quinta-feira, 30 de junho de 2011

UM MOMENTO

pense num momento. num só. naquele que fez seu dia valer a pena hoje. todo dia tem um.

UMA VOLTA - parte 3

Ela sabia que ele não voltaria. Não que ele tenha dito algo, mas ela sabia lê-lo de uma maneira precisa que, no início, o encantava, e agora, tanto tempo depois, o sufocava.

Quando ele não voltou naquela noite, ela sabia, ele tinha ido se acabar em algum lugar. Algum bar bem fuleiro ou algum puteiro mais fuleiro ainda.

Ele era um homem falsamente sofisticado. Ele sabia o que era bom. Conhecia boa comida, boa bebida, boas pessoas. Mas havia algo no submundo das coisas ruins que o atraía de maneira desesperadora. As drogas, as putas, os vagabundos e viciados eram, ele achava, grandes companheiros. Eram pessoas que não esperavam nada dele. Eram seres inofensivos, com quem ele não precisava se preocupar em desapontar. Eram meros coadjuvantes na história cujo único personagem que importava era ele, certo ou errado, mesmo que isso não tivesse mais importância pra ninguém agora.

Ela sabia disso. E isso o deixava louco. Ele não queria compreensão. Ele queria apenas viver qualquer coisa que o fizesse se sentir vivo, mesmo que para isso precisasse morrer um pouco.

UMA VOLTA - parte 2 (por Marcelo Sanglard)

Continuou andando sem rumo até que, virando aqui e ali, viu-se de frente para o mar. Sentou-se em um banco de cimento sujo de areia olhou ao redor. O sol não incomodava mais. A culpa e o remorso menos ainda. Estava livre. Sentiu a vibração mecânica de uma chamada ressoar como um alarme. Encontrou o aparelho nos bolsos do paletó entre maços amassados de cigarros e embalagens vazias de preservativo. "Meu Deus. Que noite..."

LEITURA NÃO OBRIGATÓRIA

Antes de sair ele deixou um bilhete sobre a mesa. Ela leu, sonolenta, com os olhos ainda meio colados de sono. Leu de novo. Não entendeu nada. Que diabos ele queria dizer com aquilo? Ela guardou o bilhete no meio de um livro, tirado sem atenção da pilha perto da cama. Algumas coisas são assim, só fazem sentido depois.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

SEGREDINHOS DO FRIO

contemplo o frio lá fora, em pé, na porta da varanda, com o nariz quase colado no vidro frio. contemplo o silêncio desse frio, o ar gelado, parado feito uma cena num pause. os barulhinhos irrelevantes do relógio, o movimento lento do avião cruzando o céu, o reflexo colorido das velas queimando em ritmos diferentes em cima da mesa, tudo como uma cena congelada pelo frio debochado lá fora rindo de mim. e eu, eu contemplo quieta, como se já fosse madrugada, essas coisas que acontecem sem a gente perceber porque a gente nunca para só para contemplar as coisas direito.

O DIA PERFEITO

o dia perfeito é aquele em que nada tem que acontecer. e sem você notar, tudo acontece.

Começo, meio e fim

Ele a viu na porta do bar ao lado. Não lhe pareceu bonita à primeira vista. Mas era vistosa, gostosa se olhasse melhor, bonita se prestasse atenção. Era uma mulher sensual. Tinha um jeito de mexer nos cabelos e morder o lábio inferior que era quase uma provocação.

Sem perceber ele não parava de olhar para ela. Ele fazia esse tipo de coisa; saía sozinho e ficava na porta daquele boteco, tomando uma cerveja e fumando um cigarro, então de repente se pegava encarando alguém sem querer. Era por bobagem, uma camiseta ou tênis que lhe chamasse a atenção, o semblante de alguém vagamente familiar, qualquer coisa.

Não era esse o caso agora. Agora ele estava hipnotizado pela garota de calça vermelha, marcando suas coxas e quadris de falsa magra. A calça tão justa que ele podia ver a marca da calcinha quando ela virava de costas, inquieta ali na calçada. E ainda assim ela ria e se movia de maneira tão confortável que mexia com a cabeça dele de um jeito espiral.

Ela notou que ele estava olhando e olhou de volta fixamente por alguns segundos, depois desviou o olhar como se tivesse sido um engano. Ela tinha um olhar ladino, duro e doce ao mesmo tempo. E ele gostou do que sentiu - um calor repentino da virilha para baixo - quando o olhar dela encontrou o dele de novo.

Ele desviou o olhar assim que ela o encarou de maneira mais evidente. Não sabia bem porque, mas quando ela o olhava assim diretamente, parecendo sem medo, aquilo o deixava desconfortável. Ele gostava mas não sabia como olhar de volta. Sensações espirais...

Ele a queria. Ia lá falar com ela. Ela estava com duas outras mulheres, não seria difícil de abordar. Já tinha feito isso antes. Estava inseguro e nem sabia porque. Estava incerto de ir na hora certa. Não queria ser inoportuno. Não queria errar. Não queria desapontá-la.

Ela parecia ter desistido dele. Sentou-se de costas e continuava rindo com as amigas na mesa alta ali na calçada. Tomavam vinho. E agora ela tirava a blusa, tinha calor meu deus... Usava uma camiseta branca colada no corpo e por algum motivo injusto seus seios não transpareciam na camiseta, mas era possível ver que eram redondinhos e cabiam perfeitamente em suas mãos.

Ele olhou para baixo, para as próprias mãos, e pensou no que faria com elas se levasse aquela mulher para sua cama. Será que uma mulher como aquela iria para a cama com ele? Sentia-se impróprio. Ele ali, de bermuda e tênis, fumando maços de Malboro e bebendo cerveja no bar pé sujo. Ela no bar ao lado, sentada numa mesa bonitinha, de bancos altos na calçada, bebendo vinho e fumando Free Box.

