terça-feira, 29 de março de 2011

Monólogo do fim

Ele me disse que não entendia o que estava acontecendo. Que me sentia distante, que me achava triste, sem vontades, sem brilho algum no olhar. Disse que se sentiu culpado, que preferiu me dar espaço. Disse que essas coisas o deixam confuso... que ele não sabe como lidar com essas tristezas que as mulheres têm. E no meu caso era pior. Porque eu não gostava muito dessas coisas de mulher, de sentir ciúme, de gostar de novela, de falar mal da mãe dele ou odiar os seus amigos. Ele me disse que isso era muito esquisito, que ele não sabia que existem mulheres assim. Ele disse que antes tinha medo disso, de não saber lidar, de eu me tornar um bicho grande e meu apetite aumentar e eu acabar engolindo todo mundo. Ele se deu conta, enquanto falava, de que era isso mesmo que tinha acontecido. Ele disse que se sentia enforcado, mas como se ele mesmo tivesse preparado a cena, sabe? Ele mesmo, lentamente, amarrando o laço, colocando no pescoço, ajustando bem o nó... que exagero! Aí ele mesmo riu. Que constrangimento... como somos infantis. Ele disse isso e olhou pra baixo, como se procurasse alguma coisa no chão. Alguma coisa pesada e invisível para os cães, que só enxergam em duas dimensões. Eu achei mesmo que numa determinada hora ele iria começar a latir. Ou a uivar, sei lá. Eu achei que ele iria parar de falar naquela hora. Mas então ele começou a repetir algumas coisas. Disse que precisava achar onde é que ele havia falhado. Em que momento ele não tinha me dado espaço? Quando foi que eu precisei e não pude contar com ele? Vai, tenta lembrar de uma única vez em que não gozamos? Vai, me diz, é isso que ficou faltando?... Então ele parou um pouco, respirou, suspirou, ameaçou dizer alguma coisa, mas parecia que estava sem ar. Ele me pediu desculpas, disse que se descontrolou. Disse que estava exausto, que parecia que havia uma guerra acontecendo dentro dele, que ele se sentia um quadro do Bosh, invadido por criaturas estranhas numa guerra bizarra, uma guerra santa em que as duas partes têm tanta razão de que estão brigando por uma causa justa que simplesmente ficam cegas e preferem morrer a ouvir o que outro lado quer dizer... Nossa... foram tantas coisas que ele disse sobre isso que eu achei uma hora que ia entrar em transe. Um pout-pourri de músicas de dor começaram a invadir a minha cabeça. Músicas do Johnny Cash, do Elvis Costello, do Tim Maia, da Sade, do Elton John... Nossa, eu achei que minha cabeça ia explodir. E ele continuava falando. Disse por fim que tinha entendido tudo. Que estava ferido, que se sentia traído, mas não por mim, por ele mesmo, pela cegueira absurda que ele tinha tido naqueles últimos tempos. Disse que se sentia sem dignidade, mas que a culpa não era minha, que isso era coisa de homem, um ser menos evoluído, que não sabe lidar bem com a dor e com o orgulho. Ele disse que era como qualquer outro homem, que não iria jamais me dizer essas coisas se eu não tivesse provocado. Que se estivesse infeliz, ia dar um jeito de me deixar resolver as coisas, porque não teria coragem de me largar. Imagina, ele disse, imagina que presunção a minha achar que você fica melhor na minha companhia do que sozinha? Ele disse isso e riu. E nessa hora eu achei que ele ia chorar, mas ele não chorou. Ele parou de rir e seu rosto endureceu tanto que eu achei que ia quebrar. Ele respirava forte e eu podia até sentir o hálito doce dele... o hálito doce e o olhar mais amargo que eu já vi naqueles olhos. Ele ficou muito tempo assim. Eu achei que ele não ia dizer mais nada, mas ele me olhou uma hora, bem de perto, bem lá no fundo da minha alma, de um jeito quase ameaçador; então ele disse com a voz um tom abaixo do que costuma ser, se esforçando para pronunciar todas as palavras inteiras: vai embora, pode ir, eu sei que essa é a única solução, eu sei que eu vou sofrer, que você vai sofrer, que minha mãe vai sofrer, que as pessoas todas e os peixes do oceano também vão sofrer... mas o que a gente pode fazer? Nunca é bonito um amor quando acaba. E essa foi a ultima coisa que ele me disse aquele dia. Eu ouvi tudo com muita atenção. Mas não pude... não disse nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário