quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Mama e seus meninos

Ela ia pensando na vida, caminhando pela areia rente à água. Mãos dadas com o caçula, olhando os outros dois que iam logo ao lado, brincando distraidamente com as marolas na areia. O pequeno, mimado e choroso, pensa se ainda falta muito. Tem sono. E fome. A qualquer momento vai desatar a chorar. A menina maior pensa em construir um barco, sair velejando, encontrar animais enormes como uma baleia no meio do mar, lá onde o horizonte acaba. O menino do meio, esquisito, como todo irmão do meio, pensa sobre a areia. E os caminhões de areia. Os caminhões. O caminhão na estrada. A vida ficando distante.

Caminhando pela praia

O grupo vinha caminhando lentamente. Na frente o cachorrinho, que parecia estar vendo o mar pela primeira vez. Eram dois casais de meia idade e três crianças quase adolescentes. O menino magrinho e moreno, que parecia ser filho do casal de aparência mais velha, ia um pouco desgarrado do grupo. Andava com a cabeça levemente inclinada, como se estivesse farejando a maresia, distraindo o olfato com o cheiro salgado. Mais atrás vinham as outras duas meninas, gorduchas. Uma parecia a cópia reduzida da outra. Ambas usavam roupão, uma coisa meio ridícula de se usar naquela praia, ainda mais naquela calor. As gorduchas de roupão pareciam filhas do outro casal. Uma família de gorduchos. O homem, barrigudinho e sorridente, falava com todos ao redor e ao mesmo tempo, sem se importar com o fato de ninguém prestava atenção no que ele estava dizendo. A esposa, usando um biquini azul que, mesmo grande, era um numero menor que o adequado, pediu ao marido que lhe tirasse uma fotografia. Ele o fez. Inclusive, até mostrou alguma dedicação em acertar o que a mulher queria após ouvir suas instruções. Mas ela não sorriu quando viu o resultado, protegendo a tela da câmera do reflexo do sol, que nem o chapéu de palha nem os óculos gigantes conseguiam conter. Ela então deu dois passos para a frente, posicionou-se novamente e fez uma auto-foto. Olhou de novo o display e tentou mais uma foto. Olhou de novo. Mais uma. A repetição, porém, não parecia narcisismo. Ela simplesmente não ficava feliz com o resultado. Fez mais algumas tentativas, mas seu semblante, ao checar o resultado, nunca mostrava satisfação. Só impaciência. Parecia que faltava-lhe a habilidade de fotógrafa. Ou a beleza que tinha quando era mais jovem. Ou ainda - e muito provavelmente - as duas coisas. Fez uma última tentativa e, derrotada pela insatisfação, engoliu a auto-crítica e se convenceu de analisar mais tarde a auto-sessão fotográfica daquela tarde morna na praia.

Minha vez

Então quando você me quiser, será minha vez de achar que nem é comigo. Então vai ser sua vez de pensar "como assim?". Estarei numa vida tranquila que você invejará. E você pensará por que não pode ser parte dela. Vou considerar, te juro, mas antes quero ver você tentar, pensar, provar esse gosto estranho de fruta antes do tempo, mordida por quem tem pressa. E se você não desistir, vou te ajudar a ver a fruta madurar.

Uma canção para ela

Nadava de costas. E a piscina azul, iluminada pelo sol inclemente, combinava com seus olhos. Flutuava como um pedaço de nuvem no céu, muita branca e leve. Seu corpo parecia mal tocar a água. Enquanto isso ele compunha uma canção. E ela era tão linda que fez com que ele tivesse voltade de chorar. Como se soubesse que aquele momento mudaria suas vidas para sempre.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Mão boba

Dormiu tão bem. Sonhou com coisas boas, que já não lembrava mais. E sentiu durante o sono - e nessa hora não estava sonhando - a mão dele em sua pele, naquela curvinha entre a cintura e o quadril, lugar que a mão dele sempre escolhia para dormir.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Me proíbo

Vou ignorar a correntinha no tornozelo, o sorriso dissimulado, o convite atrevido. Vou esquecer o calor do quarto fechado, o mal humor das manhãs, o silêncio das palavras e o barulho dos fones de ouvido. Vou desprezar seu sono infinito, seu bom senso insensível, sua recusa de calor. Vou me proibir de saber de você, de tentar entender por que não pode ser.

