sábado, 16 de junho de 2012

Os vizinhos de cima


Apaixonou-se pelo apartamento antes mesmo de entrar. A luz que passava por baixo da porta era capaz de iluminar todo o corredor escuro. Mudou-se imediatamente. E seus móveis pareciam ter sido feitos para o pequeno espaço de pé direito alto, graças ao mezanino. Já estava ali há dois anos e gostava principalmente daquela época do ano, quando o sol suave de outono entrava pela sala e enchia de cor todos os cantos da casa. Vez ou outra, porém, sua paz era invadida por barulhos estranhos que vinham do apartamento de cima. A impressão era a de que os móveis estavam sendo arrastados, rearranjados ou consertados. Mas com o tempo a moça solitária do apartamento iluminado começou a achar que havia alguma coisa errada. Todos os dias os móveis eram arrastados. Sempre à noite, por volta de onze horas, meia-noite. E muitas vezes também durante o dia, de manhã. A moça incomodada chegou a achar que o pessoal de cima podia ter camas embutidas, de armar, ou algo que precisassem montar e desmontar todos os dias. Nossa, que trabalho… Ainda assim, não lhe parecia fazer sentido aquela barulheira diária. Incomodada com outras coisas da vida, numa noite chuvosa a moça solitária, ao ouvir novamente os móveis sendo arrastados no apartamento de cima madrugada adentro, resolveu interfonar para o porteiro e registrar sua reclamação. O porteiro repassou a queixa ao zelador e, no dia seguinte, ao passar pela portaria, a moça queixosa foi interpelada pelo Sr. Antunes: “A senhora reclamou de barulho no 501, foi?” Um pouco embaraçada porque não gostava de parecer uma pessoa reclamona, a moça balançou a cabeça e começou a se explicar “Puxa seu Antunes, eu não gosto de reclamar, mas esse pessoal do 501 faz muito barulho, arrastando móveis ou sei lá o quê todos os dias… é muito chato.” O Sr. Antunes ficou olhando fixamente para a moça, parecia distante, meio sem graça, mas então resolveu falar: “Olha, a senhora me desculpe, mas não há ninguém no 501. O apartamento está fechado há anos, então a senhora deve estar ouvindo barulho de outro lugar.” Será? Bom, ela se desculpou e foi embora. À noite, na hora de sempre, ela teve certeza: era de cima que vinham os barulhos! Certamente era algo sendo arrastado. Maluquice? Estaria ouvindo algo que não existia? E enquanto confrontava suas dúvidas ela ouviu barulho de novo e desta vez ouviu algo cair no chão e rolar. Sem dúvida isso vinha do apartamento de cima! No mês seguinte a moça se mudou. O Sr. Antunes achou uma pena. Teve vontade de dizer à moça que os barulhos eram inofensivos, apenas barulhos. Ele mesmo ouvia, do corredor, assim como todos que moravam ali em volta do 501 ouviam. Mas não disse nada. O Sr. Antunes sabia, não é todo mundo que sabe lidar com aquilo que não vê e não conhece.

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