dúvida pra mim. Preciso de atenção. Preciso que você me queira bem. E que me diga isso. Preciso que você pare um minuto do seu dia apenas para me dizer oi. Preciso saber que ocupo, mesmo que apenas um pouco, dos seus pensamentos. E se isso faz alguma diferença em seus sentimentos. Precisava saber. E se não sei agora, acho que jamais saberei. Então, de que me adianta?

Preguiça

Ficou olhando seu corpo mole, quase inerte, na cama. Pensou em escovar os dentes, mas iria acordá-la. Pensou em dar-lhe um beijo, mas ela iria querer começar tudo de novo. Pensou em ir embora, mas sentiria saudade. Pensou em ficar, mas não conseguia mais dormir. Pensou que às vezes falta um botão de pausa para a vida, que acontece descontroladamente, mesmo que você não queira, mesmo que você só queira ficar ali, sem pensar em nada.

segunda-feira, 29 de março de 2010

AOS PEDAÇOS

Arremessou a xícara de café na parede. E viu, em câmera lenta, o líquido preto se esparramar pela parede, os cacos brancos e sujos se espalharem pelo chão, todos incrédulos e confusos por sua explosão inesperada. Sentiram-se punidos injustamente. Eram testemunhas, não culpados por sua desilusão.

domingo, 28 de março de 2010

Travessia

Eu tirando tudo das prateleiras, das gavetas, de dentro de mim. E acreditando que você estava pronto para ser outra pessoa, para também tirar férias de você mesmo e parar de se importar com o que está certo ou errado, com o que faz sentido ou o que te faz feliz, mesmo que não tenha sentido nenhum para mais ninguém, mas faz mexer com os seus brios, com seus arreios, com seus freios e a maneira de encarar a vida. Eu queria poder te dizer que quem é responsável por isso é apenas você mesmo. Mas eu não posso. Não posso tomar as decisões por você. Não posso fazer as viagens por você. Não posso querer que você abandone quem sempre foi para sair e voar com uma desconhecida, alguém que se atira na vida como a tartaruga que sai pro mar recém saída da casca, determinada a chegar no mar, mas sujeita a qualquer tipo de predador porque não tem nenhuma proteção além de seus passos lentos e solitários, andando na direção da água por puro instinto. E talvez seja apenas meu instinto ser forte; superar as perdas diárias de interesse, de audiência, de paciência. Talvez seja apenas de minha natureza ser tão resistente. Natureza ingrata essa minha: ser um bicho destemido demais para me salvar e selvagem demais para salvar você. Poderíamos ser nós dois personagens daquela fábula onde o escorpião convence o sapo de atravessar o rio com ele nas costas e, picado pelo escorpião no meio da travessia, ele diz “mas por quê? Agora vamos morrer os dois.” E o escorpião responde “me desculpe. É mais forte do que eu. É a minha natureza.” A natureza é sempre cruel e direta. Lógica, simples e inesperada como as chuvas de verão.

sábado, 27 de março de 2010

Interpretando

Estava tão cansada daquela tensão toda. Era uma tolice querer viver aquela vida que sabia, não era a sua. Mas esse era mais um daqueles momentos, desses que a gente sente que algo não vai bem, mas não consegue ver ainda os indícios do problema. Deixa ele nascer grão e rolar montanha abaixo até que a bola de neve fique incontrolavelmente grande.

Que a força esteja com você

Sentia-se um cavaleiro jedi. Sentia-se atraído pelo lado negro da força. Tinha sonhos eróticos com Leia Organa. Mas acordava sempre de maneira trágica, numa piscina de suor, ainda sentindo o sabre de luz nas mãos e o gosto ruim da maldade na boca.

Tanto

Eu vi o dia. A luz mudou. Tudo mudou. Mudei. Não sei porque. Não sei o que. Não sei nada que não passe por você. Não sei nada de mim sem você em mim.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Distrações leves

Já era hora, pensou. E bocejou gostosamente. Ela viu. E sorriu. Feliz, distraidamente.

