segunda-feira, 28 de maio de 2012

Vicious habits / Hábitos viciosos


“Vicious”, do jeito jocoso que pensava Lou Reed. Era assim que ele conseguia definir aquela mulher. Ela era “vicious”. Seria simples traduzir como “viciante” ou “viciosa”, mas não, “vicious” no seu sentido muito mais completo em inglês, tinha significados que não eram compreendidos e usuais em português. Literalmente, “vicious” tinha como sinônimos as palavras todas que podiam descrever o jogo daquela mulher: vicioso, perverso, viciado, depravado, mau, imoral, rancoroso, vingativo.
No fundo ele sabia que o melhor era manter-se longe, então custava-lhe entender porque algo que se manifestava no fundo dos pulmões lhe causava aquela ausência de ar toda vez que se encontravam. Ela era tudo o que uma mulher não devia ser, era solta, ocupada, irreverente, estava sempre com alguém diferente, raramente sozinha. E quando estava sozinha era irritante ver a fila de idiotas bancando o bobo da corte para chamar sua atenção. E ela ria fácil. E seu sorriso de mil dentes parecendo estrelas deixavam as suas pernas inexplicavemente moles, assim como seus miolos.
Ela era uma mulher comum, dessas que se você cruzar numa banca de jornais, nem vai prestar atenção no cigarro Dunhill que ela compra. Esse é o tipo de coisa que você só presta atenção se tem que barganhar por um trago naquele cigarro estranho, que ela diz que não é dela, quando se recusa a te dar um cigarro no fim da noite. E você não sabe se ela está lhe negando um cigarro ou lhe dando o privilégio num trago do cigarro que esteve há pouco na boca dela.
Mas numa pista de dança aquela mulher não era a mesma da banca de jornal. Ela entrava na pista com passos elegantes. Já tinham se cruzado em tantas festas… A primeira vez que colocou os olhos nela, ele lembrava, havia sido numa pista de dança, lá pelos idos dos anos 90. Ela era mais jovem, mais contida, mas já tinha aquela alegria solta, de quem sabia das coisas, de quem dançava como se não houvesse ninguém mais ali. Ela era sexy, seus movimentos eram de uma mulher que sabe como lidar com um homem na cama. Ele sempre tinha tido esse conceito – o de que a mulher que é incrivelmente sexy numa pista de dança era, indubitavelmente, incrivelmente boa de cama. Era uma teoria comprovada, ele achava, tinha certeza.
Alguns anos  depois, já não eram tão jovens nem tão contidos, mas ela continuava tendo aquela alegria solta, de quem sabia ainda mais das coisas e por isso tinha aquele olhar de quem estava sempre no comando, defendida, sem permissão para maiores aproximações. Era o tipo de mulher que a gente não via sozinha. Aquilo lhe irritava. E quando, de vez em quando, os olhares se cruzavam numa festa, num bar, num show ou qualquer outro canto escuro da cidade, ela desviava, se esquivava como se estivesse fugindo de alguém lhe pedindo esmolas ou apontando-lhe uma arma. De longe ela parecia uma mulher poderosa. De perto ela parecia uma mulher assustada. E ele não sabia quem ela realmente era. E não sabia, portanto, o que poderia lhe dizer.
Mesmo assim seu cromossomo, sua criação, seu dna de homem rústico não aprovavam aquela mulher. Ela era “vicious”. Ela estava sempre com alguém diferente. Ela parecia estar sempre se divertindo. Ela contava histórias e estava sempre cercada de gente que gostava de ouvir suas histórias. Ela bebia como um homem e não era raro que ele mesmo não pudesse, de fato, fazer esse julgamento, pois ele mesmo bebia demais, bem mais que ela. Mesmo assim, não era bom que ela bebesse como um homem. Não era bom que ela fosse assim, tão femininamente homem. Ele não gostava disso. Sua cabeça de cima insistia nisso, o tempo todo. A outra cabeça, porém, perdia o juízo quando via a menina dançar, passar, desfilar com umas roupas estranhas, que estranhamente ele sempre gostava. Até isso era “vicious” nela.
Há um estudo que diz que a paixão e o vício atuam numa área do cérebro que é muito próxima. Daí a confusão mental, a perda da sensação de realidade, as atitudes impulsivas e muitas vezes inconsequentes. A gente tem que se livrar dos vícios. Substituir os maus hábitos por bons hábitos. Ser um ser humano equilibrado não é para qualquer um, não, não é. De alguns vícios, pensava ele, era melhor livrar-se aos poucos; outros, porém, era melhor cortar de uma vez.

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