quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Cedo

Gosto quando o dia amanhece assim, aos pouquinhos, e encontro na sala vestígios de ontem a noite, alheios à minha visita à varanda para fumar um cigarro.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Good evening

Bastou um momento. Um encontro que poderia até ter sido casual. E de novo essa história se provando nada casual. Ela pensando nele de novo. Ele evitando pensar nela de novo.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sede

Ouvia Pete Towshend solar e ficava fantasiando agarrar o Roger Daltrey. Pensava nele sem camisa, como naquele festival Isle of Wight de 70. We need water. And maybe somebody's daughter.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Dúvida

Ouviu a sirene ao longe e ficou perturbada. A tarde estava linda, mas fria. Pensou que talvez devesse ligar para ele. Ouvir sua voz rouca de novo. Sentir suas mãos quentes de novo. O problema é que as mulheres sempre pensam demais.

sábado, 5 de dezembro de 2009

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Clam showder

Afogou sua decepção na sopa de mariscos, pensando que talvez nunca mais nada pudesse ser mais delicado que aquilo. A combinação cremosa com a pimenta do reino e a consistência estranha do molusco distraía sua mente confusa.

Outra vez

Outro mês, outro texto, outras aventuras, outras emoções. Você aí, teimando em ser o mesmo, em ocupar o mesmo lugar, em me deixar esperando, ansiando, ensaiando as coisas que eu queria dizer e não consigo. Daqui a pouco será outro ano e pode ser que poucas coisas mudem, mas nada será como antes.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

perdeu

perdeu a última lua cheia. o show do pearl jam. a noite descompromissada de quem não vai acordar cedo amanhã. perdeu a preferência no jogo. seu ás não vale mais nessa mesa.

Outra manhã de segunda

Vi a hora em que você foi embora, devagarinho. Mesmo silencioso, ouvi seus passos na escada. E depois o barulho abafado de você se vestindo. Fiquei na cama imaginando (ou sonhando) com a camiseta amarela cobrindo suas tattoos. Você se esforçando para não me acordar. E eu me esforçando para ficar acordada acompanhando seus movimentos de ir embora. Não ouvi a porta, mas de repente o silêncio ficou absoluto, exceto pelos passarinhos festejando o dia. Devia ser umas 7? Rolei para o lado, procurando o que restava do seu cheiro na cama. Dormi com ele até às 10. Era tudo o que eu tinha agora, antes do dia começar outra vez.

Novembros

Este mês foi o mais longo de todos os novembros. E nele me apareceu com mais intensidade um fenômeno estranho do tempo - ele fica comprimido por alguns dias, onde tudo parece mais lento e as coisas demoram mais para acontecer; depois dispara e fico com a sensação de que 3 dias juntos passam com a velocidade de apenas 1. E eu, que nunca lidei bem com tempos e timmings, ando me sentindo sem relógio e sem bússula. Comentei com minha avó que parece o fim dos tempos, mas ela sabiamente respondeu que é apenas o fim do ano.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

bali

voltei pra casa flutuando. olhando para o céu, pensando em nada, ainda com a sensação do vinho, da tarde quente e agradável com você.

as nuvens estavam começando a pesar no céu e, parada num farol, comecei a pensar no quanto você se parecia com aquela nuvem ali. toda fofa, se espalhando pelo céu despreocupadamente. doce como um algodão doce. leve e aparentemente inofensiva. mas eu sabia que à tarde iria chover.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Fim de tarde

A foto parecia fora de foco. E estava mesmo. Mas ainda assim ela adorava aquela foto. Estava entre os dois, com cara de chapada. Um estava incrivelmente lindo, com o rosto encostado em seus cabelos. O outro com um sorriso maroto, de paz e prazer, como se aquele fosse apenas mais um dia feliz. Como se dias como aqueles pudessem ser sempre possíveis. Juntos ali, os 3, fora de foco, completamente alheios à idéia de que aquele, talvez, tivesse sido um dos melhores dias de suas vidas. Um daqueles momentos em que, décadas mais tarde, quando fossem perguntados sobre um dia inesquecível, aquele seria o dia a ser lembrado.

