“Vicious”,
do jeito jocoso que pensava Lou Reed. Era assim que ele conseguia definir
aquela mulher. Ela era “vicious”. Seria simples traduzir como “viciante” ou
“viciosa”, mas não, “vicious” no seu sentido muito mais completo em inglês,
tinha significados que não eram compreendidos e usuais em português.
Literalmente, “vicious” tinha como sinônimos as palavras todas que podiam
descrever o jogo daquela mulher: vicioso, perverso, viciado, depravado, mau, imoral,
rancoroso, vingativo.
No fundo
ele sabia que o melhor era manter-se longe, então custava-lhe entender porque
algo que se manifestava no fundo dos pulmões lhe causava aquela ausência de ar
toda vez que se encontravam. Ela era tudo o que uma mulher não devia ser, era
solta, ocupada, irreverente, estava sempre com alguém diferente, raramente
sozinha. E quando estava sozinha era irritante ver a fila de idiotas bancando o
bobo da corte para chamar sua atenção. E ela ria fácil. E seu sorriso de mil
dentes parecendo estrelas deixavam as suas pernas inexplicavemente moles, assim
como seus miolos.
Ela era uma
mulher comum, dessas que se você cruzar numa banca de jornais, nem vai prestar
atenção no cigarro Dunhill que ela compra. Esse é o tipo de coisa que você só
presta atenção se tem que barganhar por um trago naquele cigarro estranho, que
ela diz que não é dela, quando se recusa a te dar um cigarro no fim da noite. E
você não sabe se ela está lhe negando um cigarro ou lhe dando o privilégio num
trago do cigarro que esteve há pouco na boca dela.
Mas numa
pista de dança aquela mulher não era a mesma da banca de jornal. Ela entrava na
pista com passos elegantes. Já tinham se cruzado em tantas festas… A primeira
vez que colocou os olhos nela, ele lembrava, havia sido numa pista de dança, lá
pelos idos dos anos 90. Ela era mais jovem, mais contida, mas já tinha aquela
alegria solta, de quem sabia das coisas, de quem dançava como se não houvesse
ninguém mais ali. Ela era sexy, seus movimentos eram de uma mulher que sabe
como lidar com um homem na cama. Ele sempre tinha tido esse conceito – o de que
a mulher que é incrivelmente sexy numa pista de dança era, indubitavelmente,
incrivelmente boa de cama. Era uma teoria comprovada, ele achava, tinha
certeza.
Alguns
anos depois, já não eram tão
jovens nem tão contidos, mas ela continuava tendo aquela alegria solta, de quem
sabia ainda mais das coisas e por isso tinha aquele olhar de quem estava sempre
no comando, defendida, sem permissão para maiores aproximações. Era o tipo de
mulher que a gente não via sozinha. Aquilo lhe irritava. E quando, de vez em
quando, os olhares se cruzavam numa festa, num bar, num show ou qualquer outro
canto escuro da cidade, ela desviava, se esquivava como se estivesse fugindo de
alguém lhe pedindo esmolas ou apontando-lhe uma arma. De longe ela parecia uma
mulher poderosa. De perto ela parecia uma mulher assustada. E ele não sabia
quem ela realmente era. E não sabia, portanto, o que poderia lhe dizer.
Mesmo assim
seu cromossomo, sua criação, seu dna de homem rústico não aprovavam aquela
mulher. Ela era “vicious”. Ela estava sempre com alguém diferente. Ela parecia
estar sempre se divertindo. Ela contava histórias e estava sempre cercada de
gente que gostava de ouvir suas histórias. Ela bebia como um homem e não era
raro que ele mesmo não pudesse, de fato, fazer esse julgamento, pois ele mesmo
bebia demais, bem mais que ela. Mesmo assim, não era bom que ela bebesse como
um homem. Não era bom que ela fosse assim, tão femininamente homem. Ele não
gostava disso. Sua cabeça de cima insistia nisso, o tempo todo. A outra cabeça,
porém, perdia o juízo quando via a menina dançar, passar, desfilar com umas
roupas estranhas, que estranhamente ele sempre gostava. Até isso era “vicious”
nela.
Há um
estudo que diz que a paixão e o vício atuam numa área do cérebro que é muito próxima.
Daí a confusão mental, a perda da sensação de realidade, as atitudes impulsivas
e muitas vezes inconsequentes. A gente tem que se livrar dos vícios. Substituir
os maus hábitos por bons hábitos. Ser um ser humano equilibrado não é para
qualquer um, não, não é. De alguns vícios, pensava ele, era melhor livrar-se
aos poucos; outros, porém, era melhor cortar de uma vez.
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