segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Uma canção chamada Janeiro

Houve uma vez, num dia 31 de janeiro, um fato surpreendente: uma música queria nascer. Queria falar do mês mais quente, instável e louco que era janeiro. Queria misturar carnaval e bons presságios dos 11 meses ainda por vir com a nostalgia e efeitos prolongados do ano anterior, recém terminado, mas já há muitos dias (31!) rodando em outra década. E isso era notável. A canção queria nascer de qualquer jeito naquele dia porque tinha certeza de que seria sucesso: o refrão iria certamente traduzir aquela confusão de sentimentos que todos carregavam no peito; iria grudar na memória das pessoas e tocar em todas as rádios populares porque ia contar de modo simplificado e folhetinesco a história de um mês passado muito depressa, envelhecido no tempo como os frangos na granja, que cruelmente comem o tempo todo para crescerem mais depressa, ganhar peso e resolverem logo o que vieram fazer nesta vida. A canção queria falar de um certo mês de janeiro, que, como todos os outros janeiros já idos, seria um mês único – ora, mas veja: tudo é único nessa vida... nem mesmo a gente tem duas mãos iguais... nenhum minuto passa sem ser diferente do anterior. Mas a canção queria nascer mesmo assim. Ela tinha pesquisado – não havia muitas canções com este tema; havia espaço para ela existir sem ser repetitiva. Porém já era dia 31 e seu prazo estava acabando. Em breve seria fevereiro e aí já não faria mais sentido ela existir. Era uma canção imediatista, dessas que nascem em mesa de bar, num guardanapo de papel usado... mas ela não sabia bem o que queria ser... talvez um blues. Talvez um samba. Ou um reggae. E assim, devaneando entre temas para seu título, rimas para seu refrão, melodias, compassos e arranjos para tornar-se, finalmente, música, a canção adormeceu. Em seus sonhos imaginou as pessoas completas, cantando o refrão emocionadas, sentindo que algo finalmente explicava que aquele mês de janeiro foi mesmo um momento daqueles que a gente vê no cinema – aquele tempo em que as coisas mais improváveis e absurdas acontecem. Coisas bizarras. Coisas engraçadas. Coisas que deixariam na vida das pessoas uma lembrança tão intensa que depois todos ouviriam aquela canção e saberiam: ahhh, esta canção fala daquele mês de janeiro! A canção dormiu muitas horas, sonhou sem se preocupar com a hora de acordar, entregou-se ao sono como um bebê no colo da mãe, ouvindo a melodia baixinha do seu ninar, esperando o dia de ser alguém. Talvez num dia 31 de janeiro, no volume máximo – porque é assim que a gente nasce: fazendo barulho. E a música ficou ali, esperando então para ver se nascia. Ansiosa por quem pudesse lhe ajudar a ser real. Entoando como um mantra a certeza de que só precisava se acalmar e esperar – afinal, neste mundo nada nasce antes do seu tempo. Nem as músicas.

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