Tudo

Essa mania de querer tudo. Todos os versos, os sonhos, as canções, as bocas, as lágrimas, os pingos de chuva que caem lá fora, o sol se pondo na baía dos porcos, o céu estrelado na laje do farol, o vento frio de são francisco, os acordes do ben harper, as tattoos maori, os moai que não têm plural. Todas as letras, todas as palavras, todos os idiomas e acentos esquisitos. Todos os quadros do Dali. E seus filmes. Seus poemas. Suas esculturas de baguete. Todos os bordeaux. Todas as leffes. Todo o tempo do mundo...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Insônia

1:41

Não quero dormir, nem adianta discutir. Quero comer o mundo de garfo e faca. Ficar aqui e assistir todos os filmes. Ouvir todas as músicas. Gozar todas as vezes. Muitas vezes. Escrever até os dedos doerem.

Esse cansaço não é do dia. É da minha alma, que dói e nem sei por quê. É dessa ansiedade brutal que não me cabe e não me deixa. Ele não me deixa dormir, mas me prostra. Me tolhe como uma faca que faz estrago mesmo sem estar afiada.

Vou dormir mesmo assim. Rolar na cama quente praguejando o travesseiro ruim, como se a culpa do aquecimento global fosse dele.

Vou sonhar com você.

Madrugada

Cris me olhava com uma cara triste enquanto eu abotoava a camisa sentado na ponta da cama.

- Não vá embora - me diz, com voz de criança.

- Tenho que ir, já está amanhecendo.

- Então me dá um beijo de tchau. Daqueles infinitos.

Dei-lhe um beijo com gosto de ressaca, sem saber direito se eu queria ir ou se queria ficar.

Desci as escadas devagar, ainda com sono. Acendi um cigarro na porta da varanda, balançando com o vento meio desgovernado que vinha de fora, num rangido baixinho, quase tímido, talvez por ainda ser madrugada.

O céu estava daquela cor que eu adoro, de um azul intenso que só existe naquela hora, pouco antes do dia querer amanhecer. As luzes lá fora, por trás da fumaça lenta que saia do cigarro, ainda brilhavam de forma intensa.

Eu ouvia Cris respirar baixinho enquanto colocava os sapatos. Fechei a porta da varanda devagar. Aquilo já estava tornando-se um hábito e pensei por um segundo se seria uma coisa boa. O hábito surge da repetição, da maneira mais dissimulada e cafajeste possível. E a gente se acostuma com o hábito. E passa a depender dele pouco a pouco. E se escraviza sem querer, do mesmo jeito que se pisa num chiclete num dia de sol quente e adota a porcaria para sempre na sola do sapato.

onde?

Imaginei que se as coisas continuassem assim ele me diria onde realmente queria ir. Mas era um mistério.

você

De um azul clarinho ralo, quase da cor do céu às 10 da manhã, seus olhos passaram por mim, parando nos meus por exatos 15 segundos. O tempo de uma vida inteira.

Heritage

Foi multado porque estava sem capacete. Mas o dia estava claro, o céu estava azul e foi impossível resistir ao vento nos cabelos, à sensação de ser uma coisa só, fundida com o tanque, guidão e pedais. O horizonte estava logo ali e a estrada, infinita, indefinida, incansável, esperava por ele e o acolhia em seus braços, como uma mulher desesperadamente apaixonada.

Prefiro assim

Não me interessa sua pele, sua boca, seus ossos e extremidades. Não me interessam suas desculpas, suas mentiras, nem seu talvez. Prefiro o seu não. Prefiro que não me ame. Prefiro que não me toque. Prefiro que se esqueça de todo o resto. Que se lembre apenas que nada disso me interessa.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

PARTITURA

Dedilhou o piano com uma tristeza tão profunda que era possível senti-la como um vento frio, desses que batem de repente, vindos do mar com ressentimento. Os dedos eram tão leves que pareciam não tocar o branco amarelado das teclas daquele piano velho, que rangia como se também estivesse sofrendo ao ser tocado. Como é possível caber tanta dor numa canção?

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

RUA BOA VISTA

Ouviu da moça do tempo que a temperatura bateria os 38 graus. Mas ali, atravessando a rua, o calor que subia do asfalto passava dos 50. Era como uma nuvem de fumaça que não se podia ver, mas que era sentida de modo intenso: subia pelas pernas, enroscava-ve atrás dos joelhos, melados de um suor pegajoso, misturado com a fuligem emanada pelos carros e os cheiros de coisas estorricando sob o sol.