Ela levantava para fumar. Saía de perto das amigas, provavelmente ecochatas antitabagistas. Ele mal conseguia olhar para elas. Ele mal conseguia olhar para outra coisa que não fosse ela. E ela olhou de volta de novo e sorriu. Ele sorriu discreta e lentamente. Ia desviar o olhar, reação atávica àquele calor na virilha de novo, mas resistiu e ficou ali, sorrindo de volta, feito um bobo da corte, sem dizer nada. Ela deu um trago longo e prazeroso no cigarro, olhou de leve para o alto e lançou no ar de maneira quase lasciva a fumaça venenosa. Virou de costas, jogou o que restava do cigarro quase inteiro no cinzeiro alto do bar chique, e voltou para a mesa com as amigas chatas. Tudo pareceu ter durado horas, mas agora dava-se conta que tinha sido tudo muito rápido. Sensações espirais.

De repente começou a chover. Uma chuva leve, não exatamente uma surpresa com aquele tempo instável. Ela colocou a blusa de volta. A chuva apertou e aí ela correu com as amigas para debaixo da cobertura na calçada. Ele via sua bunda redondinha naquela calça vermelha e ficava com vontade de morder com força, como se fosse uma maçã do amor.

As mesas do bar se rearranjaram e ela se sentou de frente para as amigas, de frente para ele, mas sem que ele pudesse vê-la direito, como se as chatas fizessem uma barreira.

Chega, aquilo já estava passando dos limites. Ele ia lá falar com ela logo. Seu coração estava disparado. Esperou um pouco. Fez um trato com a chuva - assim que parasse, ele ia. - A chuva passou. Ele foi. Puxou ela de lado, perguntou o nome, o que fazia ali, essas coisas. Ela sorriu, respondeu e devolveu as perguntas, mostrou-se interessada. Ela gostava dele. Certo disso ele a puxou pela cintura, pediu desculpas por ser tão direto, mas confessou que não podia mais esperar. Ela olhou nos olhos dele daquele jeito difícil de novo e ele sentiu um misto de medo e vontade que fazia o calor da virilha se espalhar pelo corpo todo. Ela não desviou o olhar, nem o rosto, nem a boca, parada ali, entreaberta, esperando a reação dele. Tudo em câmera lenta, sensações espirais, vertigem.

Ele sentiu como se fosse sugado pelos olhos dela, que agora eram ternos como os de uma garotinha. Ele aproximou seu rosto do dela, sentiu seu hálito adocicado de vinho e beijou a boca dela com fome, como se aquele pudesse ser o último beijo que daria naquela mulher inacreditável que estava ali, entregue nos braços dele, de boca aberta para ele, salivando e sugando a boca dele de volta, parecendo gostar ainda mais que ele daquilo tudo.

As amigas pagaram a conta. Iam embora. Perguntaram se ela ficaria bem. Claro. Tudo estava ótimo. Ele se sentiu orgulhoso. Convidou para tomar uma cerveja. Ela estava bebendo vinho antes... tudo bem, ela disse, uma cerveja de saideira. Ela tinha senso de humor. Era rápida nas respostas. Quando chegaram na casa dele ela sabia quem eram as pessoas nos pôsters espalhados pelo apartamento. Ela conhecia os filmes, os músicos, ela gostava do Marlon Brando naquele pôster do Godfather, ela sabia quem era Tupac Shakur. Ela era realmente gostosa. E ele nunca entendeu como ela saiu tão fácil daquela calça apertada. Ela estava muito à vontade. O tesão dela parecia ainda maior que o dele. Ele ficava quase intimidado. Às vezes se sentia a presa ao invés de se sentir caçador, que era como gostava de se sentir. Isso incomodava e ao mesmo tempo seduzia. Mas ela se entregava. Deixava ele comandar a brincadeira. E isso o levava à loucura.

Treparam a noite toda. Ela fez tudo o que ele quis. Delicada, elegante e vadia. Ele quis que ela dormisse lá. Tudo bem. Ela dormia de maneira angelical. E quando esfregava o corpo dela no dele, começava tudo de novo. Ela dizia que ele era incansável, mas a verdade é que ela era assustadoramente gostosa, provocante e incansável.

Choveu durante a madrugada e a chuva caindo, ora forte, ora devagar, alternava com eles os gemidos e os silêncios de prazer noite adentro.

Ela era uma delícia, um bolo de chocolate que ele não queria mais parar de comer, mesmo se sentindo tão saciado e já tão sem energia restante para mastigar. A pele dela era deliciosa e o conforto que sentia em ter suas costas encostadas em seu peito relaxavam seus músculos instantaneamente. E dormiam assim, amontoados.

De manhã ele acordou com sede. Ela não quis beber água. Vê-la nua, espalhada pela cama, naquela meia luz da manhã, recusando a água, fez com que ele se sentisse um homem mau. Iria comê-la de novo. Ela não ia dizer não. Ela olhava para ele com aqueles olhos ladinos de quem queria muito dar para ele de novo. E depois ela iria, finalmente, ter sede. Iria colocar de volta sua calça vermelha apertada, quase imprópria para aquela hora da manhã, iria dar-lhe um beijo e iria embora, porque era assim que as coisas funcionavam.

Ele perguntou, quase sem poder conter a pergunta, quando se veriam de novo. Ela apertou os lábios num gesto de dúvida. Ele pediu o telefone dela. Ela deu. Ele perguntou se podia dar um toque para que ela gravasse o dele. Ela disse que sim, mas ele duvidou por um instante que o número estivesse certo. Chamou e o telefone tocou na bolsa lá na sala. Ela sorriu e ele se sentiu tolo. Foi com ela até a porta, deu-lhe um beijo terno e disse adeus para sempre. Não voltariam a se ver. Há histórias entre pessoas perfeitamente cabíveis e completas numa única noite.

terça-feira, 28 de junho de 2011

pequenas vontades pequenas

é madrugada outra vez. não sei se é cedo ou tarde. se você vem. se você vai me ligar em alguma hora imprópria outra vez. se vou poder te contar que adoro quando você me liga nas horas impróprias e improváveis. se vai haver mais uma vez, eventual, despreocupada e descontrolada como aquela outra vez. acho que não. acho que você não vem. passou o torpor e talvez a vontade. coisa superestimada é a vontade. parece que vai matar. mas, não. ela passa logo, derrotada por coisas meramente cotidianas como a fome, o sono ou outra segunda-feira.

Opening morning

It was early in the morning but she could not sleep anymore. It was summer and all the windows were wide opened, she was barely naked, lying alone in a big and messy bed. And she thought about him. It was a useless thinking, she thought.

