6:15, o despertador toca Ray Charles. Não há tempo para mais 5 minutos; está no limite do horário do trânsito insuportável. Está frio, como disse a música do despertador - Betty canta "I really can't stay" e Ray responde "Baby, it's cold outside" -, mas ele sai rápido da cama, como quem já aprendeu a lição e sabe o custo dos 5 minutos impossíveis. É sexta-feira e não há alternativa. Lavou o rosto com a água gelada e dolorida, depois olhou-se no espelho e sorriu. Era um truque que tinha para confundir o espelho que, àquela hora, sempre tentava lhe dizer coisas cretinas. Pois fosse de escárnio, de graça, de dúvida, nervoso ou gratidão, ele sorria. Qualquer que fosse o motivo, o recado do espelho estava lá: a felicidade mora na boca de quem consegue sorrir.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Muito prazer
Tudo aconteceu
assim: quando abriu os olhos não sabia onde estava. Teve aqueles 5 segundos de
pânico, medo de ter feito besteira, de ter sido enganada, de ter sido iludida,
de estar perdida, de ter sido conduzida até ali sem consciência, sem dó nem piedade
de alguém que fosse mau. O mundo era um lugar estranho… um dia a gente dorme e
acorda sem precisão dos sentidos, com emoções controversas, como o medo de não
se saber onde está. E, 5 segundos depois, lembra que está em casa, que agora moramos
ali, mesmo que tudo pareça tão novo que a gente até demore a reconhecer.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Loucuras da noite
O gato
sorri loucamente
“Mas eu não
ando com loucos”, observou Alice.
“Oh você não
tem como evitar”, disse o Gato, “somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você
é louca”.
“Como é que
sabe que sou louca?”, disse Alice.
“Você deve
ser”, disse o Gato, “senão não teria vindo para cá.”
Alice não
achou que isso provasse coisa alguma, mas continuou: “E como é que sabe que você
é louco?”
“Para
começo de conversa”, disse o Gato, “um cachorro não é louco. Admite esse fato?”
“Acho que
sim”, disse Alice.
“Bem, então”,
continuou o Gato, “veja o seguinte: um cachorro rosna, quando está brabo, e
abana o rabo, quando está satisfeito. Ora, eu rosno, quando estou satisfeito, e
abano o rabo, quando estou brabo. Portanto, sou louco.”
Alice no país das maravilhas, Capítulo VI, Porco e Pimenta
Adriana mergulha
Adriana me disse um dia que queria sentir como era a ausência da gravidade, a paz invadindo a gente pela pele, pelo poros, pelas bolhas de ar que a gente respira sem perceber. Eu disse a ela que tudo isso era possível num mergulho. Disse também que mergulhar é difícil, coisa para quem tem paciência de aprender o mar, seu balanço gentil e feroz, seus mistérios de quem é maior do que a gente pode entender. Drica me ouviu, foi descobrir o que há de mágico na companhia do ar comprimido que precisa, sim, de dupla, mas que não depende de mais ninguém além da vontade de descobrir os mistérios que existem nessa Terra, ocupada em sua maioria por água. Mistérios que moram na gente. Água de beber ou temperada com sal, mas água, onde a gente nasce e onde a gente descobre mais vida do que a vida pode supor. Pois é, prima (dupla corajosa que me dá a mão para encarar as ondas que eu ainda temo) a vida é surpreendente em cima e debaixo d´água!
domingo, 24 de junho de 2012
Cretinices
Ela ligava,
ele não atendia, cretino. Horas depois ele ligava; ela, horas depois já tinha
perdido a vontade de falar, não atendia. Mais tarde, mais uma vez, ele
insistia, ela não ouvia, o momento não era bom. Já um pouco tarde demais, ela
via as chamadas, mas era tarde, ele dormia, ela pensava, por isso não ligava. Dias
depois, outras ligações, outras coisas e estações, pensavam ao mesmo tempo sem
saberem: há coisas que o tempo leva.
