terça-feira, 20 de abril de 2010

Regras

Inventaram de jogar. Estavam ali, naquele balcão, ele dois bancos depois dela, bebendo gin, olhando suas pernas cruzadas e nervosas, esperando o suco de tomate – ou seria um bloody mary? Quando seus olhos cruzaram os dela, ela estava sorrindo para ele. Um bom sinal, ele achou. Depois descobriu que ela, na verdade, ria da cara dele, de escárnio pelo olhar descarado dele engolindo as pernas dela. De qualquer forma, manteve o sorriso. E ele estava encantado com aquele sorriso gigante. Então propôs o jogo. Perguntas e respostas à queima-roupa. Podiam mentir, se quisessem. O importante era responder rápido. Ele achou que seria divertido. Ela achou que ele não falava sério, mas quando percebeu que falava, sorriu de maneira ainda mais estelar. E começou, sem hesitar:

- Gosta só de homens, ou de mulheres também?

- Só de mulheres.

Esperto, ela pensou.

- E você, gosta de homens e mulheres?

- É, acho que o tesão e o amor independem de sexo.

Esperta. Quer dizer... será que isso foi um sim?, ele pensou, confuso, mas sem vacilar na continuação do jogo.

- Você vai com um cara pra cama logo na primeira noite?

- Raramente. Ele tem que me conquistar primeiro e uma noite costuma ser pouco para isso. Qual é sua cor favorita? – ela disparou sem dar-lhe tempo de analisar melhor a última resposta dela.

- ... sei lá... azul, eu acho. E... qual é a sua? – ele perguntou, sentindo-se idiota de não ter conseguido pensar em nada decente (ou indecente) para perguntar.

- Vermelho. Se você fosse um animal, qual seria?

Ele pensou por um segundo e entendeu que ela estava virando o jogo.

- Um leão. E você, qual seria? – ele perguntou, tentando recuperar o raciocínio enquanto ela respondia.

- Um elefante – ela respondeu vendo os olhos dele brilharem, enquanto percebia o que ela tinha acabado de fazer. – Você é casado ou tem um compromisso sério e monogâmico com alguém?

- Não – ele respondeu sem titubear.

Bom sinal, parece verdade, ela pensou ainda não muito convencida.

- Quantos anos você tem?

- Não vai querer saber se eu sou casada?

- Ei! Está na minha vez de perguntar! Quantos anos você tem? – ele falou mais alto, mas sem perder a graciosidade (que ela na verdade achava excessiva), para não intimidá-la.

- 32 – ela respondeu sem medo. – Você não vai querer saber se eu sou comprometida?

- Não – ele respondeu tentando um ar misterioso. – Você sairia comigo se soubesse que sou comprometido?

- Se você me interessasse, sairia. – ela respondeu de bate-pronto.

Que vaca, ele pensou, percebendo mais uma vez ela roubando no jogo.

- Por que?

- Por que o quê? – ele perguntou, sem entender a pergunta dela.

- Por que você não quer saber se eu sou comprometida?

- Ahhh... – ele enrolou um pouco para tentar algo inteligente – ... porque se você se interessar por mim não quero que isso seja um empecilho.

É, ele não é bobo, ela pensou, enquanto esperava pela pergunta dele.

- Por que é importante pra você que eu saiba se você é ou não comprometida?

- Não é importante para mim. Sou apenas excessivamente curiosa.

Ele já não conseguia mais ler suas jogadas...

- Você veio falar comigo só porque me achou gostosa?

- Não. Quer dizer, eu te achei gostosa, claro, mas achei você uma mulher interessante. E você, me achou interessante logo de cara? – ele respondeu com uma sinceridade estranha, da qual ele mesmo duvidava.

- Achei você mais descarado e engraçado do que interessante. – ela respondeu com uma sinceridade muito mais convincente do que a dele.

- Ei, você não respondeu minha pergunta!

- Como não?

- Você me achou interessante? – ele insistiu, sentindo-se um pouco embaraçado pela pergunta ter soado tão vaidosa.

- Achei. Você se acha interessante? – ela perguntou, vendo-o completamente tomado por uma timidez quase infantil.

- Hmmm, sim. Me acho, sim – respondeu novamente embaraçado pela resposta vaidosa. Então tentou acelerar as coisas – Qual seria sua reação se eu lhe desse agora um beijo na boca?

- Eu lhe daria uma bofetada. Você acha que vale o risco? – ela perguntou rápido demais, quase sem pensar, o que lhe causou certo arrependimento.

- Acho. Posso me arriscar?

- Não.

- Por que não?

- Agora é minha vez de perguntar. Quantos anos você tem?

- 36. Por que?

- Porque sou curiosa.

Ele estava perdido. Ficou sem saber se devia beijá-la ou continuar perguntando. Ela notou. E então deu-lhe um xeque-mate.

- Se você disser corretamente a idade que eu tenho, eu deixo você se arriscar com o beijo e a bofetada. Mas, se você errar, eu vou embora e você não terá o direito de reclamar nada.

- Nossa, você é cruel! Como eu posso adivinhar com exatidão a sua idade?

- Você não precisa adivinhar. Eu já lhe disse a minha idade. Você só precisa se lembrar.

- Você não disse!

- Eu disse! Mas ok. Você deve lembrar então minha cor favorita.

Ele ficou mudo. Era verdade, ela havia lhe dito a idade e a cor...

- Eu não me lembro, me desculpe...

- Não posso desculpar.

- Por que não?

- Regras do jogo. Eu disse que iria embora se você não acertasse, lembra? Você concordou.

- Eu não concordei!

- Mas você jogou. Se não concordava, não devia ter jogado.

- Eu me sinto enganado por você...

- Bom, ninguém disse que blefar era proibido, disse?

Ele estava frustrado, zonzo com o tanto que a garota era espirituosa.

- Bom, foi um prazer jogar com você.

- Espera, não vá!

- Tenho que ir. Regras do jogo.

Ela então levantou-se e foi embora. E ele, mais uma vez não entendendo o blefe, deixou.

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