sexta-feira, 2 de abril de 2010

Outono

"...o incêndio parece ter sido causado por um charuto cubano Romeo y Julieta Churchill que permaneceu aceso depois que o morador do apartamento adormeceu. A sonolência foi causada, provavelmente, pelo rum cubano envelhecido, cuja garrafa foi encontrada vazia, próxima do televisor."

Fechou o livro e o encostou no peito. Mais um. Mais uma despedida. Toda vez ela pensava que seria diferente. Mas não. Sua dificuldade em despedir-se das coisas, pessoas, momentos, lugares, ficava cada vez pior. Todo fim era difícil.

E agora, com o livro pousado no peito, acompanhando lentamente o ar que entrava e saía dos seus pulmões, ela pensava nele. Na fumaça do charuto. No rum sem gelo, mal cobrindo o relevo enrugado do fundo do copo. Pensava nele na poltrona de couro, que rangia fingida, quase quieta, quando ele inclinava o corpo para olhar a porta novamente, procurando um barulho que não existia, um indício fictício de que ela poderia ter voltado.

Todas as cores da tristeza invadiam a sala com os ares do outono, que chegava delicado, tentando não fazê-la lembrar que o verão acabou. Não adiantava, ela sabia. E era muito difícil enganar aquela menina. Quando ela comia, parecia uma menina. Movia os lábios com uma graça infantil. Mas seus olhos eram de mulher. Olhavam com profundidade. E as sobrancelhas inclinavam-se de mil maneiras, dizendo muito mais do que ela queria, mesmo que não dissesse palavra. Suas sobrancelhas sabiam que já era outono.

Ela pensava nele. Podia quase sentir seu hálito doce. Ela pensava nele esperando por ela. Pensava que já era abril outra vez. Sentiu a madrugada entrando pela janela. Levantou-se e colocou o livro na estante. Olhou a prateleira por um instante e ficou admirada de quão rápido seu coração agora se recuperava dos enganos que cometia. Era cíclico, afinal. Era outono novamente.

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