segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Muitas vozes


Muitas Vozes

Meu poema é um tumulto:
a fala que nele fala
outras vozes arrasta em alarido.
(estamos todos nós cheios de vozes
que o mais das vezes mal cabem em nossa voz:
se dizes pêra acende-se um clarão
um rastilho de tardes e açúcares
ou se azul disseres pode ser que se agite
o Egeu em tuas glândulas)
A água que ouviste num soneto de Rilke os ínfimos
rumores de capim
o sabor
do hortelã (essa alegria) a boca fria da moça
o maruim na poça a hemorragia
da manhã
tudo isso em ti
se deposita
e cala.
Até que de repente um susto
ou uma ventania (que o poema dispara)
chama esses fósseis à fala
Meu poema
é um tumulto, um alarido:
basta apurar o ouvido.

Ferreira Gullar

Nenhum comentário:

Postar um comentário