VÉSPERA

O dia amanheceu cor-de-rosa, devagarinho. Ela esticou o braço, mas ele não estava mais lá. O silêncio da madrugada já havia sido invadido pelos passarinhos, denunciando que talvez fosse mais tarde do que ela pensava. Era um sinal de que aquele dia passaria mais depressa, como às vezes acontece.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

SEM QUERER

Pararam ali, na faixa de pedestres e, antes que o farol abrisse, se entreolharam sem querer. Seguiram na mesma direção, entraram no metrô e de repente estavam no mesmo vagão. Tudo sem querer. Ele parado na porta. Ela num banco próximo. Quando o trem parou, ela ficou do seu lado. A porta abriu e, exatos 3 segundos antes do alarme soar, lhe deu um beijo de 3 segundos e saltou.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Duo

Um pote de sorvete. Cheio de chocolate em pedaços em cima. A colher, fincada na massa no meio do pote, começava a suar e mudar de cor, enquanto escorregava a parte côncava lentamente para o lado, acompanhando a caldinha que escorria junto com o líquido doce e viscoso do sorvete derretendo, melando sua mão imóvel até que finalmente a música acabou.

Me olha nos olhos

Ela usava uma maquiagem azul, brilhante, na pálpebra inferior. O traço brilhava de maneira irritante e era impossível olhar para outro lugar. Por que as garotas fazem isso? Ele desviou os olhos assim que pôde e sentiu vontade de correr, correr, correr e nunca mais olhar para trás. Mas ficou ali mesmo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Gabriele

Gabriele. Olhos azuis-violeta. Da cor do céu na madrugada. E o sorriso mais branco que já vi. As sandalinhas verdes não tinham absolutamente nada a ver com o vestido laranja. E ainda assim, era uma combinação encantadora. Seu único defeito era gostar de Bon Jovi. Um pequeno, quase desculpável, desvio de caráter.

Bug

Estavam ali, num papo delicioso, naquele restaurante no jardim. De repente ele viu um bichinho daqueles verdes, minúsculos, que aparecem na grama, no cantinho da boca dela. Não sabia como avisá-la. Passou o almoço todo desconfortável. Queria tanto beijá-la, mas tinha medo do bicho.

domingo, 15 de novembro de 2009

DANI

Dani subiria no ônibus às 16h. Ia embora. De volta pra casa. Chega de SP, chega de trânsito, chega de domingos solitários com a TV ligada, dizendo nada, enchendo sua vida de um espaço vazio. Se Dani ficasse, talvez não fizesse diferença, mas ela estava indo e isso era triste. O adeus é sempre um momento esquisito, mesmo quando se quer partir.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sunday bloody Sunday

Temperou o suco de tomate como se fosse um bloody mary. Jogou no copo 2 pedras de gelo e uma rodela de limão. Sentou-se na poltrona de couro gelada pelo vento que entrava, arrasador, pela porta da varanda. Eric Clapton tocava com Steve Winwood num show passando na TV. Manhã cretina de domingo.

Your love is teaching me how... how to kneel

Tirei os sapatos como quem tira as ferraduras. Bono diz que o mundo precisa de um grande beijo. Otário. Esse papo de salvar o mundo... quem pode salvar o mundo? O mundo já era porque está cheio de pessoas como eu. Ele diz que não sei como sou linda. Eu sei. Ele é que não sabe que eu sei.

Sábado à tarde

Ventava lá fora com uma violência esquisita e ela, observando da janela enquanto colocava o vestido, achou que não era um bom dia para usar um vestido.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

FABULAZINHA URBANA PARA UMA SEXTA 13

Love is a lonely room, canta Ben Harper enquanto os vizinhos fazem barulho na porta ao lado. O interfone toca e ela dá um salto. Ihhh, chegou! Calçou as sapatilhas, pegou o elevador e foi lá, dizer ao seu amor que não queria mais.