Foco

Loucura sua falta de atenção. Beira a falta de educação. Me esquece sem a menor cerimônia. Me deixa sem se despedir. Não me deixa entender a partida. Não quer saber do meu rancor. Não quer saber do meu amor. Da minha dor. Nada que o tempo não leve, não borre, delete. Nada que eu possa fazer.

quinta-feira, 25 de março de 2010

ACREDITE

Ele a olhou nos olhos, tentando acreditar. Mas era tão difícil. Ela não era a mulher que ele queria. Ele queria que ela fosse, mas ela não era. Ela podia amá-lo, adorá-lo, tratá-lo como um homem santo. Mas era pouco. E ambos sabiam. Aquele amor selvagem, brutal, sujo, jamais seria possível. E de outra forma já não lhes servia mais.

Preciso

Ele ficou ali, segurando sua mão. Não viu a tarde chegar. Não a viu ali, roubando a luz do dia. Não reparou nos pássaros fazendo barulho ao se recolherem. Ele segurava sua mão como se fosse uma extensão da sua. Não sabia explicar porque aquela paz lhe invadia de um jeito anestesiante. Não sabia explicar porque ali, quietos, imóveis, sossegados pela companhia um do outro, o mundo parecia mais vagaroso. Como se quisesse que aquele momento pudesse durar para sempre. Ele só sabia que devia ficar ali, segurando sua mão, que precisava da dele tanto quanto ele precisava dela.

segunda-feira, 22 de março de 2010

O amor que não temos mais

Seu amor por ele seria eterno. Algo intocável, sagrado, como um santo num altar. Era um amor quase irreal, quase platônico. Era um amor impraticável. Mas tinha formas e cores. Tinha um corpo composto de lembranças, de histórias realmente vividas, de sentidos e sentimentos explorados na totalidade. Era um amor como nenhum outro jamais poderia vir a ser, desses que só se vive uma vez na vida, que não acabam nunca e que, por causa dessas coisas da vida que a gente não pode explicar, agora era outra coisa. Não era menor, não era melhor, não era demais, nem de menos. Só era outra coisa.

domingo, 21 de março de 2010

Seus braços

Acontece que quando ele a enlaça pela cintura, o chão some sob seus pés. O mundo para de existir e todos os sons silenciam para que ela possa ouvir apenas as batidas do seu coração, acelerado por sentir a pele dele encostando na sua de maneira gentil, mas viril. Seus braços de homem são como uma casa, um abrigo para sua tristeza infinita, seu desejo febril de quem sabe que ama mais do que deveria.

quinta-feira, 18 de março de 2010

É madrugada de novo

A madrugada sempre lhe fez bem. Sempre acolheu sua falta de sono. Sempre trouxe o sossego dos sons, da euforia do dia com suas muitas vozes, muitas cores, muitos pulsos. Na madrugada o batimento cardíaco da cidade era ainda mais baixo que o seu.
E o fim da madrugada tinha o céu com a cor mais bonita do mundo. Tinha uma luz suave e tons que se transformavam a cada micro segundo. Tinha o escuro da noite, quase suja, quase imprópria. E tinha o claro do dia, quase distante, quase rosado, nascendo ainda sem gritar.
Era aquilo que ela gostava na madrugada. Sua simplicidade em ser complexa. Sua vocação de linha tênue. Sua existência de contrastes. Sua testemunha da convivência no mesmo tempo e (quase) espaço entre o sujeito silencioso acendendo o cigarro na volta para casa e o rapaz fazendo barulho ao abrir a porta de aço da padaria.
Mas para ela a madrugada era companhia, acima de qualquer coisa. E já era quase um ritual ela esperar pela hora em que o céu ficava azul-cobalto. Se às vezes dormia antes, acordava exatamente na hora do tal azul. Era como se a cor do céu que só existe aquela hora causasse nela um efeito detectado por todos os seus sentidos ao mesmo tempo, provocados pela mudança de luz, o piar ainda baixo dos passarinhos, o cheiro do orvalho parando de cair, a temperatura da brisa deixando de ser fresca, o gosto estranho na boca na hora de acordar. E assim acordava na determinada hora. Sem alarmes, sem sustos. De forma natural e apaixonada. Via a noite se despedir do dia e aí ia (ou voltava) para a cama, a dormir o pouco que o dia lhe permitia, afinal, o mais comum são as criaturas que dormem a noite e vivem de dia.
Não ela. Para ela sua existência podia ser resumida apenas àquele momento do dia. Apenas aqueles poucos minutos importavam. Seu cansaço da noite muitas vezes derrotava sua euforia diante do dia, então ela dormia. E não se importava de ter ou não dormido antes. Nem de conseguir ou não dormir depois. O importante era estar ali, junto ao céu da madrugada, fazer-lhe companhia. Testemunhar a passagem mundana do tempo, como ele realmente é, como ele realmente nasce: tranqüilo, óbvio e repentino.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Uma pena