sábado, 23 de junho de 2012
Vícios malditos
Ele foi comprar cigarros e nunca mais voltou. Ela não ligou. Aproveitou e parou de fumar.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
As mesmas coisas
Estava cansado das mesmas coisas. As pessoas só falavam das mesmas coisas. A mulher tinha sempre as mesmas reclamações. O sócio reclamava dos mesmos problemas no trabalho. A secretária dava sempre as mesmas desculpas pelos atrasos. A moça do café, todo dia, com a mesma cara carrancuda atendendo as pessoas. O café mesmo, continuava com o mesmo gosto açucarado demais de sempre. Sua cara no espelho, igualzinha. Nem ele, sua vida, suas roupas e manias, escapavam daquela mesmice, de todo dia tudo igual. Ele era igual a todo mundo e todo mundo era igual todo dia. Queria mudar. Mudar era necessário. Precisava pensar, resolver, ter ideias sobre como fazer isso. Foi até o banheiro, lavou o rosto, encarou seu reflexo, perplexo pela vontade de mudança. Enxugou a barba devagar e decidiu ir tomar outro café antes da reunião começar.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Pensando no escuro
A lâmpada
do banheiro estava queimada. Ele já havia se oferecido para trocar um cem
número de vezes, mas a casa era dela e ele não achava certo trocá-la sem sua
permissão. E ela nunca permitia… dizia que havia se acostumado, que sua casa
era tão iluminada e como só ela usava aquele banheiro, deixava a porta sempre
aberta – os visitantes usavam o lavabo e ela nunca tinha hóspedes.
Fazia
sentido, ele pensava. Mesmo assim lhe parecia estranho ter que usar o lavabo se
não quisesse ir ao banheiro no escuro ou com a porta aberta.
Ela era uma
pessoa estranha. Saíam há cerca de três meses, mas tinham uma atração louca um
pelo outro, então não conseguiam maneirar. Viam-se quase todos os dias, sempre
na casa dela, e, três meses e pouco depois, continuavam no mesmo ritmo intenso.
E ele jamais tinha tido um envolvimento assim, do tipo avassalador. Gostava da
sensação, porém notava-se chegando perto daquele momento inevitável de estragar
tudo. Pegava-se observando as coisas, os hábitos, as pequenas imperfeições da
garota; essas coisas que a gente só observa muito de perto. E lembrava-se, no
escuro, que de perto ninguém é muito normal.
sábado, 16 de junho de 2012
Os vizinhos de cima
Apaixonou-se
pelo apartamento antes mesmo de entrar. A luz que passava por baixo da porta era
capaz de iluminar todo o corredor escuro. Mudou-se imediatamente. E seus móveis
pareciam ter sido feitos para o pequeno espaço de pé direito alto, graças ao mezanino.
Já estava ali há dois anos e gostava principalmente daquela época do ano, quando
o sol suave de outono entrava pela sala e enchia de cor todos os
cantos da casa. Vez ou outra, porém, sua paz era invadida por barulhos
estranhos que vinham do apartamento de cima. A impressão era a de que os móveis
estavam sendo arrastados, rearranjados ou consertados. Mas com o tempo a moça
solitária do apartamento iluminado começou a achar que havia alguma coisa
errada. Todos os dias os móveis eram arrastados. Sempre à noite, por volta de
onze horas, meia-noite. E muitas vezes também durante o dia, de manhã. A moça
incomodada chegou a achar que o pessoal de cima podia ter camas embutidas, de
armar, ou algo que precisassem montar e desmontar todos os dias. Nossa, que
trabalho… Ainda assim, não lhe parecia fazer sentido aquela barulheira diária. Incomodada com outras coisas da vida, numa noite chuvosa a moça solitária,
ao ouvir novamente os móveis sendo arrastados no apartamento de cima madrugada
adentro, resolveu interfonar para o porteiro e registrar sua reclamação. O porteiro
repassou a queixa ao zelador e, no dia seguinte, ao passar pela portaria, a
moça queixosa foi interpelada pelo Sr. Antunes: “A senhora reclamou de barulho
no 501, foi?” Um pouco embaraçada porque não gostava de parecer uma pessoa
reclamona, a moça balançou a cabeça e começou a se explicar “Puxa seu Antunes,
eu não gosto de reclamar, mas esse pessoal do 501 faz muito barulho, arrastando
móveis ou sei lá o quê todos os dias… é muito chato.” O Sr. Antunes ficou
olhando fixamente para a moça, parecia distante, meio sem graça, mas então
resolveu falar: “Olha, a senhora me desculpe, mas não há ninguém no 501. O apartamento
está fechado há anos, então a senhora deve estar ouvindo barulho de outro
lugar.” Será? Bom, ela se desculpou e foi embora. À noite, na hora de sempre, ela
teve certeza: era de cima que vinham os barulhos! Certamente era algo sendo arrastado.