Querer não é poder na hora de esquecer

O problema de QUERER esquecer é que as coisas não funcionam bem assim. Querer esquecer é um ato de coragem, que exige atenção 24/7, como parar de fumar. E você pode chorar até achar que seus olhos vão desintegrar, pode esconder todas as fotos, os indícios daquilo que quer largar. Não importa. Nenhum esforço é vão, mas nenhum deles vai encurtar a bad trip. Esquecer é difícil porque o universo fica sabendo das suas intenções e, cruel como só ele, coloca o objeto a ser esquecido em todos os lugares. E não há vacina, patch, cachorro ou cachaça que dê jeito. O único antídoto é mesmo o tempo. Ainda bem que ele não é caro nem pouco nem pequeno. Só é lento. Mas o que nessa vida é perfeito?

Tempestade

Vai ouvir outra vez aquela canção. Vai pensar de novo naquilo tudo. E não adianta fugir, mudar de rádio, fingir que não ouviu a mulher na fila chamar o filho por aquele nome que ela não quer mais pronunciar. Vai chover de novo. Lá fora tudo alaga. Lá dentro, também.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Noites escuras

A noite estava escura e estrelada. As Nuvens de Magalhães estavam visíveis e ele se lembrou da última vez em que ela esteve ali. Sua risada escancarada, que mostrava todos os dentes, desviava a atenção dos seus olhos tristes refletindo a grandeza daquele céu estrelado, que ela olhava encantada, enxergando coisas que só ela via e que ele não conseguia entender. E agora ele não sabia onde é que ela estava, mas sabia que aquele céu, quando mostrava as Nuvens de Magalhães, jamais poderia ser visto do mesmo jeito. Como pode, não? Alguém possuir o céu e as Nuvens de Magalhães...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Numb

O escárnio dele com a dificuldade dos outros era algo repugnante. Então como explicar aquela súbita paixão? Aquele fogo no meio do peito, entre as costelas, queimando de um jeito absurdo, que ninguém podia ver e só ela podia sentir, sabe?

Ela foi embora

Lá vai ela, seguindo saltitante, sorrindo radiante, sem ninguém saber porque. Lá vai ela, sem olhar para trás, num momento fulgaz, vira a esquina e ninguém mais vê.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Te interessa?

Ela quer que ele pense que está perdida. Que as dúvidas lhe perturbam. Que as dívidas lhe ameaçam. E poderia ser mesmo verdade. Não fosse pelo mero acaso de que ela já não se importa com mais nada.

Dever de casa

Ele sabia que continuar ali só iria complicar as coisas. As mudanças, afinal, acontecem para criar um movimento, espantar o tédio, tirar a poeira dos pensamentos e atitudes. Ele não sabia esperar. Nem dividir. Nem achava que era hora de aprender. Mas a vida simplesmente ensina e não quer saber do seu querer. Isso, pelo menos, ele tinha aprendido.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Meu joelho dói

Mas às vezes me vem aquela coisa no peito, um aperto, falta daqueles momentos como se fossem pessoas queridas que morreram. Vem em ondas. E lateja. Dói, como um machucado mesmo, daqueles muito feios, que você sabe que um dia vai sarar, mas não sabe dizer quando, só sabe que vai demorar muito tempo.