(16/2 - on the way to rj to meet sister & lux, finishing "juliet, naked" - here's a short story I've created by mixing all my latest music and books' references with my mixed feelings for you)

QUADRILHA

Esta é a história de um menino que adorava festa junina. Na verdade, ele odiava festa junina. Era um caso clássico de amor e ódio.

Renata era a menina mais linda da escola. Ela usava maria-chiquinhas e tinha um sorriso que Rafael, muitos anos mais tarde, ainda lembraria de cada detalhe.

Rafael era alto para sua pouca idade. Era lindo, mas não gostava de ser tão alto. E toda vez que a festa junina na escola se aproximava, ele sabia que iria dançar com alguma menina alta e desengonçada. Era assim que as coisas funcionavam. Mas naquele ano, não. Naquele ano ele sentia tanta ansiedade pressionando suas costelas... naquele ano ele sabia que tinha que dar um jeito de dançar com Renata.

Ele foi falar com a mãe. Sabia que ela teria uma solução praquele problema. Sua mãe, tão doce e tão forte, ele sabia, iria saber o que fazer. Rafael ficou um pouco assustado com a solução da mãe - "quando a professora for escolher os pares para a quadrilha, você diz a ela que deseja dançar com a Renata. aposto que ela vai entender. mas se por acaso ela não entender, você não desista. diga a ela que só vai dançar se puder ser com a Renata". Mas ela disse isso com tanta firmeza que o menino não viu como não dar certo.

No dia que a professora anunciou que iriam escolher os pares para a festa junina, Rafael sentiu um certo frio na barriga. Mas estava decidido. Quando a professora disse seu nome e o de outra menina, que ele já nem se lembra mais, Rafael se levantou e disse, com toda a classe assistindo - "professora, espero que a senhora entenda, mas esse ano eu só vou dançar a quadrilha se eu puder escolher minha parceira de dança. e eu gostaria de escolher a Renata". A professora ficou um pouco espantada, mas não se opôs. Renata também não pareceu contrariada.

Naquele ano, então, Rafael dançou a quadrilha com Renata. Foi a festa junina mais bacana do mundo. Nunca nenhuma outra festa junina seria tão legal. Desde aquele dia Rafael adora festas juninas.

Minha inquietude e tua calma

Antes tua calma me irritava. Seduzia um pouco também, mas fazia sentido de um jeito que eu ainda não podia entender. Há várias outras coisas que eu não entendo. Há várias outras coisas que me derrotam porque não resistem à desistência. Desisto fácil. Quando não encaixa, não sincroniza, não vejo porque em insistir. Aí vem você, com esse seu ritmo quase letárgico, tão diferente do meu... vem você e mal se esforça, mas não me deixa desistir. Você também não desiste. Você resiste, eu acho. Não sei muito bem o que acho. O que sei é que a minha calma, novidade pra mim, faz uma curva grande ao teu redor. Pinta um quadrinho de você com cores difusas que eu custo a entender. Me cansa mas me intriga, então eu sigo tentando entender, me irritando com minha calma com tua calma, ambas numa luta tipo vale-tudo contra minha inquietude.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

forgotten thoughts

such a fool you are. such a boy playing the bad boy. such a fool I am for even care.

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so I dared and looked you in the eyes, catching them like a cat chasing the ball.

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I ran out of words tonight. I'm mute like a lamp.

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so it's not raining anymore. have you retired from the game?

SEGREDOS DE SABER

se num outro dia, com o sol assim por cair, se seus desejos se alinharem com os meus, posso te mostrar meus superpoderes.

MINHA LÍNGUA

penso demais e não vou a lugar algum.
paro de pensar e sinto na língua o gosto da estrada.
paro de falar porque não é só pra isso que a língua serve.
e o mundo, que não para, não repara em nada disso.
não fala minha língua.

http://www.youtube.com/watch?v=58-DCkdGL5s

DISTÂNCIAS

num dia sem sol as distâncias ficam mais evidentes. todos os passos, dados para tentar a aproximação, na verdade só fazem afastar. talvez seja só impressão. não necessariamente afastam, mas levam a outro lugar. e como há lugares puros e lugares perigosos, você nem sabe, mas corre tanto risco quanto eu.

terça-feira, 21 de junho de 2011

HÁ QUANTO TEMPO

Agora quando penso em você sinto-me estranha. É como se nossa história, ocorrida num tempo que já parece tão remoto, tivesse acontecido com outras pessoas, não eu e você. Sinto que você some de mim. Evapora da minha pele e se condensa num outro formato; colagem de memórias num álbum que começa a amarelar. Imagino que você sinta o mesmo. Aquela história nunca vai deixar de existir. Mas quando você me encontrar de novo já existirá toda uma outra vida nesta janela de tempo. E eu serei apenas alguém do seu passado.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

PRATO DO DIA

penso em você enquanto como meu frango pintadinho com gergelim preto. vai ser difícil não sorrir até a hora de escovar os dentes.

TOMATE COM OU SEM PELE

qualquer coisa feita de tomates deve ser vermelha*, senão a gente não acredita que tem tomate, como se isso fosse algo inadimissível. e será que não é? algumas coisas são assim e, apesar de parecer, isso não é óbvio. penso que a questão da pele também é bem importante.

*ouvi do alex atala

sábado, 18 de junho de 2011

TRILHAS SONORAS DE AMOR PERDIDAS

Esta noite perdi vários amores. Ganhei outros. Ganhei outro. Misturei as historias. Pensei num homem. Pensei em vários. Pensei em mulheres. Pensei nas mulheres importantes para mim – coisa na qual nunca tinha pensado e nem pensei propositadamente, exatamente naquele momento, mas ainda assim, por causa de tudo o que vi e ouvi e senti.

Começo a historia assim, verborrágica e exagerada, como gosto. E como não gosto de ser. Mas não tem outro jeito. Medi o dia hoje desde ontem. Planejei não planejar nada disso. Pensei em não pensar sobre o que sentiria hoje. E virei a esquina e dei de cara com o que não queria pensar. E dei uma volta de 360 graus e dei de cara com a primeira opção, com aquele primeiro lugar em que procurei (rápido demais) e não achei aquilo que eu viria a descobrir mais tarde que estava exatamente lá, porque lá era o seu lugar desde o início, mas que, de tão óbvio, eu não percebi. Ou ignorei. E só vi depois, como às vezes acontece. Mas é assim. Essa volta imensa que a gente dá antes de contar exatamente o que a gente quer contar.

