quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

PEDIDO DE DESCULPAS


Compartilharam por um ano um caderno verde. Nele, bilhetes, declarações, desenhos, reclamações, pedidos, desabafos... Era uma coisa ridiculamente adolescente, como só uma paixão adolescente pode ser. Dessas que todo mundo deseja sentir um dia, quando as coisas importantes do mundo perdem importância, pois a notícia mais relevante do dia estava escrita em tintas coloridas no caderno verde.

Ela era Lalá, ele era Xuxú. Adoravam serem isso um para o outro. Não havia mais nenhum outro personagem importante nas histórias registradas ali naquele caderno. Os outros eram meros figurantes, satélites sem luz no pequeno universo do caderno verde.

Tinham 19 e 17 anos, mas em momentos distintos daquele ano ambos completaram 18 e celebraram com declarações e odes à maioridade. Tudo devidamente registrado no caderno verde. Momentos importantes da vida ali, escritos à quatro mãos – embora fossem ambos destros.

Anos mais tarde, por conta desses amigos que conhecem amigos e se conectam a outros amigos do jeito fácil que hoje as pessoas se conectam, se encontraram novamente. Muito da vida já tinha passado, mas sentiam, cada um em seus novos cadernos, que muito ainda havia por vir.

Lalá fez aniversário antes de Xuxú, como sempre. E lá foi ele, depois de tantos anos sem vê-la e nem saber muito dela, lá foi Xuxú dar os parabéns para Lalá com um pequeno presente embrulhado embaixo do braço: o caderno verde! E todos os seus registros de sinceridades e devaneios que haviam trocado naquele ano que antes parecia tão longínquo e agora parecia ter sido ontem.

Lalá ficou emocionada com o presente. Levou pra casa e resolveu ler aos poucos, com tempo, de maneira desordenada. Sentia que às vezes os “posts” no pequeno caderno de capa dura (que ainda nem poderiam ser considerados posts, mensagens, e-mails) eram como conselhos de um horóscopo, com reflexões filosóficas e esperançosas ou catastróficas, como só adolescentes ou apaixonados sabem escrever. Ela ria das aflições que hoje pareciam pequenas, e também das coincidências que mostravam que a vida é mesma feita de ciclos e, tal como as estações do ano, eles se repetem, mas nunca do mesmo jeito.

Na última manhã de janeiro Lalá abriu o caderno à esmo e procurou o que estaria reservado ali para sua mensagem do dia. Riu-se da coincidência com os fatos presentes:

Lalá querida, este é, oficialmente, UM PEDIDO DE DESCULPAS. Sei que devia ter te ligado ontem, mas sei lá... estava triste e sem vontade de falar. Não consegui prestar atenção numa única aula... minha cabeça rodando, sentindo-se oprimida por tanta coisa que transborda no meu coração.

Mas nesse pedido de desculpas, queria te dizer que não estou triste com você. Pelo contrário! Você só me faz sorrir! Você é meu sol particular.  E só de te escrever isso sinto que o dia será mais feliz amanhã e o sol vai iluminar aquela rua que você gosta, cheia de flores amarelinhas pelo chão. Te amo, Lalá! Não se esqueça!

Beijos,

Xuxú

Lalá fechou o caderno e olhou pela janela o dia iluminado lá fora. Existem desculpas que perdoamos eternamente. Ela teve vontade de registrar isso no caderno verde, mas não o fez. Aquele ciclo já pertencia à um verão passado e agora já era um novo verão. Um verão cheio de chuva, mas hoje o dia brilhava lindo, como previsto no seu pequeno oráculo particular de capa verde.

Um comentário:

  1. Moninha, esse é um conto translúcido. Não poderia ter encontrado melhor tradução do que na sua impecável sensibilidade para traduzir o que o tal caderninho verde representou e representa. Beijos mil, muito obrigada, de coração, minha querida amiga, ouvinte e confidente tão talentosa com as palavras. Bejos, Lalá.

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