segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Amores raros e outros tipos

Eu acredito num tipo de amor raro. Um tipo que dura a vida inteira. Um jeito de amar alguém unicamente. E mesmo que tente, nunca mais conseguir amar outro alguém daquele jeito.

Antes eu achava isso impossível. Achava que amores assim, dedicados e infinitos, eram mero enredo de fábulas, possíveis apenas entre príncipes e princesas, em novelas e filmes hollywodianos.

Antes eu acreditava mais nas músicas de fossa. Aquelas que falavam sobre as dores de amores desfeitos, mal-feitos, não-feitos, enfim, amores cruéis, finitos e cheios de dor concentrada. Esses tipos de amores, sim, me pareciam bem normais e passíveis de qualquer um poder sentir. Eu ainda criança confesso que já sentia. Amores impossíveis, como esses por alguém muito mais velho e aparentemente inalcançável. Amores ridículos, como esses por alguém emocionalmente muito mais jovem e portanto impossível de lidar. Amores desperdiçados, como desses que queremos dedicar a alguém que está sempre muito longe ou pouco disposto a recebê-lo.

Mas o amor dos contos de fada, esses cheios de reviravoltas, românticos e bobos ou óbvios ou complexos, mas eternos... esses tipos me pareciam impossíveis, criação de gente brilhante como Sheakspeare, Truman Capote e Machado de Assis.

Então um dia eu conheci um homem. Ele tinha quase 80 anos e era muito apaixonado por sua mulher, pouca coisa mais jovem. Quando este homem ficou viúvo eu vi a vida desaparecer dos olhos dele. Ele tinha uma família linda, que o enchia de orgulho. Os filhos casados com pessoas boas, ajustadas, bem colocadas na vida, como ele gostava de se orgulhar. Ele acreditava que aquelas pessoas, ainda que tivessem problemas, ainda que vez ou outra o aborrecessem, ele acreditava que aquelas eram todas pessoas felizes e isso o fazia uma pessoa feliz também. Mas depois que a esposa morreu, algo nele morreu. Ele não foi capaz de se refazer da perda desse amor. Não pôde dedicá-lo a mais ninguém, nem tampouco sublimá-lo. Ele queria morrer também. Me disse isso várias vezes, o que me deixava sempre chocada e me fazendo pensar sobre o amor infinito que de repente não pode mais seguir seu fluxo natural. Cerca de três anos após a morte da mulher, ele morreu também.

Quando Johnny Cash morreu em 2003 eu era sua fã há pouco tempo. Demorei a gostar de Neil Young e Bob Dylan porque o folk e a country music não fizeram parte de minha formação musical e eu tinha um certo preconceito com esses estilos. Mas quando conheci as letras de Bob Dylan e as canções de Neil Young me perdi nelas... foi como descobrir Beatles outra vez. Um tipo de amor raro, desses que a vontade de consumir todo o universo daquela pessoa é incontrolável. E felizmente havia muita coisa para consumir ali e aprender. E isso me levou a Johnny Cash e ele passou a ser uma paixão desmedida também. E quando eu conheci a história de Johnny Cash e seu amor por June Carter, então algo dentro de mim mudou. A despeito de todo seu talento, Johnny Cash passou sua vida fazendo coisas erradas, com pessoas erradas, de modos errados. Além da música, o único acerto de sua vida foi June – conta a história que seu amor por ela foi à primeira vista. Antes de ficarem juntos, ficaram amigos e mesmo com Johnny já apaixonado (e talvez June também), tiveram outros casamentos fracassados e filhos com outras pessoas. Johnny pediu a mão de June muitas vezes e ela sempre recusava porque além de ser um “homem da estrada” e dormir com uma mulher diferente a cada noite, ele estava sempre bêbado ou drogado. E June mesmo apaixonada por ele nunca quis se casar até que um dia, depois de longa convivência, pois os dois faziam shows juntos e eram muito próximos, ele pediu e ela não resistiu e disse sim. Isso aconteceu em 1967. E o casamento durou até maio de 2003, quando June morreu de câncer. Em setembro do mesmo ano Johnny Cash morreu também.

A história de Johnny e June Cash me fez olhar para outras histórias, como a de Paul e Linda McCartney ou mesmo a história de John Lennon e Yoko Ono, por mais bizarra e panfletária (e óbvia) que seja. Amores raros e poderosos.