Dancing with myself

Dançou como se ninguém estivesse olhando. Dançou como se fosse a última música. Até que os pés doessem e a cabeça girasse. Dançou para lavar a alma. Para tirar do peito o excesso e dos ombros o efeito opressor da presença constante e inexistente daquilo que ela não queria mais.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Exorciso-me

Eu te escrevo porque prefiro que você saiba, ainda que não tenha coragem de te dizer com minha boca, que é isso que sinto. Não acho que você valorize. Ou entenda. E nem espero que responda. Aliás, prefiro não ter resposta. Eu escrevo para te dizer isso porque acho que você precisa saber. Não porque você mereça, mas porque isso não pode ficar aqui, trancado dentro mim. Isso tem que sair, tem que acabar de alguma forma. E eu sei que acaba. Sempre acaba. Mas não consigo esperar. Não quero. Prefiro escrever, te escrever, te arrancar, letra por letra, de mim.

Sobre ontem à noite

É hora, disse ele, levantando apressado. Deu-lhe um beijo molhado e partiu. E agora? Pensou ela espantada. Lembrou da noite encantada e dormiu.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Fados

O dia amanheceu como se fosse domingo. Chuvinha caindo. O sono atrapalhando a hora de levantar. Fiquei na cama e ouvi dois fados, a melhor coisa de se ouvir num falso domingo de manhã.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Panegírico

Vou dormir com o barulho da chuva. Sonhar com você enroscado em minhas pernas. Acordar naquele colchão, testemunha do seu perfume fulgaz, que eu já não posso mais sentir.

Nunca mais

Não quero te ver nunca mais. Mesmo que isso seja tempo demais.

Pressa

Sentiu o tempo passar como se fosse uma coisa palpável, como num corredor cheio de gente, esbarrando de maneira bruta, sem cuidados nem desculpas.

Mero

Eu te empurro pra fora, te lanço no mar, não quero mais ver. E você volta, trazido pela maré cheia. Pela lembrança das pausas que eu não soube usar. Queria nadar com você, mas quando tento, afundo. Afundo nos teus olhos, que me engolem como uma nuvem de fumaça, onde nada é real ou sensível ao toque. Não há toque. A maré volta a encher e lá se vai você de novo. Eu desisto, não quero que você volte. Mas há peixes que são assim: escolhem onde morar e, na vastidão do oceano, ficam sempre no mesmo lugar.

6 segundos

O farol demorava 6 segundos para dar a volta completa. 6 segundos de uma quase escuridão. Ele pensou em beijá-la enquanto estavam ali, deitados na laje do farol, olhando as estrelas infinitas do céu. Viram uma estrela cadente e, apesar do desejo dela, o beijo não aconteceu.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mais uma, por favor

Pediu a terceira Guinness e tomou uma olhada do barman. Filho da puta folgado. Tá me achando com cara de bêbada? Quem é ele pra me julgar, esse gordo! Mas então ele voltou com a Guinness, deu uma piscada e um sorriso e ela notou que ele não era gordo.

Poeira de estrela

Não é suficiente. Nunca vai ser. Não é uma noite inteira, mas migalhas dela, pedaços de um eu que eu já não conheço mais.

Já passa

Ela pensou em ir até lá perguntar o que diabos estava havendo. Mas ainda era cedo pra isso. Dormiu mais um pouco e esperou a vontade passar.

Amor doce

O vento soprou forte de repente, entrou com tudo pelas janelas, fez baterem as persianas. As folhas de jornal soltas, espalhadas, do jeito que ele gosta de deixar depois que lê, voaram pela sala como pequenos balões daqueles que a gente fazia quando era criança. Ela sentiu saudades. Sentou-se no chão da cozinha e abriu uma paçoca Amor.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Você nunca vai saber

Sua aparência quase inofensiva escondia coisas que ela sabia sem que ninguém tivesse lhe ensinado. E ele, tão pequeno, não descobriria nunca.

Carne de pescoço de girafa

Eu fiquei ali, olhando a padronagem confusa da girafa. Já reparou como as manchas marrons são irregulares, embora pareçam milimetricamente encaixadas? De repente notei como isso parece minha vida - tudo encaixadinho na mais perfeita confusão.