Felipe Hirsh e Guilherme Weber escrevem, encarnam e declamam nesta noite inesperada um monte de coisas que eu já disse, que eu quis dizer, que eu não tive coragem para dizer, ou viver, ou lembrar, ou escrever... ou ouvir...

Esta noite eu vi com uma amiga (inesperada e tão esperada) uma peça – logo eu, que não gosta de gostar de teatro – chamada “Trilhas Sonoras de Amor Perdidas”. E minha amiga, atriz formada, encontra-se completamente engolida pelo texto e pelas músicas e também pelas atuações e questões técnicas e igualmente irrelevantes e vistosas que a gente não consegue ignorar. É tipo um tsunami. E corremos e nadamos loucamente tentando sair dele sem saber se essa é mesmo a melhor decisão.

Durante três duras e doces horas os poucos personagens em cena desfilam, comentam, discutem e ouvem, cheios de tesão, paixão, amor, ódio, dúvida, fome, resignação, numbness e misturas de idiomas, palavras e canções e sensações que você não consegue viver, ver ou ouvir em outra língua. Um excesso... E eu, louca por combater o excesso, não consigo combater o excesso em falar sobre isso... Excesso de reticências, de pausas. E paradoxalmente, excesso de canções e filmes e momentos fúteis de nossa história, que parece tão ridícula diante de outros momentos da história... tão distante de Guernica, de Beatles, de tudo o que até então era referência que é até difícil de acreditar que Pearl Jam tem mais de 20 anos e que nós já há algum tempo desafiamos as casas dos 30, 40, 50, 60 anos... tudo em excesso, até a longevidade – afinal, quem acredita que os Stones estão todos (ou quase) vivos? Que Ozzy, Leonard Cohen e Clint Eastwood ainda são homens absurda e bizarramente desejados até hoje por pelo menos umas três gerações de mulheres desajustadas e incríveis, como Jane Birkin, Sophia Lauren e Diane Keaton?

A história da peça de hoje é um patchwork de várias histórias e de muitas histórias nossas. Uma conexão surreal das pessoas que éramos (ou pensávamos ser), das nossas lembranças e reminiscências, das lembranças que temos de coisas que vivemos ou coisas que não tivemos coragem de viver, mas que conectam-se conosco de uma maneira muito profunda, com uma sensibilidade muito à flor da pele – ou será que isso foi só comigo e com minha amiga aniversariante? Ahhh, vai saber...

O que sabemos é que os tempos são outros e não perco mais meu tempo falando sobre coisas que não me interessam. Ninguém me paga para uma ou coisa ou a outra. Escrevo porque preciso tirar de mim essas coisas todas – impressões e emoções que obras, músicas, pessoas e tantas coisas incompreensíveis e imensas me trazem. Quando uma coisa assim me atinge, é bem difícil de controlar. Me desencadeia uma série de lembranças e emoções exageradas. Tão exagerado que me faz pensar naquele filme que a gente vê da própria vida naqueles dramáticos 5 minutos antes de morrer. Exagero, né? Nada a ver falar de morte – mesmo ela sendo parte da vida e de eu andar dando de encontro com ela toda hora, no jornal, na notícia, na música, no livro, na peça, no feriado cancelado e depois descancelado, na vida de modo geral... E penso, atavicamente, naquela canção do Jorge Drexler que diz que “morrer também é lei da vida”.

Hoje eu fiz acompanhada (e bem) uma viagem que teria feito sozinha, à uma terra distante e dissonante sem nome e sem precisão no mapa. Percorremos um trecho relativamente longo de memórias de pessoas, lugares, canções, filmes, personagens e referências de coisas que fomos, que somos e que nem imaginamos ser. Muito estranho quando a gente vai pra um lugar assim, meio que esperado, mas que de repente mostra-se totalmente inesperado, e ele se transforma em mais um daqueles momentos que você acha que nunca mais vai esquecer. E às vezes se esquece. E às vezes lembra dele, como um momento fulgaz e esquecido, que você achou que nem nunca mais ia lembrar. E de repente lembra e acha que nunca mais vai esquecer. Como uma música, cuja letra de repente você aprende e foi tão fácil e há tanto tempo que, um dia, sem saber direito o porquê, lembra e tantas outras coisas passam a fazer sentido – ainda que só façam sentido pra você.

Como ignorar a gentileza e as coincidências e as saudades depois disso? Sou só eu ou estamos todos meio sensíveis ultimamente? Não sei... sou só eu ou perdemos todos um pouco dos sentidos e das trilhas sonoras óbvias de nossas vidas? Não sei... Sou só eu ou de repente todo mundo começou a usar novos formatos? Não sei, mas talvez não seja só eu, talvez seja realmente um outro tempo. E é sempre bom a gente encontrar quem consiga contar as histórias desses tempos. Foi bem legal ver essa história hoje e compartilhar aqueles tempos. E esses tempos também. Parabéns, Sutil Cia. De Teatro e Angelita, pelos seus aniversários. Que sorte tenho eu em celebrar com vocês os primeiros minutos de um novo pedaço de história.

COM QUANTOS NÃOS SE FAZ UM SIM?

você pode dizer mil nãos. o universo, não. o universo sempre diz sim.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

MAIS UMA NOITE

Ela o pegou pela mão e o sentou na ponta da cama. Ficou de frente para ele e lentamente começou a se despir. Ela era o tipo de mulher de quem ele podia esperar algo assim. Mas a verdade é que ele não esperava. Paralisado pela nudez lenta e tranquila dela, ele mal pensava. Mal respirava. Via, sentindo cada músculo do corpo contraindo, a pele da barriga aparecendo devagar enquanto ela tirava a blusa. Deixou os seios nus de repente e por muito tempo ele tentou decidir se olhava o mamilo direito, contornado pela luz dourada do abajur atrás dela, ou o mamilo esquerdo, que tinha uma pequena pinta, que ele já conhecia e tinha na memória como se fosse um ponto importante num mapa. Ele tinha seu corpo gravado como uma carta náutica na cabeça. Mas olhar seu corpo assim, sendo descortinado aos poucos, num espetáculo só para ele, isso ele não esperava e tudo parecia diferente. Ele gostaria que suas veias se enchessem de sangue, que seus poros se inundassem de adrenalina e tesão sórdido, mas... não. O que sentia era confuso, divertido e delicado como suas tatuagens. Ela ficava nua na sua frente e enquanto ele olhava suas coxas e seus poucos pelos entre as pernas e seus joelhos que se separavam de maneira escandalosa, ele pensava em lamber sua pele bem devagar, como se fosse um sorvete de limão. Então ela virou-se de costas e se inclinou para apagar o abajur. E naquela noite, mais uma vez, tudo foi diferente.