Minha avó fugiu de casa aos 13 anos para se casar com meu avô. O nome dela é Geralda e o dele era Geraldo – e eu sempre achei isso muito curioso e significativo. Eles ficaram casados até a morte prematura dele. Minha avó, viúva antes dos 40 anos, nunca mais se casou e só recentemente, aos 73 anos, teve o primeiro namorado. Posso estar enganada, mas acho que Dona Geralda só teve esses dois amores na vida. Amores raros e conturbados. O primeiro porque meu avô era um homem difícil, bruto e intransigente e minha avó era jovem, submissa e possivelmente louca por ele para abandonar a família aos 13 anos para viver esse amor. O segundo porque não deve ser nada fácil passar a vida adulta praticamente inteira sem um companheiro, sem um carinho de namorado, sem sexo de nenhum tipo com outra pessoa e, de repente, aos 70 e poucos anos começar tudo de novo. Dona Geralda é uma grande inspiração para mim. A história dela me faz acreditar que Johnny Cash realmente amou June Carter a vida inteira e só sossegou quando ela o amou de volta. E quando ela morreu ele quis morrer também.

Amores raros... eles me parecem possíveis, reais. Mas, raros que são, não sei se são para todos. Não sei se esse tipo de amor, dedicado, eterno, quase doente, é um amor ao alcance de todos. E ainda que ele possa ser sentido, ainda existe a necessidade de ser correspondido e é aí que entram as pirotecnias e reviravoltas bollywoodianas.

Acho que quando duas pessoas se casam elas acreditam que vão viver esse amor raro e eterno. Mas creio que mais raros ainda são os casos em que isso, de fato, acontece. E apesar de não ser divertido, acho que terminar um casamento é um ato muito saudável de renovação para a vida – se aquele amor não é eterno, para quê insistir? Obviamente nesses casos existem efeitos especiais e requintes woody-allen-ianos que acontecem em cada história, já que o fim nunca é tão divertido quanto o começo (traições, partilha de bens, mudança de rotinas, mudança de endereço... uma vida inteira que muda). Mas sem dúvida o fim de um amor é potencialmente a chance de início de um novo. Quem sabe um raro e eterno.

Não que este seja o tipo de amor ideal. Quem pode, afinal, dizer que existe um tipo de amor ideal? Mesmo porque nós, humanos e fracos, tendemos a achar que a vida do outro é sempre mais interessante. Logo, muitos casados desejam ser solteiros (e viver a possibilidade de muitos amores) e alguns solteiros desejam ser casados (e viver a possibilidade do tal amor raro e talvez eterno). Mas mesmo os que não desejam ou não acreditam no tal amor raro, desejam alguma forma de amor. Mesmo que seja um amor rápido, superficial, tolo. Mesmo que seja só um quase-amor. Sim, porque amor envolve muita doação – amar é dar para o outro muita coisa de você mesmo – e há muita gente que não sabe doar-se, muita gente que não pode, não quer ou não consegue amar porque não sabe dividir. Mas mesmo essas pessoas buscam algum tipo de amor. De outra forma, para quê tolerar tanta gente estúpida e viver nesse mundo esquisito, cheio de desigualdade e dor? Não sei... mas me parece impossível alguém ver beleza na vida e não sentir ou desejar algum tipo de amor por outro alguém.

Acho isso uma coisa boa – a possibilidade de muitos amores, pequenos amores, grandes amores ou a possibilidade de um amor único, raro, eterno-enquanto-dure ou singelamente eterno. Amores fáceis ou amores difíceis.

Acho uma coisa boa pensar que existem tantas possibilidades e tipos de amores. Isso me faz acreditar que o amor é algo inerente à vida. Basta, portanto, acreditar que há um tipo (ou vários) à nossa espera. Basta acreditar e esperar acontecer. E talvez ter a mesma persistência de Johnny Cash. Ou a paciência de dona Geralda.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Você, refletido em mim

Você me pediu que eu escrevesse uma coisa bonita sobre você. Nossa, nem sei por onde começar... Acho que não existe nada em você que eu não goste ou que eu não ache bonito. Mas pensando sobre isso me peguei pensando em mim – e em tudo que fica bonito em mim quando penso em você. Das coisas pequeninas, como o sorriso que eu não consigo evitar quando você me liga, às coisas grandiosas ou impossíveis, como essa confiança louca de que com você eu poderia ir a qualquer lugar, até para a lua (até porque eu nunca mais vou olhar para a lua cheia e deixar de lembrar de você). Acho tudo isso bonito, mesmo sendo essa beleza singela e delicada demais para notarmos o tempo todo – sabe? Como naquelas imagens 3D que custamos a acostumar a vista e descobrir a imagem correta nela, mas aí quando notamos, vemos como ainda é possível existirem cores, contornos e volumes inesperados entre o que é fantasia e o que é realidade – mas, enfim, acho que só quem sabe olhar é capaz de enxergar beleza nas coisas. E sua beleza faz com que o mundo seja um lugar melhor, com cores, contornos e volumes inesperadamente diferentes do que eu conhecia.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O urso de óculos

