terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetaneando 2


Entrou no supermercado e o rádio tocava Caetano. Como não lembrar dela, que tinha toda a discografia e dizia isso como quem tem orgulho de ter muitos filhos? Nunca mais esqueceu seus olhos redondos, imensos, negros de pavor quando falou pela primeira vez que não gostava de Caetano. Por um instante achou que o relacionamento terminaria ali, antes mesmo de começar, mas não. Havia muito mais nela além do fanatismo controlado por Caetano. Ela era doce, criativa, falante. Às vezes falava muito. E ele se irritava dela dizer que ele gostaria de algumas coisas se as conhecesse melhor. Ele se irritava em saber que, em parte, aquilo era verdade. Ela desdenhava sua irritação, assim como desdenhava sua aversão por beringela mesmo sem nunca ter experimentado o legume bizarro (precisa?), e suas preferências sempre tão resolutas e inflexíveis. Ela não era assim. Ela gostava de experimentar, não dizia muitos nãos, prestava atenção nas coisas que lhe interessavam como uma criança diante de algo muito colorido e lúdico, com a boquinha entreaberta e aqueles olhos gigantes reluzindo de prazer.  Gostava de convencê-lo das coisas, insistia que, sem se aventurar um pouco, sua vida ficaria entediante num instante. Mais uma vez o irritava, tendo, em parte, razão. Quando foi embora de vez, depois de tantas tentativas que já nem tinham conta, ela levou todos os discos do Caetano. Fizeram piada disso, claro, ele jamais perderia a chance. “Perde a mulher, mas não perde a piada”, ela disse. Eram amigos. Seriam amigos para sempre, mesmo que nunca mais se vissem. E mesmo que ele continuasse evitando ouvir Caetano, pensava nela ao ver a seda azul do papel que envolve a maçã.

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