MALÍCIA CERTEIRA

Sentiu aquela cosquinha na ponta do umbigo. Aquela sensação de que finalmente as coisas começavam a dar certo. Via que as pecinhas se encaixavam devagar e tudo parecia fazer sentido. Sabia que em algum momento haveria uma trombada, aliás, a qualquer momento. Mas não agora. Agora aquele calor na palma das mãos era sinal de que por ora tudo iria simplesmente dar certo.

O QUE É SAGRADO

Aquela era a hora em que ele mais mais sentia sua falta. Via o sol alaranjado do fim do dia na janela do escritório e lembrava que era nessa hora que ela costumava ligar para saber se ele também estava vendo o espetáculo. E por um tempo ver o sol se pondo era um programa sagrado. Depois ele passou a ver o sol se pondo com raiva. Depois tristeza e amargura. Depois solidão, apenas. Mas agora via o sol se pondo como via antes, achando bonito apenas, sem expectativas ou fantasmas. Pensava que todo dia é sagrado e vale a pena, mesmo quando não parece, mesmo quando parece que a gente vai morrer de tanta saudade.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

28 DIAS

Ai, me deixa, vai
Não quero mais brincar
Ainda é cedo pra acordar
Ainda mais que nem dormi
Me deixa quieta por favor
Não me satisfaz o torpor
Dos corpos que mal conheço
Me deixa, mas fique aqui
Porque meus pés são frios
E meus olhos viram rios
Quando você não está
Me deixe, mas não me esqueça
Me queira, mas não me peça
Que eu seja apenas tua
Porque sou como a lua
E nunca estou igual
Todos os dias

Seção de importados

Menina, a vida é tão mais divertida quando isso não tem a menor importância... afinal, pense bem, só tem sentido nessa vida aquilo que nos traz satisfação. Ainda que te custe alguma coisa. Ainda que te espete uma sensação de frivolidade. Mas sei lá, acho que viver com intensidade sempre traz esse dilema – será que isso vai ser bom ou ruim pra mim no momento? Aliás, será que isso realmente me importa?

terça-feira, 14 de junho de 2011

BIPOLAR COMO UM URSO

então é assim que as coisas são. diretamente dos fragmentos minúsculos e simples para as laudas interminavelmente complicadas. será por isso que o urso hiberna?

Sobre a paixão e o amor

Ser uma pessoa apaixonada – sinto que isso é uma coisa boa, mas às vezes é também um inferno. Meu coração gosta de ser inquieto, raramente fica tranquilo. Me apaixono todo dia e a paixão pode durar 15 minutos ou quinze anos, quer dizer, isso não é uma regra, apenas os limites que eu conheço. Eu até queria ter um coração mais dedicado, mas acho que é da natureza dos corações apaixonados ser um pouco volúvel.

Gosto de histórias de amor e elas sempre começam com paixão. Talvez seja esse o motivo de me apaixonar fácil. Gosto do poder transformador que a paixão dá às pessoas. O coração disparado, a sensação boba de alegria por absolutamente tudo (ou nada!), o esforço que a gente faz para tentar ser melhor só pra ver se conquista o outro, sem nem perceber que isso faz a gente melhor MESMO. Ou pior, nos casos extremos. Apaixonar-se é levar um susto a cada instante, é um salto de paraquedas com aquela sensação de queda-livre interminável. Um inferno. Mas eu gosto.

Curioso como a gente tenta se defender desse sentimento por medo de sofrer. Talvez seja instintivo – na iminência da dor, é natural haver uma urgência por defesa. Tudo o que tira a gente do eixo é potencialmente assustador. E a paixão faz isso, fato. Tira tudo dos eixos.

Há pessoas que são resistentes às paixões. Admiro essas pessoas. Elas são duronas. Se bastam. Não necessariamente são mais felizes, nem mais completas, mas certamente são mais tranquilas. É isso que acho valioso e admiro nessas pessoas que raramente se apaixonam – essa tranquilidade. Não há tranquilidade na paixão, fato.

Quem se apaixona, sabe. Os minutos livres acabam. Todo minúsculo momento livre dos seus pensamentos será ocupado pela razão do seu afeto. E assuntos relevantes como o trabalho, a dieta, a economia, a paz mundial, o mundo de modo geral, ficam irrelevantes ao competirem com a frivolidade da sua paixão.

A paixão é uma inquietude. Sua irrelevância é proporcional ao seu poder. Ninguém é melhor ou pior pessoa porque se apaixona. Mas é inegável que as paixões provocam o que há de melhor e de pior na gente. Paixão gera interesse, gera esforço, gera entrega e doação. E gera ciúme, expectativas, desapontamentos, violência. E faz a gente aprender coisas importantes, sejam elas agradáveis ou não.

Apaixonar-se é aprender uma nova língua. É conhecer outros códigos, habilitar novas condutas, ouvir com atenção redobrada, ver com outros olhos. É um esforço louco de querer ser mais para poder ter mais do outro. É comer com fome a comida preferida.

Decepcionar-se ou falhar são percalços do caminho. Podemos viver com ou sem eles. Apaixonar-se, não. Apaixonar-se é loteria – começa na sua mão mas não depende só de você. Depende dos números, da sorte, das regras, depende de como você escolhe jogar. Se nada der certo, tudo bem, segue a vida. Mas se você ganhar... tudo muda e a única certeza é que vai dar o maior trabalho.