A menina tinha esse sonho recorrente: um urso de óculos lhe contava histórias e técnicas de como pescar salmão. Ela achava isso estranho já que os ursos de óculos não comem salmão... Mas o urso parecia não se importar. Falava a noite toda sobre a paciência ser importante na pescaria, sobre o gosto bom do salmão fresquinho recém-pescado, sobre uma primavera em que eles se confundiram e nadaram para o lado errado – os peixes eram gostosamente burros! A menina sempre acordava achando graça do urso e com pena dos peixes...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dia 18/2

É verão, está quente e a lua está cheia. E você, possibilidade incerta, descoberta certa de coisas que se acendem em mim, brilha hoje iluminado como a lua, atraindo todos os olhares e quereres porque há pelo menos um dia por ano que parece dividir melhor a nossa história do que éramos e do que somos. É um dia de receber amor expresso e explícito, ainda que seja de longe, já que não há distância, tempo ou circunstância que impeçam o desejo e o bem querer.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O futuro que passa

Num dia em que estava triste ele me disse “vai passar”, me deu um beijo e foi trabalhar. Neste dia eu logo soube: tudo passa, mas nossa história construímos do que houve.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Improvável

Improvável - é tudo o que consigo imaginar do próximo minuto.

Brincando de adivinhar

Sabe aquelas coisas que eu não te disse? Tudo bem, eu não disse. Mas se você prestasse atenção, só um pouquinho, você saberia. Não, não é porque a gente tem sempre que adivinhar. Eu sei que é complicado supor o que se passa na minha cabeça... sei que é difícil saber o que eu quero e simplesmente arriscar. Mas pense: o que você tem a perder se acreditar que a gente só precisa de coisas boas, boas intenções, diversões verdadeiras, emoções inteiras? Ou será que isso só pode nos acontecer se for por acaso? Então disfarce. Vamos fingir que não damos atenção e quem sabe assim, distraidamente, a gente consegue se entender.

Domingo

Meio dia, silêncio. Uma brisa quase imperceptível balança com preguiça plantas e coisas leves. Uma leveza que contrasta com o dia abafado, sem sol e sem chuva, sem notícias ou novidades. O mundo todo mudando, pessoas bringando e se unindo, falando e convivendo sem cuidado. E a gente demorando muito a notar as mudanças, como se fossem de um universo à parte, as coisas "sem querer", as coisas querendo ser apenas o que são. Que horas são?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Beijo de verão

É sábado. Está quente. E de uma galáxia distante eu te mando um beijo frio pra derreter na tua boca.

Não vou insistir

Joana me disse que não tinha mais certeza das coisas. Pensei que ela se referia à algo trivial, como o trabalho ou alguma confusão com namorados – embora Joana não gostasse de chamar seus rolos de namorados e referia-se a eles como ‘amigos’. – Mas não. Não era disso que Joana falava. Ela me disse que não tinha mais certeza sobre ela mesma. Sentia uma ressaca infinita. Tentava lembrar o que a tinha levado até ali e não conseguia. Não entendi o que Joana quis dizer. Pedi, mas ela não quis me explicar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Apenas uma vez

Quando você me olhou com aqueles olhos chorosos eu logo soube. Vi sob a camiseta amassada toda a tensão acumulada na tua pele. Era tanta que era visivelmente brutal. Mas minhas boas maneiras em te poupar da bronca, dos gritos, dos insultos que eu queria te fazer tiveram um efeito calmante em você. E ao invés de me pedir desculpas, você me pediu para fingir que não havia nada errado. Acho que você não entendeu: meu escândalo não é para os outros, mas não é menor por ser só pra você. E não se acostume, acontece uma vez só.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A trama de Cristina

na tua trama me espalmo e dela só saio se me tirares. do contrário sou fisgado, peixe pescado, sem alma, como disseram, bocaberta para ti, cuja trama é muito linda e me distrai e me atrai como sereia e me carrega para a areia, tramado e dolorido, trazido por pescadores simples em seus barcos de pau coloridos.

