quarta-feira, 28 de março de 2012

Outono frio

Porque faz frio, me lembro do teu calor. Da sua mão que encostou em minhas costas, me fez pular e fez seus olhos se acenderem, como dois vagalumes, surpresos do meu corpo quente.
Foi estranho porque ontem era uma noite de verão, uma noite em que tive razão, fui responsável, flertei com a possibilidade e desdenhei da minha sorte, da minha arte em ignorar os sinais. Mas ignoro o que sei… é como se seu soubesse de tudo antes mesmo de tudo começar, mas não visse. Sou ansiosa. É da minha natureza saber das coisas antes – mesmo que eu não queira.
Sou bicho, mamífero mal desmamado, animal que acha os chifres lindos. E acha ridículo que eles remetam aos cornos de orgulho ferido. Porque nem existe feminine para corno. As mulheres, quando traídas, snao apenas mulheres traídas. E a maioria delas, ainda mais se taurinas, sabem de tudo antes mesmo de tudo começar.
Animal que sou, eu sinto. Homem que sou, eu penso. Penso que não pertenço a ninguém. Penso que ninguém me pertence. Penso que não existe animal mais aprisionado, escravizado e domesticado do que aquele que precisa de cercas, regras e ração. Admiro a mulher de Chico. Todo dia ela faz tudo sempre igual. E mesmo que falhe e mesmo que erre, cuida do seu rebanho, não sabe o que fazer só, for a da cerca.
Eu não sou esse bicho. Não sei que bicho sou, mas minha porção que sente, e apenas sente e nada mais, às vezes sente muito. Porque bichos assim cruzam oceanos, às vezes ficam à deriva, e não sabemos bem o porquê de terem esse comportamento.
Somos bichos diferentes. Não só homens e mulheres. Homens isso, mulheres aquilo, ursos pandas, marrons, polares, de óculos, the grizzly bear que não sei traduzir. Podemos até ser de mundos diferentes, mas não somos cada um de um planeta. Rita Lee é mais macho que muito homem e Caetano tem aquela energia estranha de cigana bonita, mesmo sendo feio que dói. O que ele canta dói.
As pessoas são estranhas. De repente não sabem mais quem são e acham que têm sempre razão e que o mundo seria muito melhor se seguisse suas ordens e regras. Mas e a cerca e a ração? Não foi Millor quem disse “prefiro ser feliz a ter razão”? Não, não foi. Quem disse isso foi Ferreira Gullar, que você adora citar sem se lembrar do nome. Acho que Millor poderia rir dessa piada… Mas e você? Você entenderia minha piada?
Hoje esfriou e seus olhos de vagalume sumiram fugindo do outono que surgiu atrapalhado com o timing e o ajuste gradual do termostado da cidade. Acho que eu sabia que seria assim. Mudam as estações, envelheço na cidade e minhas referências não têm nenhuma importância.

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