A paixão não é necessariamente necessária, mas ninguém discorda que é como o açúcar – não precisa, mas o mundo é tão mais gostoso com ele.

Se eu pudesse escolher, não sei se escolheria poder apaixonar-me ou não. A paixão me perturba tanto quanto me encanta. Me alimenta ao mesmo tempo que me cansa. Me faz pensar, o que é bom, mas também me faz pensar demais, o que é ruim.

Sei lá. A paixão é uma dúvida. O amor, não. O amor pode até não ser uma certeza, mas certamente é outra coisa.

UMA VOLTA

Era um dia comum. Ele saiu cedo e assim que pisou na rua seus olhos arderam por causa do sol, ainda lavado, mas já quente de crueldade em lhe dizer que ia ser tudo igual outra vez. E ele não podia mais. Todo mundo tem um limite e ele sabia que tinha que descobrir o dele. Resolveu então não voltar mais. E adivinhe? Ele não voltou mesmo.

domingo, 12 de junho de 2011

Dia dos namorados perfeito

De modo geral acho que as datas comemorativas são bobas. Mero argumento comercial para turbinar as vendas. Gosto de aniversários. E também de Ano Novo. Gosto dessas datas porque elas “zeram o cronômetro” e nos dão a referência necessária pra gente não se perder no tempo. Já dia das mães, dia do índio, dia da árvore, dia dos namorados, acho pura bobagem.

Quando se tem um namorado, dia dos namorados tem que ser todo dia. Todo dia a gente devia lembrar o porquê daquela pessoa ser o nosso namorado. Todo dia devia tratar bem, cuidar, mimar, amar. E presente, que é tão bom de ganhar, é melhor ainda quando se ganha fora da data, não por ser dia de alguma coisa, mas porque é tão gostoso dar ou ganhar um presente só porque dá vontade ou tem a ver...

Tem quem se deprima por não ter um namorado no dia dos namorados. Acho uma tremenda perda de tempo. Quem não tem namorado e se preocupa com isso devia aproveitar a data para pensar no que, de fato, significa ser solteiro: ter a vida diante de si, cheia de possibilidades.

Ter namorado é gostoso, ainda mais nesse frio. É bom ter alguém pra abraçar, pra beijar, pra dormir com as pernas enroscadas, ir ao cinema e dividir a pipoca. É muito bom amar alguém daquela maneira que a gente nem consegue medir e se sentir amado de volta no mesmo tanto. Mas penso que isso só é tão bom assim porque é raro, especial e não é com qualquer pessoa que dá certo. E não faz sentido se for de outra forma.

No dia dos namorados gosto de pensar nos motivos certos para se ter um namorado. Não pode ser por carência. Não pode ser por medo. Não pode ser por conveniência, nem por interesse ou circunstância. Gosto de pensar que namorado é um melhor amigo com quem dá pra dividir paixão – e toda delícia que a paixão compreende.

Quando não tenho namorado, gosto de lembrar no dia dos namorados que não é sempre que a gente pode ter tudo. E quando a gente não tem namorado, não tem por quem suspirar ares românticos nem com quem partilhar aqueles momentos em que é tão melhor ter companhia, gosto de pensar que esta é uma ótima oportunidade pra mergulhar nos meus próprios sentimentos e pensamentos.

Acho que as pessoas solitárias, na verdade, são pessoas mal resolvidas com elas mesmas. Acho isso porque acredito ser importante saber ser só. Quando estamos sós percebemos muito melhor as coisas que nos são importantes e isso nos dá a chance de fazer aquelas correções de rota necessárias para que a gente evolua: estou feliz com minha vida? cuido bem dos meus amigos, da minha família? faço coisas que me dão satisfação? faço bem para as pessoas? se eu deixar esse mundo amanhã minha visita aqui terá valido a pena?

À despeito de todas as dores, crueldades e tristezas que existem espalhadas por aí, não é difícil ser feliz se você faz a sua parte e aceita como aprendizado o que o mundo te devolve. Às vezes é tão difícil que a gente acha que não vai agüentar, mas a verdade é que não há nada que se apresente no nosso caminho que não nos caiba – e só depende da gente mesmo a decisão do que fazer com isso.

Por isso, no dia dos namorados ou em qualquer outro dia, a regra de ouro é: aproveitar cada minuto sem pressa, degustar as experiências, prestar atenção para fazer e receber o bem, cercar-se de pessoas boas e quando estiver só lembrar de tudo isso, assim o coração fica nutrido e pronto para receber o que lhe for destino, seja paixão ou decepção (porque sempre há 50% de chance para cada lado), mas não desanimar NUNCA e nem esquecer que é muito legal ter boa companhia até para ficar sozinho.

sábado, 11 de junho de 2011

Sobre os dilemas éticos

Desejavam a mesma mulher. Cada um com seus poréns, disponibilidades ou preocupações. Um suprimia os movimentos em favor do outro. Até certo ponto. Até o momento em que percebeu que o objeto de disputa lhe retribuía o desejo. Era uma coisa velada, como essas coisas normalmente são. Mas sabiam, estava ali, exposta à flor da pele deles. Havia um dilema moral, ético. E escolheram partilhar o dilema da maneira mais simples, óbvia e racional possível – fizeram o que tinham vontade, não sem se preocuparem com as consequências, apenas agindo com o impulso natural dessas coisas que a gente não consegue evitar.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

DIAS IMENSOS

Na imensidão do dia moram todas as possibilidades. O sucesso e o fracasso distribuídos iguais, atrás de pedras, pilastras ou esquinas. Atrás de pessoas, falando com você como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo e como se nada mais importasse. E você se vê sem poder distinguir os discursos, procurando o que faz sentido no meio de tanta sandice. É essa a tal era dos extremos? Ou seria vaidade nossa achar que hoje é tudo mais difícil? Uns fazem os caminhos lineares, a, b, c. Outros têm pressa e pulam as etapas, atropelam as letras e parecem ser diferentes por isso. Não percebem que no fim das contas, no fim do dia, há apenas mais um pedaço da tal imensidão percorrida, cheia das tais possibilidades. E você às vezes pensa nelas, faz as contas, fecha o balanço. E às vezes apenas adormece de tanto cansaço, seja de prazer, dor, torpor ou só cansaço mesmo.

