quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sobre um vício

Estou tentando me reabilitar de você. E eu que já me achei viciada em tantas coisas, eu que já tive que deixar pra trás tantas coisas que me fizeram tanta falta, não imaginei, não pude, como seria eliminar você de mim. Aliás, demorei. Me levou muito tempo entender que não havia outro modo. Me custou muito caro aceitar: não posso ficar contigo e, ao mesmo tempo, me parece impossível ficar sem – mas não é. Me levou meses e muitas páginas e muitas lágrimas e muitas milhas rodadas, navegadas, voadas, muita gente, muita história, outras bocas, outros gêneros... tive que descobrir um universo todo novo para enxergar que é possível (e é bom) viver sem você. Não, não é bom não poder te beijar, te abraçar apertado, sentir suas mãos grandes pressionando meus ossos pequenos, seu jeito bruto de me consumir, seu jeito estúpido de me entender, a cumplicidade louca de saber que você ouve o que eu nem digo... Mas ao mesmo tempo é bom, é libertador, é leve não viver no sobressalto, não ter medo de ousar em dizer coisas sem cuidado, não me sentir pressionada a te amar de modo perfeito para não estragar tudo já tão perfeito e bem cuidado na tua vida. Te amei do jeito que pude, com toda a bondade que pode caber num amor grandioso, desses que serão lembrados a vida inteira. Te amei tanto e tão intensamente que me fiz mal – foi demais... Não deixei de te amar, claro, mas agora você não me parece mais essencial. Temo recaídas, claro. Sei que não posso nunca mais tomar um gole seu... porque sei que um só nunca seria suficiente, porque vou querer me embebedar, porque não vou sossegar enquanto não tentar, mais uma vez, ter você inteiro, do jeito que eu quero, de um jeito impossível, de um jeito que não existe. Então eu resisto. Estou aprendendo. Amadureci em meses o que me levaria, talvez, anos. O mérito nem é meu. Outras coisas muito mais graves e hediondas aconteceram à minha volta. Me senti ridícula por provocar, eu mesma, a dor que te amar desmedidamente estava me causando. Me lembrei de uma lição divina, dita por um homem que me pareceu verdadeiro, num sábado à tarde, num lugar especial que tinha como cenário a cidade mais bonita do mundo – esse homem disse, celebrando a união de um casal: a gente escolhe a quem amar. Me custou muito tempo para entender a entrelinha disso, porque eu quis muito amar pessoas que mereciam o meu amor e eu não consegui. E agora, tantos enganos depois, eu entendi: você escolhe a quem amar, sim, mas também é escolhido e a única chance de sucesso é essa – o amor que se escolhe e o amor que se entrega. Se houver desespero pelo retorno, então está errado. Se não há sincronia, não importa o tempo, o timing, não importa nada; porque há momentos de se ser só, de se cometer exageros, de se permitir errar, de explorar limites e contestar verdades, pois elas nunca são absolutas até que se prove o contrário. E há momentos de ser mais que um, de compartilhar, de cuidar ou pensar no outro primeiro, pelo menos de vez em quando, porque o amor funde a gente com o outro, bagunça essa fronteira tênue entre o que sou eu, o que é você e o que somos nós. Mas para ser dois há que se existir mais do que amor. Há que se haver limite. Por isso meu amor por você não morre. O que eu extirpo é a doença que você me causa. Essa ausência aguda de algo que eu nem nunca tive. Você foi um delírio... na verdade, o excesso de você é que foi um delírio. Mas começo a me sentir livre de você. Não tenho vaidade alguma em dizer que foi das coisas mais difíceis que já fiz – te extirpar com cuidado; te tirar de mim gota a gota, com a calma de quem realmente quer se curar; ouvindo coisas dos amigos, fazendo esforço para fazer as coisas que nunca me custaram esforço algum antes. Estou me curando e ainda não sei, na verdade, se um dia haverá cura não apenas para o vício incontrolável, mas também para essa marca que ficou estampada em mim como uma tatuagem mal feita, atestando minha escolha irresponsável de outra hora. Estou me curando pelo menos da abstinência. Estou quase reabilitada. E se um dia eu voltar a ficar doente desse mesmo vício, sei que não haverá nenhum outro responsável além de mim mesma.

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