Há muitos anos não ia ao relojoeiro da Rua Oliveira
Mendes. Quando era criança, ia ao relojoeiro com o avô, um homem alto, altivo,
elegante. O avô naquela época tinha uma moto. Aliás, não era uma moto, como
dizia; era uma Norton. Vestia-se de camisa (muito bem engomada), gravata preta
(sempre!), sapatos lustrosos e uma jaqueta de couro que era pesada como uma
armadura. Mas Luís era leve, era um menino franzino; o avô sempre dizia que, de
tão leve, esquecia que o neto estava na garupa. Quando o avô morreu, Luís
herdou sua coleção de relógios. A Norton, infelizmente, há muito já havia sido
trocada por sucessivos automóveis, exigência da avó, que não via mais cabimento
naquelas aventuras motocicísticas. Talvez influenciado pela avó, Luís jamais
havia tido uma moto, e sublimava a vontade aumentando a coleção de relógios.
Juntando os que havia herdado do avô, mais os seus (alguns novos, outros
antigos, comprados em feiras e antiquários), devia ter hoje cerca de duzentos
relógios de pulso. Nunca usava os antigos, mas cuidava deles, limpava, dava
corda, admirava. Passado um tempo, porém, Luís percebeu que os relógios
precisavam de manutenção especializada. Alguns estavam visivelmente
envelhecidos e começando a ter problemas de funcionamento. Lembrou-se então do
relojoeiro frequentado pelo avô, na Rua Oliveira Mendes. Mas aonde ficava
aquele lugar? Procurou no mapa, perguntou a avó e a um tio mais velho, que já
não respondia mais às coisas com muita coerência, e ninguém se lembrava do
relojoeiro. Luís era muito criança naquela época para saber com exatidão…
lembrava-se que iam pela vinte e três de maio, saíam por uma rua inclinada,
passavam por trás da catedral da Sé, mas depois entravam por ruelas do centro
em que carros já não circulavam mais. Possivelmente motos também não deveriam
circular por ali. O avô desviava de pedestres, dizia que antes haviam carroças
e bondes naquelas ruas. Luís achava aquele caminho uma grande aventura, mas não
se lembrava de todos os detalhes… A verdade é que mesmo as lembranças do avô já
começavam a lhe escapar. Lembrava-se da figura esbelta dele, do contorno das
sombrancelhas e do bigode, do cheiro que tinha o seu cabelo, mas tudo isso como
se o avô estivesse num sonho. E outras coisas, como conversas, nomes,
conselhos, já não lembrava com total clareza. A própria feição e a voz do avô,
se não se concentrasse, Luís tinha dificuldade em se lembrar. Mas lembrava
disso – do avô dizendo em tom de aventura “vista-se! hoje vamos ao relojoeiro da rua Oliveira
Mendes.” – Luís fez de tudo – procurou no mapa, perguntou a outras pessoas, aos
serviços de informações, a outros relojoeiros do centro, mas ninguém conhecia
uma rua com aquele nome ou qualquer outra coisa que pudesse levar Luís àquela
rua ou ao relojoeiro, se é que eles ainda existiam. Tentando puxar pela memória,
Luís andou pelas ruas do centro, algumas que ainda tinham trilhos de bonde, sem
nunca conseguir encontrar a tal rua Oliveira Mendes. Nunca entendeu se aquilo
era um segredo do avô, uma confusão da memória dele (ou da sua) com o nome da
rua… Foi obrigado a encontrar outro relojoeiro.
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