Tudo isso cabe numa vida, pecinhas que vão se encaixando, se achando, tentando parear as coisas por afinidade, por intuição ou apenas porque os desenhos realmente se encaixam, se pertencem, nasceram juntos e foram separados para juntar de novo depois e fazer algum sentido. Será que é assim? Seria um pouco de desperdício com a imensidão dos dias. Mas todo jogo precisa de regras, mesmo que seja para haver algum sentido na vitória, na derrota ou na trapaça. Afinal, não fosse assim porque diabos há tanta satisfação, paixão, saúde, dinheiro e estratégia envolvidos em esportes – e, com exceção da saúde, em jogos de modo geral?

Na imensidão dos dias cabem todos os sentidos que queremos dar às coisas. E também os que não conseguimos encontrar. Cabe toda a oferta e a procura que conseguimos produzir ou apenas desejar. Todos os dias são assim, sejam eles uma sequência parecida ou uma esquizofrenia frenética. Há dias de ‘dejavu’ absurdo. E dias apenas absurdos, como aqueles num lugar tão bonito que você se sente pequeno e pensa se poderia ter imaginado tanta beleza. Ou, na mesma proporção absurda, há os dias cinzas de frio, chuva e cinzas de vulcão cruzando fronteiras, emitindo descargas elétricas, mais uma prova de absurdo da natureza. Tudo tão remoto, tão imenso e tão real que parece mentira.

Verdades ou mentiras à parte, formataram a imensidão do dia em porções bem distribuídas, adequadas à luz natural. Afinal a humanidade precisa funcionar. A padaria precisa abrir, os médicos precisam consultar, as crianças, aprender, e no fim do dia precisamos todos dormir. Ou cantar, dançar, tocar, trocar, jantar, beber, fumar, trepar, conversar, brigar, amar e todos os verbos intransitivos, imperfeitos ou imorais, agora com a permissão da madrugada, como se isso fizesse diferença. Como se a gente pudesse ignorar que os dias são divididos com a luz natural, por isso meio dia ou meia noite. A gente se esquece disso porque nunca para pensar nessas coisas tolas. Se ocupa demais com os planos, as contas, as informações e notícias mais importantes do jornal, e os potenciais negócios que essas coisas podem gerar.

Não há nada mais poético que a imensidão de um dia. Mesmo que a poesia caiba apenas num instante furtivo dele. É apenas mais um dia, mais um dia imenso.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

DAYS, de Philip Larkin

"Para que servem os dias?
Dias são onde vivemos.
Eles vêm, nos acordam
Um depois do outro.
Servem para a gente ser feliz:
Onde podemos viver senão neles?

Ah, resolver essa questão
Faz o padre e o médico
Em seus longos paletós
Perderem seu trabalho."

BLUE DAYS

Yesterday was a bright day. It was cold but the sun was warm and the sky was clear as your eyes in those days you could look at me with tenderness, not fear or doubt. But today everything is different. Don’t think you miss me. Don’t think you really care. Well I don’t. Not the way I would before. Not my choice, you know. Guess I’m just sensitive to the weather and yesterday all was beautiful and today is beautifully cold and blue.

NOSTALGIA DA CHUVA FRIA

sabe que quando chove assim eu penso em você? penso num menino tristinho, inquieto, obrigado a ficar quieto dentro de casa, enclausurado porque não pode ir lá fora brincar. me sinto assim também. gosto da chuva mas não dos dias em que chove o dia inteiro e fica frio e cinza e não dá vontade de fazer nada. nem de ouvir música, nem de ver tv, nem de comer palitinhos de queijo, nem de dançar merengue descalços no quarto. chove e penso em você, que não gosta da chuva. chove e nem toda essa água que cai consegue levar embora essas memórias tolas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

PRA QUE SERVEM OS DIAS?

foi um dia de coisas intensas. encontros e desencontros inesperados. começou antes do dia, na cama aquecida de companhia. depois os encontros de quase sempre, coisas de uma quarta-feira, o único dia da semana com algum tipo de padrão. talvez as coisas mais valiosas de toda a semana a semana, independente de sua falta de padrão. os desencontros vieram com o cair lento da tarde. coisas inesperadas e sufocantes. e agora, noite adentro, a lua ri na janela.

FALSAS ESCOLHAS

me manda flores para dizer que lembra de mim, que se importa. mas não me encaixa na sua rotina. tudo mudou e não caibo mais na sua agenda. deixa, lentamente, as horas do seu dia se encherem de coisas mais importantes do que um dia já fui. deixa, lentamente, que eu me transforme numa lembrança boa. deixa, lentamente, que eu não me importe mais com você. escolha estranha.

BEIJOS INFINITOS

quando ele me beijou pela primeira vez achei que fosse derreter. era um beijo incendiário, guardado para mim há muito tempo, temperado com vontades intuídas e ousadas. achei que com o tempo aquele calor todo iria esmaecer, como acontece com tudo quando o tempo passa. me enganei. com o tempo seus beijos ficavam mais longos, mais saborosos, envolventes e luxuriantes. não sabia se seria sempre assim - se os beijos ficariam sempre melhores, evoluindo ao invés de tornarem-se óbvios e cansados. não importava. a teoria das coisas que esmaecem com o tempo estava derrubada. o tempo havia passado e tudo o que importava é que seus beijos só ficavam infinitamente melhores.

terça-feira, 7 de junho de 2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

EXPECTATIVAS

expectativa é como o corredor da morte, diria um touro para o outro.

email esquecido no draft

eu estava pensando em vc pq queria escrever esse email.
queria te dizer q no fundo eu não sou uma má pessoa.
eu sei q vc sabe disso. sou eu q às vezes duvido... tenho meus motivos.
queria te dizer q gosto de vc, mas não me sinto disponível pra gostar de ninguém agora.
eu sei q vc acha q isso é um engano, q vc acha q seríamos ótimos juntos.
queria te dizer q eu acredito em coisas q só fazem sentido na minha cabeça.
eu sei q vc gostaria de entrar na minha cabeça e, quem sabe, na minha vida.
queria te dizer q minha vida está de ponta cabeça... todos os ícones bagunçados, sem espaço no hd...
eu sei q isso tudo parece uma grande bobagem.
não gosto de dramas. mas sou dramática. fazer o q?
o problema é q eu não sei o q eu quero.
e qdo a gente não sabe isso, não há resposta certa. ou q sirva. 

sexta-feira, 3 de junho de 2011

YOU MUST LOVE THIS GAME

Há no ato de amar uma dificuldade natural e controversa – é um jogo de azar com regras muito particulares, que varia de partida para partida, às vezes fica duríssimo e não faz sentido se for de outra forma.

