quinta-feira, 29 de julho de 2010

Crônica da dor

Sentia dor. Era forte e indefinida. Doía-lhe as costas, partes do quadril, uma dor difusa, que ressonava na coxa e eventualmente atingia a panturrilha, chegando no pé. Sentia os dedos dormentes. Nos dias de sol quase nada doía. Nos dias nublados tudo ficava mais sensível. Havia dias bons e ruins, fáceis e difíceis, como para todos. Mas mesmo em seus melhores dias sentia a dor ali, escondida, à espreita de seu bem estar. Senti-a ali pronta para dar o bote, pronta para derrubá-la, maltratá-la, fazê-la sofrer mais. A dor lhe era tão silenciosamente constante que já fazia parte dela, como um braço, uma perna ou um orgão importante. Não era como um apêndice, desnecessário. Nem como a visícula, que não faz assim tanta falta. Nem mesmo como um rim, que tem gêmeo. Sua dor era única, como uma digital. Carregava seu DNA. Funcionava como seu corpo, seu humor, sua resistência, sua saúde. A dor refletia o que era sua vida: incerta, à deriva de outras, à espera de outros, sem controle, sem direção, sem definição nem expectativas. Só doía e só. Não ia embora. Era eterna. Era crônica.

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