Mariana foi correr, não pensar

Ela abriu os olhos. É dia, pensou. Levantou-se, prendeu os cabelos, calçou o tênis e foi correr. O cérebro e o afeto ficaram no travesseiro. Mas é assim mesmo, pensou o cérebro com preguiça, não podemos estar juntos o tempo todo. Me acorda quando você voltar.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

As pernas dela

Suas pernas longas, de músculos marcados, como as de um boxer, aquele cachorro de cara engraçada, me deixam confuso. Suas pernas longas como as segundas-feiras, me deixam ansioso. Suas pernas longas, de ciclista apressada, se afastam de mim. Suas pernas longas e seu coração frio me fazem sofrer.

Limites

É tudo matemática. Até os textos que leio. Até os textos que escrevo. Milimetricamente calculados com sorte para caber em 140 caracteres.

Don't miss me too much

Não sinta, nem minta. Eu sei o que sente. E porque mente. Eu sei que é difícil. Embora seja tudo muito simples. Não ceda. É tarde demais para isso. Não me ouça. Não faço a menor idéia do que é melhor pra você. Não me odeie. Eu sou apenas sincera. Sinto muito. Não me orgulho. É mais forte do que eu.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Não venta

O vento parou e deixou a madrugada num completo silêncio. As janelas abertas à toa, esperando que o vento volte. Mas ele não volta. Deixa a cortina imóvel, ansiosa por ele, achando bom, na verdade, ter um pouco de paz.

Distraída

Tudo me distrai. A joaninha que parou na ponta da cadeira. O sapato atravessado na sala. O cinzeiro cheio. As marcas de ontem anulando o calor, o sol, o dia invadindo a minha casa, minha vida. Por que amanhece tão rápido? Por que a hora mais linda do dia não pode durar um dia inteiro? Por que o gosto daquele beijo não sai da minha boca? Tudo me distrai. Começo querendo dizer uma coisa e quando vi, já pisaram na joaninha.

O amor é importante, porra (esse título eu roubei do muro)

Então, quando eu te ver de novo, talvez, eu olhe nos seus olhos. E se você não se esquivar como sempre faz, talvez eu diga que te amo. Assim, sem avisar. Assim, sem você nem ninguém esperar. Assim, bem alto pra todo mundo ouvir. Bem devagar, pra dar tempo de você acreditar.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Ressaca

O álcool na forma de vodca demora mais a evaporar do meu corpo e ignora completamente a repulsa do meu fígado. Se instala e não me deixa mais viver em paz. Todos os sentidos e sentimentos passam a acontecer na minha barriga. Posso rir e posso chorar com a mesma intensidade, sem intervalo entre um e outro. Posso ser qualquer coisa. Mas não sou coisa alguma.

Culpa sua

É bobagem, mas quero que você sinta minha falta. Que sinta culpa por não me adorar como se adora a uma deusa.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Calor

Seus lábios ardiam como pimenta. Mas tinham uma doçura também. A doçura enjoativa do leite de coco. E o calor que aumentava subia pelo seu pescoço, enroscando-se ao redor, como as águas de Ipanema no primeiro dia do ano.

Disfarces

Daqui a um ano, exatamente um ano, estaremos aqui no mesmo lugar. Com os cabelos maiores. Um ou dois quilos acima, talvez. Novos sonhos na cabeça. Novos lamentos e outras músicas para afogá-los. Ou outras velhas músicas para esquecer coisas parecidas. Ou rir. Acender um cigarro na varanda, sentindo a brisa friazinha da madrugada. Esperando o céu mudar de cor, mesmo que ainda vá demorar. Pode ser quinta, pode ser sexta. Você já não deverá mais estar por aqui. E eu estarei pensando, e sentindo como se fosse a primeira vez, que as coisas são transitórias. Vai me causar surpresa outra vez. É sempre estranho cruzar a cidade e dar de cara com o óbvio usando disfarces.

Noite de verão

O ar da noite de verão, paradinho e doce. Não havia um pingo de maldade ali, embora também não houvesse nenhuma inocência.