Prefiro as coisas que me perturbam. Prefiro os beijos que me sugam a alma. Prefiro o torpor do que não conheço ao tédio das coisas que não me provocam nada. Prefiro você longe de mim. Não para evitar o problema, mas só porque você não vale a pena.

terça-feira, 16 de março de 2010

A menina e as uvas

Comia uvas com voracidade. Comia todas as noites. E tirava os carocinhos da boca com a ponta dos dedos, parecendo uma garotinha. Ele ficava ali olhando. Ela, distraída, vendo tv, comendo suas uvas. E ele pensava como algo tão simples podia ser tão bonito de se olhar.

Tudo o que não houve

Aquela mão que não me tocou. Aquela boca que não me beijou. Aquela mágoa que ainda não passou.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vontades

Não sou capaz, ele pensou antes de sair correndo. E correu, correu, correu até ter vontade de voltar. Mas aí já era tarde demais.

Triste dia triste

Acordei triste como o dia hoje. Triste como as nuvens carregadas. Triste como o dia que deveria ter sol e não tem. Triste como você, que deveria me ter ao seu lado e não tem. Triste como o vento frio do final do verão. Vou voltar a dormir. Esperar a tristeza passar. Esperar o dia acabar. Esperar que a chuva passe, que você chegue, que faça calor outra vez.

domingo, 14 de março de 2010

Morte lenta

Seu desinteresse pelas coisas crescia a cada dia. A bateria do telefone acabou. Seu irmão comprou outra e lhe deu para trocar. Há uma semana a bateria dormia ao lado do telefone sem fio, morto sobre sua base cheia de botões nunca usados. A luz acabou e, meia hora depois, quando voltou, a única comemoração na casa escura foi a do telefone, energizado subitamente pela volta da eletricidade, que lhe deu voz para alguns últimos gritos de vida.

Me esqueço

A violência do vento derrubou minhas plantas. Invadiu minha casa com um cheiro forte e excessivo. Me fez lembrar que está na hora de te esquecer.

Agora

Cansei de esperar. Se você vier, vou gostar. Mas vou embora com ou sem você. Tem que vir já. E por inteiro porque agora é assim: não vou mais fazer as coisas por partes. Agora tem que ser tudo ao mesmo tempo agora.

sexta-feira, 12 de março de 2010

encontros e desencontros

eles viviam se esbarrando. ele olhava, ela olhava. sumiam. passava o tempo. se encontravam de novo. e se perdiam de novo. ignoravam com uma certa estupidez juvenil o acaso ali, insistindo em cruzar o caminho deles. distraidamente ele pensava nela. e ela, distraída ou não, pensava nele. e pensava se ele pensava sobre isso.

wakening only

O dia está claro. Claro demais até para os meus óculos escuros. A tarde está quente. Quente demais até para o meu corpo pequeno, que sente frio à toa. Estou tentando acordar desde a hora em que acordei. Mas não há claridade, calor ou tentações demais para o meu coração, que hoje teima em querer dormir o dia todo.