sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sutilezas da fome

Um amigo do trabalho os apresentou. Ele era comprometido, ela não. Mas ela era encantadora. Ele, não. Mesmo assim havia algo nele que mexia com ela. Conheceram-se, aliás, enroscaram-se primeiro, meio sem critérios, por acaso, num momento de loucura quando - acharam - repentinamente não havia mais ninguém prestando atenção. Ela sabia que seria complicado. E mesmo assim não se importou. Mas ele gostou da complicação. Voltou, quis mais, insistiu. Ela resistiu, mas estava pronta para ceder. Seduziam-se em emails, mensagens, jogos de coincidências que o destino - e não eles, incrivelmente, mas o destino! - lhes jogava no colo. Viam-se pouco, mas quando viam-se compartilhavam gostos e coisas e referências que faziam-se surpreender. E a total ausência de intimidade compensava-se com a liberdade que sentiam um com o outro. Uma liberdade até descontrolada, meio lasciva, de entrega fácil e ruidosa. Mas era pouco. Para ambos. Um queria mais e não podia ter. O outro queria mais, mas tinha medo de ter e não saber o que fazer com aquilo. E ficavam reticentes em insistir. E tentavam ser sutis um com o outro. Queriam-se, mas sutilmente não encaixavam-se - uma afronta ferina para a fome que sentiam um pelo outro, distraída pelo excesso de cheiros e saciedade momentânea.

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