domingo, 28 de março de 2010

Travessia

Eu tirando tudo das prateleiras, das gavetas, de dentro de mim. E acreditando que você estava pronto para ser outra pessoa, para também tirar férias de você mesmo e parar de se importar com o que está certo ou errado, com o que faz sentido ou o que te faz feliz, mesmo que não tenha sentido nenhum para mais ninguém, mas faz mexer com os seus brios, com seus arreios, com seus freios e a maneira de encarar a vida. Eu queria poder te dizer que quem é responsável por isso é apenas você mesmo. Mas eu não posso. Não posso tomar as decisões por você. Não posso fazer as viagens por você. Não posso querer que você abandone quem sempre foi para sair e voar com uma desconhecida, alguém que se atira na vida como a tartaruga que sai pro mar recém saída da casca, determinada a chegar no mar, mas sujeita a qualquer tipo de predador porque não tem nenhuma proteção além de seus passos lentos e solitários, andando na direção da água por puro instinto. E talvez seja apenas meu instinto ser forte; superar as perdas diárias de interesse, de audiência, de paciência. Talvez seja apenas de minha natureza ser tão resistente. Natureza ingrata essa minha: ser um bicho destemido demais para me salvar e selvagem demais para salvar você. Poderíamos ser nós dois personagens daquela fábula onde o escorpião convence o sapo de atravessar o rio com ele nas costas e, picado pelo escorpião no meio da travessia, ele diz “mas por quê? Agora vamos morrer os dois.” E o escorpião responde “me desculpe. É mais forte do que eu. É a minha natureza.” A natureza é sempre cruel e direta. Lógica, simples e inesperada como as chuvas de verão.

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