Umbigo do mundo

A vida no sofá até que era confortável. Por que ele precisava sair dali? Tudo o que precisava estava ao alcance das mãos. O computador, o controle remoto, o telefone para pedir a pizza (a porta ali, a poucos metros de onde estava sentado). É isso. De agora em diante sua residência oficial seria aquele sofá cinza, fofinho, protegido contra líquidos e manchas. O mundo não era perfeito, as pessoas não eram perfeitas, mas seu sofá era.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

AND NOW WHAT?

De repente lhe bateu a solidão. A ansiedade por estar ali por si só subitamente havia passado. A sensação ainda era boa, mas dava para sentir a saciedade chegando pouco a pouco, como o estômago e o cérebro brigando porque um ainda quer mais, mas o outro já não.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Back to black

Noite quente na Vila dos Remédios. O telão do bar quase no meio da praça mostrava a esquisita da Amy Winehouse cantando de um jeito que chegava a doer. Parecia tudo meio fora do lugar. Noronha, AW, aquele céu claro, da madrugada passando mais rápido que devia. Vou congelar esse momento na memória. Acho que esse é um daqueles raros momentos em que se vive a história real achando que ela daria uma ótima fábula.

Smoke

Acendeu um cigarro e foi pra varanda olhar a cidade no breu. Uma ou outra luz amarelada aparecia ao longe, mas no geral tudo estava escuro. O rádio, antes do gerador apagar, havia anunciado que era um blecaute geral e que deveria haver caos nas ruas. Ali nada estava caótico. Ao contrário. A paz era quase irritante.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bem me quer, mal me quer

Não é verdade. Não pode ser verdade. Como pode ser possível que eu goste tanto de você a ponto de gostar mais de você do que gosto de mim mesmo? Como pode ser verdade que seu desprezo doa mais do que aquela vez em que quebrei a perna em 3 lugares? Como algo que não sangra pode doer tanto? Pensando bem, acho que eu não gosto de você tanto assim.

domingo, 8 de novembro de 2009

Kouve

'Odeio pessoas', ele pensa ao ver aquele povo todo se acotovelando por um minúsculo pedaço de chão para ficar diante do palco. PJ Harvey entra de guitarra em punho e na metade do primeiro acorde de Big Exit ele se vê perdido, fora do chão, parte da massa humana que flutua sob o comando da deusa com cara de pato que está no palco. Baby, baby ain't it true. I'm immortal when I 'm with you.

4 acordes

Ela entra na loja de guitarras, tattoos cobrindo os dois braços, todos olham e ela não está nem aí. Pega uma estratocaster vermelha (vermelha, claro) e dedilha "Where is my mind". 'Dá pra ser mais óbvia?', ele pensa ao observá-la. Ela se aproxima e pergunta 'se eu fosse comprar, quanto custaria?'. Ela sai da loja com a guitarra na mão. Ele nunca mais a vê. E nunca mais a esquece.

A fuga

Bateu a porta com força ao sair e nem olhou para trás. O mundo estava ali diante dele e tudo o que ele conseguia pensar era porque não havia conseguido fugir antes. As mulheres sugam a alma... comem sua energia de colher, junto com o mamão no café da manhã. Chega disso, ele pensou. Mas e agora? Cadê o plano B? Damn it. Era ela quem fazia os planos...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Me recuso

Me recuso.
Me recuso a aceitar a dependência de você. Não aceito que a vida só faça sentido se ela passar por você. Não admito que os dias cinzas sejam tão difíceis porque você não está aqui. E que os dias de sol sejam mais bonitos porque me lembram você.
É cruel, e eu prefiro assim, trancar o peito e não deixar você nele. Porque você me faz tão bem quanto me faz mal. E eu não preciso do seu mal. Eu já tenho o meu.
O tempo que te afasta é o mesmo que te traz pra mim. E me faz andar em círculos. E me paralisa. E me toma de assalto de um jeito que eu não respiro, nem durmo, nem como, nem penso em mais nada que não passe por você. E você? Você segue o calendário, como se ninguém existisse. Você passa pelo outono sem deixar que as folhas amarelas te provoquem qualquer tipo de emoção.
Você não me serve. Você não cabe em meu altar. Você não pode ser adorado, cuidado, servido. Você não pode deixar de fazer sentido. Você não pode deixar de acordar cedo amanhã.
E eu planejo de todas as formas. Penso em como me livrar de você. Desejo ardentemente que meu peito bata com calma e sei que isso só será possível quando não mais houver traços seus nele.
Briga inútil. Destino fútil esse seu. O de estar condenado a ser amado assim. E nem ao menos saber que tal amor existe. Que ele vai perecer aqui. Porque me recuso que ele seja seu.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Segunda