MEDOS

antes não tinha, mas agora eu tenho. tenho medo de dizer algumas coisas. e mais ainda (talvez) de escrevê-las. tenho medo de andar de bicicleta. e de atravessar a rua fora da faixa. tenho medo de amar um idiota. tenho medo de ser idiota por isso. tenho medo do mundo muito chato. ou muito duro. tenho medo de muito azar e mais ainda de muita sorte se eu não souber o que fazer com ela. meu deus, como é que de repente a gente fica assim, com medo dessas coisas estúpidas?

TOQUE DE FADA

não gosto mais de fazer as unhas. fico tensa e incomodada quando cortam minhas cutículas. o esmalte me dá alergia e meus dedos ficam vermelhos e depois descamam como um tomate mal pelado. mas ainda gosto das cores. gosto quando são chocantes e me fazem lembrar que as mulheres têm a alma lúdica e alarmante.

IDÉIA FIXA

randomicamente meu pensamento dá uma volta e para em você.

BOLO

Ela fumou um cigarro na varanda na tarde fria. Viu o dia acabar com calma. Engoliu um copo d’água sem sede. Tomou um banho longo e lavou os cabelos. Secou o corpo com a pressa de quem tem frio e passou um creme que deixava sua pele lisinha e cheia de expectativa. Ela sabia que a expectativa era um erro. Mas vestiu sua calcinha bem pequena, colocou uma blusa decotada, fininha e confortável. E ficou só.

JUST TOO LATE

I’m cocky. And I’m mean. I feel guilty but just because I barely care. Although I surrender. I give in instead of just give up. I blame you just cuz it’s so much easier than blame myself. And again, I barely care. It’s just too late for any sorrow or all this sorry. It’s just too late for us trying to be what we’re not anymore.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

HISTÓRIA MAL CONTADA

Viram-se no bar. Ela olhou, ele olhou. Ela esperou, ele hesitou. Ela foi fumar um cigarro, deu a deixa. Ele olhou, não soube o que fazer. Ela pagou a conta e foi embora. E ele ficou ali, olhando em volta, vendo se havia alguém mais interessante com quem pudesse terminar aquela história mal terminada com ela, que nem sabia quem era, mas que agora ficava ali, na memória dele, depois de ter ido embora e levando consigo a chance que ele não sabia se tinha - e que nunca saberá.

PARA QUANDO VOCÊ PRECISAR


Você é forte, mas se um dia faltar força, lembre-se deste dia em que você nadou no meio do cardume de peixe-enxada. Lembre-se de como eles estavam todos juntos, tão parecidos, orientados e espertos. Lembre-se que lá no meio deles era possível ver que um ou outro virava para o lado errado e parecia se perder do cardume, mas, dissimulados, logo estavam integrados novamente.

Lembre-se deste dia, daquela sensação ao visitar o cardume coeso, olhar de perto o que tem lá no meio, aquela energia maluca e quase invisível que mantém os peixes juntos. Uma energia como essa nossa, que a gente pratica de maneira especial com diversos cardumes, em tantos mares por aí.

Você é um homem de sorte, mas se um dia sentir ela faltar, lembre-se que nadou com o cardume de peixe-enxada. Pense em quantas pessoas já puderam fazer isso na vida. E nas coisas incríveis que já viveu mesmo sendo tão jovem.

E se um dia você se sentir velho, lembre-se que isso é bom. Mero sinal de que muitos cardumes mais já podem ter sido visitados por você. E também oceanos, cidades, apartamentos, bocas, beijos e abraços. Pense neles. Nesses, das pessoas tão especiais e tão presentes na sua vida, esteja você onde estiver.

A foto é para te ajudar a lembrar. Um registro de beleza rara e possível, feito num dia de mar bravo na superfície, como a nos dizer que vale a pena ir ver bem de perto algumas coisas. E nesta foto vejo e partilho com você esta pausa no mundo, que às vezes é bravo e assustador e às vezes pode ser lindo e simples como nadar com um cardume de peixe-enxada.

Eletrocardiograma

Estava ansiosa, como sempre. Ele certamente estaria calmo, como sempre, ela pensava. Encontravam-se de vez em quando porque a intensidade dos encontros era muito nervosa, uma explosão. E por ela, ok. Por ela poderiam explodir todos os dias, a qualquer momento. Mas por ele, não. Sua frequência era mais lenta e demorava mais para se recuperar. Ela sugava sua energia de um modo violento. Ele gostava, claro, mas precisava ter forças para o resto das coisas. Ele explicava, se esforçava. Ela não entendia. Então um dia ele disse “somos como um eletrocardiograma; você desenha os picos altos, eu os baixos, e quando a gente se encontra na linha do meio, é como atingir aquele piiiiii infinito. É incrível, mas morremos um pouquinho antes de voltar a pulsar”. Ainda assim ela não entendeu bem, embora tenha gostado da analogia. Ficou intrigada com a verdade daquilo – é comum a gente se esquecer que o pulsar da vida é um eterno flerte com a morte.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Comendo com os olhos

Pôs os olhos nela como quem olha um prato bonito sendo servido, regado com algo inebriante como um azeite trufado. Sentiu seu cheiro quando ela passou por ele na porta, mediu suas medidas de maneira descarada. Não, aquele não era um prato minimalista ou comum. Precisava ser degustado e devorado ao mesmo tempo. Iguaria delicada e trabalhosa, de se servir com as mãos. Sentia preguiça de mulheres assim. Guardava sua canalhice para si, mas não mentia se alguém lhe perguntasse. Pensava que algumas comidas são como algumas mulheres, mexem com todos os sentidos, mas quando dão muito trabalho, há que se pensar duas vezes antes de escolher.

(inspirado nas fotos de Marcelo Sanglard, “experiências gastro-etílicas")