sexta-feira, 15 de abril de 2016

monólogo memorável

sobre as conversas que não tivemos, tenho memórias rebeldes e estáticas. elas se congelam, como num ásana, e ficam tão paradas no tempo e no espaço, que já não sei o sentido que tinham.

todos os dias meu passado fica mais distante e não existem outros tempos verbais além do presente. mas como uma afronta à esta verdade, tão inquestionável e notoriamente provável, quando o dia arrefece, o futuro aparece inesperado, adiantado, à espreita do momento oportuno para importunar.

engoli todas as palavras que não consegui cuspir no último tiroteio. te matei quando acertei em cheio cada letra disparada para me despedir. mas não consegui escapar. morri também. e agora para sempre me arrasto como um vampiro faminto, a viver de sombras mesmo no mais ensolarado dos dias.

são as palavras mais amargas e sórdidas, aquelas que ninguém ousa usar, que me sobram. porque já usei todas as palavras boas, doces e amadas. elas estão escassas. não é tempo.

jamais te neguei o amor. mas minhas palavras você nunca mais vai ouvir.

terça-feira, 5 de abril de 2016

maribélula da madrugada




no azul intenso da manhã a maribélula passou
diante do meu nariz, à espreita do dia na janela,
levando todo o peso do mundo em suas asas
fortes, fartas e únicas

domingo, 3 de abril de 2016

Memória Inabalável



outro dia contei essa história da máquina de escrever, que nunca foi minha. e logo eu, veja só, que vivo escapando dos encontros, driblando os desencontros, viro a página e dou de cara com sua irmã gêmea. me lembro, então, que essa história de datilografia requer talento e habilidade. enquanto penso nisso o piano e o violão se ressentem do meu desprezo e falta de nostalgia, como se a nossa história não tivesse acabado bem. não é verdade. preciso deles; preciso de todos. todas as letras, tudo junto, colorido, barulhento e organizado à minha maneira, tão caótica e ainda assim ordinária. e de um jeito ardido, como se fossem defeitos o que apenas não é perfeito. do mesmo modo que trocamos de dia, de roupa, de hábitos, e trocamos também de ideia, de conceito ideal, olhamos mais de perto o surreal e nos vemos também obrigados a trocar. é preciso. tudo precisa seguir seu fluxo. isso vem à tona, inesperadamente, nos reencontros. inevitavelmente ele carrega memórias e dores, saudades, questões que não vem mais ao caso, mas ao acaso, por acaso, ainda importam, mesmo que seja um erro. nesse movimento involuntário, entretanto, mora uma loucura que é temida e evitada. esse contato tão próximo da alma, do que dilacera, do que provoca a ansiedade de uma letra, uma palavra ou toda uma página cheia de peças que não se completam. talvez seja isso. talvez apenas não somos da mesma caixa de quebra-cabeças que nos seduziu. a fita da sua máquina é vermelha da mesma cor da bandeira da itália. na verdade eu sei que é vermelha pelo fluxo que ela tem. o verde me confunde e nessa desordem de tons eu baixo o meu para te bater com essas palavras sonoras. elas mexeram com todos os sentidos e mesmo assim não consegui dar a elas um sentido ou uma chance para que pudessem ser poesia. foi um exagero, e ele mora aqui, então às vezes precisa dar uma volta. tentamos nos esquecer de alguns detalhes, mas eles também são temperamentais. nos resta entender ou apenas lembrar sem se abalar.