Maluquice? Estaria ouvindo algo que não existia? E enquanto confrontava suas dúvidas
ela ouviu barulho de novo e desta vez ouviu algo cair no chão e rolar. Sem dúvida
isso vinha do apartamento de cima! No mês seguinte a moça se mudou. O Sr.
Antunes achou uma pena. Teve vontade de dizer à moça que os barulhos eram inofensivos, apenas barulhos.
Ele mesmo ouvia, do corredor, assim como todos que moravam ali em volta do 501
ouviam. Mas não disse nada. O Sr. Antunes sabia, não é todo mundo que sabe
lidar com aquilo que não vê e não conhece.
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Estúpidos
Antes haviam sido meninos. Não eram mais. Antes não tinham
nada, não tinham medo de nada. Agora têm. Têm medo de dizer algumas coisas. E
mais ainda, talvez, de escrevê-las, expô-las, confrontá-las, ouví-las, colocar ou excluir os acentos errados. Ou errar nos tempos e nos plurais. Têm medo de andar
de bicicleta. E de atravessar a rua fora da faixa, de andar na rua, de andar de
carro, de andar. Têm medo de amar e parecerem idiotas. Têm medo de serem
idiotas por isso. Têm medo do mundo muito chato ou muito duro. Têm medo da
chuva, do frio e do inverno. Têm medo de muito azar e mais ainda de muita sorte
se não souberem o que fazer com ela. Têm medo de ser feliz. Meu deus, como é
que de repente a gente fica assim, com medo dessas coisas estúpidas?
quarta-feira, 13 de junho de 2012
Mulher impossível
Sem ele
Ela ouviu
todas as ofensas quieta. Prestou atenção em cada palavra que saía da boca dele
devagar, como se fossem bofetadas em câmera lenta. Ouviu tudo com muita atenção.
Não ousou discordar, defender-se, explicar aquilo que sabia, não adiantava mais.
Há coisas que são assim – verdades que só os outros enxergam e a gente não vê; versões
das mesmas coisas que deixam de ser suspeitas e passam a ser acusações, sejam
elas verdadeiras ou não; erros que cometemos e, sem alternativa, seguimos em
frente pois é preciso se perdoar para seguir em frente – nem todo mundo, porém,
está preparado ou disposto a perdoar, esquecer ou seguir em frente da mesma
maneira… Isso ela já sabia. Quando ele terminou de falar ela se desculpou. Disse
“me desculpe” uma única e última vez. Depois foi embora viver a vida sem ele.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Cinzas
Há amores inadequados. Amores errados, enganados. Há amores que, por mais que se tente, não são eternos, não se mantém, não se têm, não se conquistam. Não basta querer apenas. Nem tentar ou desejar ou insistir. Há amores dos quais é preciso desistir.
Nenhum amor, porém, é vão. E se dói é porque tudo o que é importante dói. E se finda é porque todas as coisas findam. O amor não dura. O amor queima.
Nenhum amor, porém, é vão. E se dói é porque tudo o que é importante dói. E se finda é porque todas as coisas findam. O amor não dura. O amor queima.
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Medo de ter esperança
Sem Medo nem Esperança
Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'
Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes, caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num mal. As feras fogem aos perigos que vêem mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reactualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'
tudo
uma confusão comum é que as pessoas achem que você é capaz de tudo só poque você sobreviveu a tudo.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
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