Um lugar chamado passado

O passado é um lugar já visitado, desses de acesso complicado que, depois de visitar, você sabe que não vai mais voltar. E se voltar vai ver que as coisas lá não são mais as mesmas porque afinal há verões, invernos e tudo o que existe no meio; e as pessoas envelhecem todo dia, algo completamente arbitrário e natural.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O tempo ventando

Escuta só: o vento parou. Outro dia você pediu e eu ouvi o vento ventando. Agora ele parou e eu queria te pedir para ouvir a pausa. Você ouve? Não parece um tic-tac dissimulado e dessincronizado?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Bicho de cidade

Não sabia bem o porquê, mas blecautes lhe traziam emoções contraditórias, mesmo que fossem de dia, mesmo que não fossem em sua cidade ou bairro. A ideia de ficar sem luz lhe parecia terrível e ao mesmo tempo sedutora de um jeito louco. Lembrava d'O ensaio sobre a cegueira e imaginava um caos parecido, onde as pessoas perdiam o bom humor, o bom senso e a civilidade. Como se estivessem às vésperas do fim do mundo e poderiam então mostrarem-se vulneráveis e animais, com coragem para fazer o que tinham desejo. Temia pelos outros, mas também temia por si. Como animais expostos, nunca sabemos bem como vamos reagir.

Conclusão

Depois daquele dia ela não pensou mais no assunto. Achou tudo errado e procurou esquecer. Adoraria ter aquela maldade de amante e assim poder conviver com aquelas coisas que julgava desmedidas, exageradas, mas prazerosas de um jeito extremo. Não conseguia... Concluía que na vida a gente pode desempenhar vários papéis, alguns, porém, não nos caem bem. São como roupas muito justas – ficam vistosas, chamam a atenção, mas não são confortáveis. E ela não queria esse papel. Colocou as memórias na caixinha de pandora, trancou e engoliu a chave e o choro.

Férias

Ando em férias de quem eu era. Me afastei daquela pessoa como se fosse uma outra. Às vezes até me estranho. Estranho os novos gostos, as novas preferências, estranho as coisas que antes eu achava tão estranhas e agora me parecem possíveis; que antes pareciam inofensivas e agora vejo perigosas – e sedutoras – e percebo que nunca foram inofensivas... aquela outra pessoa é que tinha medo demais até para se aproximar de coisas inofensivas. Curioso como essas férias, mais longas e difícil do que tantas outras já gozadas, continua tendo seu brilho de férias. Férias de mim mesma. Só não sei se volto.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tarde de verão

É tarde. Está quente. Um dia estranho em que o calor se disfarça e os outros ali na esquina parecem vagamente familiares. É tarde. E aquelas coisas que te disse já não tem mais importância. Eram coisas urgentes, como chuvas de verão, que caem sem aviso, de uma vez. Parece muito, mas não é. Depois passa e é isso. Uma nova tarde de verão.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Animal

Ah, pensou antes de desviar o olhar, não vou mais tolerar esse tipo de coisa. Falta de educação, de consideração pelo próximo... quem vocês pensam que são? Desdenharem assim... Tomarem os outros por café pequeno, mar sem porto, mar morto e distante, que de nada adianta nos ser grandioso se não nos serve, se não nos absolve, se não absorve o que podemos ser, o que queremos ter, o que podemos ter sem ter de vender a alma, ser feliz com calma, comer pausada e lentamente o melhor pedaço do bife, aquele que se come com as mãos...

Inesperadamente

Há pessoas inesperadas. Acho que tendemos a achar que as pessoas podem ser sempre surpreendentes. E é verdade. Mas há gente que a gente não espera encontrar. Que invade a vida da gente sem pedir licença. Entra, senta, sente-se em casa. E põe o dedo no nosso nariz e então o que acreditamos, o que buscamos, o que achamos ter importância de repente... perde o balanço. É assustador. Mas é assim que é e o motivo só vamos saber depois. Eu nem sempre sei porque escrevo, você nem sempre sabe porque lê, mas em algum momento a gente se encontra. Aliás, acho que só assim as coisas (e as pessoas) fazem sentido: inesperadamente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Teu mar que mora em mim

O mar que mora em mim
Não é meu, é teu
Mas ele mora aqui
Às vezes arrebenta de repente
Enche e transborda
Depois baixa e vaza lentamente
E eu me preocupo
Me perco em pensamentos
Depois vejo que são apenas as marés
Vivendo seus ciclos e momentos
E eu nada preciso fazer
Eu nada preciso pensar
Em teus braços, só preciso respirar
Encher minha alma de calma
Deixar a vida navegar