Hoje acordei desanimado. Não quero falar com ninguém. Não quero ninguém falando comigo. O mundo está feio e quero que ele se exploda. Não quero trabalhar. Que o trabalho se foda. Vou ligar praquele mala e dizer que hoje não vou. Aliás, vou ligar nada. Amanhã eu invento qualquer coisa. Isso, se eu for amanhã.

Vamos ver como esse dia passa. Eu vou é ficar por aqui. Não quero sair dessa cama. Não quero nada com nada. O que tem lá fora? O que esse mundo cão pode me oferecer? Eu estou de saco cheio. Não tem nada pra me animar. Não amo ninguém, ninguém me ama. Não tenho vontade de amar. De que me serve isso? As pessoas são só pessoas. Mesquinhas, fracas, egoístas. Ninguém abre o coração. Ninguém dá a cara pra bater. Porque eu então?

Tô cheio disso. Não quero mais. Fico procurando dentro de mim um motivo pelo menos. Um motivo só. Essa cama me parece tão grande. Esse mundo me parece tão grande. E eu me sinto tão pequeno.

Vou ficar por aqui. Pelo menos debaixo desse cobertor, ninguém vai me encher o saco. Ninguém vai ficar me cobrando, me fazendo pressão. Ninguém vai ficar me dando ordens. Ninguém vai vir me dizer o que eu não quero ouvir. Ninguém vai mais me desapontar.

Se eu ficar aqui, bem quieto, é capaz de ter alguma paz. Se eu não falar com ninguém, quem pode me responder mal? Se ficar bem quieto, ninguém vai notar. E de repente esse aperto no meu peito passa.

E se nada disso adiantar, vou cortar os pulsos. Vão todos chorar e perguntar porque será que eu fiz aquilo. Bando de imbecis hipócritas. Mas se essa for a solução, é isso que vou fazer.

Que horas são? Merda. Dez pras oito. Se eu chegar atrasado de novo o mala vai me matar.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

O farol


O claro e o escuro resolveram brincar de roda. Cada um tinha sua vez. O claro era rápido e o escuro um pouquinho mais demorado. O claro, em sua rapidez, parecia pressionar o escuro. O escuro, em sua quase-lentidão, causava uma ansiedade de quando seria a vez do claro novamente. “Tudo tem seu tempo”, disse o escuro. “É verdade. Daqui a pouco será dia. E voltaremos a brincar de estátua”, respondeu o claro.

terça-feira, 14 de abril de 2009

O poliglota que não gostava de cores e de repente descobriu o azul

O poliglota era um homem de palavras. Ele não era exatamente divertido. Mas escrevia bem e tinha essa facilidade para os idiomas. Falava português, inglês, espanhol, francês, italiano e alemão. E ainda queria aprender chinês, só porque agora é moda.

Essa facilidade com as palavras, independente do idioma, porém, fazia do poliglota um cara muito sério. Ele fazia sempre questão de falar certo e acabava não ligando muito para a aparência do restante das coisas. Do ponto de vista visual, o poliglota era um analfabeto. Só encontrava beleza nas palavras. As cores e as formas para ele não tinham tanto sentido ou importância.

Um dia, porém, pensando nas palavras deitado num gramado que ele nem tinha reparado que era verde, ele viu o céu azul. E pensou sobre o azul. Lembrou de como é a palavra azul nos vários idiomas que conhecia e na semelhança entre elas - azul, azul, blue, bleu. Achou fascinante.

Prestou mais atenção no céu e começou a perceber a diferença entre os tons de azul - bem no meio do céu era mais claro, perto do horizonte era mais escuro. Conforme a hora avançava e a tarde caía, o azul ia mudando. A mistura com as nuvens alaranjadas deixava aquele azul ainda mais intenso.

E assim ele ficou, até ver o azul da noite. E aí começou a pensar sobre a noite e o branco da lua.