quinta-feira, 10 de junho de 2010

Quebra-cabeças

Mas quando você me fala dessas coisas, quando ouvimos Ramones muito alto e bebemos Jim Beam a noite toda e nos beijamos sem lembrar do fim do beijo, sem pensar no depois, sem querer depois, sem querer mais nada... Quando você me fala assim, eu me lembro. Eu era só uma menina. Assustada, irritada, que sabia tudo, que queria tudo, que pulsava incontrolavelmente. E brigava apaixonadamente. E tinha certeza de tudo. Tinha um futuro lindo, visível, previsível, seguro e estável.
Mas quando você me fala dessas coisas, tudo o que eu enxergo é aquela menina pequena e distante, muito adulta e triste - mesmo que ninguém, nem ela mesma, soubesse disso. Algumas pessoas, a maioria talvez, são crianças, jovens e adultos - nesta ordem. Outras nascem mais velhas, como eu, e vão ficando criança depois. Tornam-se esposa antes de serem punk. Bebem vinhozinho branco antes de virarem garrafas de Jim Beam a noite toda. Dançam com os velhinhos nas festas de casamento antes de se atirarem em pistas de dança escuras, lascivas, misturadas, suadas, lugares cheios de códigos e nenhuma regra, onde a única coisa importante é soltar todos os bichos, ser feliz, ter prazer como se não houvesse amanhã.
Então quando você me diz essas coisas, eu penso por um segundo que não estou perdida. Sinto que não estou sozinha. Não sou peixe fora d'água. Que, na verdade, sou outro bicho. Não sou mamífero, não quero peito. Não sou caça nem caçador. Mas faço ninho. Emigro como os patos no inverno. Me arrasto loucamente por aí como os polvos. E kamikaze como eles, mato e morro todos os dias. E resisto. Luto dias inteiros. Depois hiberno dias inteiros. Mudo de cor com a pouca luz da noite. E meu sangue é quente.
Mas quando você me fala dessas coisas, quando ouvimos Ramones muito alto e bebemos Jim Beam a noite toda e nos beijamos sem lembrar do fim do beijo, sem pensar no depois, sem querer depois, sem querer mais nada, talvez você não saiba: estou inteira aqui. Estou aos pedaços, mas meus pedaços são todos tão meus quanto seus. Se há um momento onde estou inteira, é quando estou com você. Se há uma chance de haver verdade para mim, ainda que cometendo todos os desvarios e enganos e infantilidades que cometo hoje sem nenhum controle - ainda que eu me esforce tanto para controlar - essa chance só existe se você dividi-la comigo.
Sei ser uma pessoa só. Mas assim não sou inteira. E o pedaço que me falta é o seu. Não me queira demais, não me queira o tempo todo, não me queira só pra você. Apenas queira. Me deixe ir, mas me queira de volta. Volte. Insista. Me ajude a juntar os pedaços.

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