Quando visitamos o fundo do mar, ao voltar à superfície, há que se subir lentamente - o corpo, acostumado com condições diferentes de pressão e consumo de ar, estranha se subimos muito rápido. É importante respeitar o timing fisiológico para que coisas bobas como bolhas de ar não prejudiquem o bom funcionamento da máquina humana que somos.
Voltar de uma viagem incrível também é um pouco assim - às vezes o corpo volta mas o espírito fica para trás, atrasado, tentando compensar a diferença entre os dias sem tarefa e os dias rotineiros. E nesse momento da volta a diferença grita com outras cores, odores, horários, pressões. Em suma: compensar essa diferença nunca é simples.
Na parada descompressiva ficamos cerca de três minutos parados a 5 metros da superfície - assim eliminamos o excesso de oxigênio acumulado no corpo durante o tempo de visita aos peixes.
Na volta de uma viagem acho que precisamos de uma paradinha assim também; para focar na realidade, para agradecer as oportunidades que nos levaram à ela, para refazer os planos com as energias renovadas.
É curioso como mergulhar é uma simulação do viver: se a gente respira lenta e profundamente o "gás" dura mais; se a gente se desloca devagar, respeitando o movimento do mar e a leveza que podemos ter se conseguimos o autocontrole necessário, tudo parece mais fácil; se olhamos bem de perto coisas como corais, pedras, vidas desconhecidas e subestimadas, vemos coisas fantásticas, inimagináveis se olhamos de longe. E é exatamente aí que mora essa semelhança com nossa vida ordinária: é tudo um sistema; há muita beleza (a despeito do que não é exatamente belo); a coexistência não é simples, justa, tampouco opcional; há uma imensidão abaixo e atrás de cada ser, de cada grão de areia, de cada país, mar ou pessoa que a gente conhece. O difícil não é enxergar e aprender a apreciar (e adorar) tudo isso. O difícil é lutar pela vida ordinária e reconhecê-la como a sua, a que te faz ser quem você é. A descompressão é só uma passagem.
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