Entrou no supermercado e o rádio tocava Caetano. Como
não lembrar dela, que tinha toda a discografia e dizia isso como quem tem
orgulho de ter muitos filhos? Nunca mais esqueceu seus olhos redondos, imensos,
negros de pavor quando falou pela primeira vez que não gostava de Caetano. Por
um instante achou que o relacionamento terminaria ali, antes mesmo de começar,
mas não. Havia muito mais nela além do fanatismo controlado por Caetano. Ela
era doce, criativa, falante. Às vezes falava muito. E ele se irritava dela
dizer que ele gostaria de algumas coisas se as conhecesse melhor. Ele se
irritava em saber que, em parte, aquilo era verdade. Ela desdenhava sua irritação, assim como desdenhava sua
aversão por beringela mesmo sem nunca ter experimentado o legume bizarro (precisa?),
e suas preferências sempre tão resolutas e inflexíveis. Ela
não era assim. Ela gostava de experimentar, não dizia muitos nãos, prestava
atenção nas coisas que lhe interessavam como uma criança diante de algo muito
colorido e lúdico, com a boquinha entreaberta e aqueles olhos gigantes
reluzindo de prazer. Gostava de convencê-lo das coisas, insistia que, sem se
aventurar um pouco, sua vida ficaria entediante num instante. Mais uma vez o
irritava, tendo, em parte, razão. Quando foi embora de vez, depois de tantas
tentativas que já nem tinham conta, ela levou todos os discos do Caetano.
Fizeram piada disso, claro, ele jamais perderia a chance. “Perde a mulher, mas
não perde a piada”, ela disse. Eram amigos. Seriam amigos para sempre, mesmo
que nunca mais se vissem. E mesmo que ele continuasse evitando ouvir Caetano,
pensava nela ao ver a seda azul do papel que envolve a maçã.
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