terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mais amor, por favor



MAIS AMOR, POR FAVOR - Estava escrito no muro, todo em caixa alta, porém em letras miúdas. E fez o homem pensar: chegamos ao ponto de pedir por favor para dar e receber amor? Talvez, pensou. Nada demais. Talvez o coração precise de um alongamento e técnicas de controle pela respiração, afinal, é um músculo; se malhar demais pode endurecer.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Excessos (muitos)

Culpo meus excessos, mas a culpa não é deles. Culpo meus olhos cerrados, meus momentos fechados. Culpo a falta de sono, a falta de fome e o excesso de nada divertido. Culpo o mal humor e o excesso de paciência com quem não precisa. Culpo o excesso culpa e de peso. Mas a culpa não é deles. É minha.

Excessos (muito poucos)

Culpo meus excessos, mas a culpa não é deles. Culpo meus olhos cerrados, meus momentos fechados. Culpo a falta de sono, a falta de fome e o excesso de nada divertido. Culpo o mal humor e o excesso de paciência com quem não precisa. Culpo o excesso culpa e de peso. Culpo o excesso de amor. E também o de dor. Culpo o excesso de querer. E o de querer cuidar. E o de querer dar mais do que posso receber. Culpo o excesso de palavras, o excesso de versos, de sentidos inversos... Aliás, culpo a inversão extrema das coisas. Culpo o excesso de extremos. Culpo sabermos tanto e não fazermos nada. Culpo o tanto que poupamos. O tanto que calamos e nos afastamos porque tudo parece demais. Culpo o excesso de tinta, de cores e novamente de dores. Culpo a quantidade absurda de novamentes... E culpo novamente o excesso do quanto já lhe disse isso – e o excesso de meios, excesso de vezes que já tentei, e o excesso de todas as tentativas de dizer algo simples. Culpo as tentativas porque elas são realmente muitas. Culpo meu excesso de memória e minha história, que delata meus excessos trôpegos da madrugada, da estrada; meu excesso de gente o tempo todo. Culpo o excesso de gente e o excesso delas em mim – e a sensação infinita do quanto isso me faz bem. Culpo em mim o seu excesso de culpa. Culpo seus excessos em mim. Mas a culpa não é deles. É minha.

Alguém em mim

Não me encontro. Não estou onde vou. Não sou. Não penso... Não estou em nada nem em ninguém. Não sou alguém que eu ainda conheça. Não há crença. Não creio mais em mim. Mas, enfim, quem crê? Não em mim, mas em alguém?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sexual Healing

Numa amizade de infância às vezes encontra-se forças duvidosamente poderosas. E é verdade o que dizem sobre um homem e uma mulher não poderem ser genuinamente apenas amigos. Existe sempre o risco iminente da natureza animal que tem dentro de um e dentro de outro sincronizar, e aí adeus! - atacam-se com fome primitiva. Pode ser que isso nunca aconteça. Mas eventualmente acontece.

Ela estava triste de uma maneira abissal e bonita. Sua tristeza era uma bobagem, mas era genuína. Era só dela. Sentia-se boba, criança, dramática. Sentia-se cansada de tanta energia disperdiçada. O cansaço era físico, químico, biológico, astral... E quando o telefone tocou insistente ela teve vontade de chorar, mas de alguma forma via aquele chamado como uma oferta de resgate.

Quando ela atendeu com voz pastosa, ele desdenhou um pouco. No fundo sentiu uma pena que lhe era até incômoda. Achava-a dramática, como toda mulher. Mas boa amiga, como poucas mulheres. E ele mesmo não estava passando tempos muito felizes. Tinha a vida cheia, mas sentia-se só. E perguntava-se, ainda sem saber direito o porquê de perguntar-se isso, se era aquilo que ela sentia também.

Ela ficava um pouco irritada ao perceber o escárnio dele ao telefone sem que ela tivesse dito muito mais do que um alô. Já estava arrependida de ter atendido, mas de repente era bom ouvir uma voz amada àquela altura. Todo o amor de todos os amigos parece tanto quando estamos tristes, e mesmo assim não consegue preencher o vazio do peito. Mas a voz dele era um alento. E lhe trouxe vontade de sorrir.

Meia hora depois ele tocava a campainha do prédio e entrava pela porta da sala ofegante dos dois lances de escada que pareciam-lhe o Everest. Deu-lhe um beijo na testa sem prestar muita atenção e foi até a janela acender um cigarro. Ela parecia mais magra. E alguma coisa nela estava divertida esta noite.

A mera presença dele ali enchia a casa de som e cor. Conheciam-se há tanto tempo e ela sempre se assombrava com o quanto a presença dele lhe fazia bem. Quando pensava nele ou tinha saudade porque às vezes o tempo dá uma atropelada na gente e ficamos sem ver essas pessoas de quem gostamos tanto... mas quando pensava nele, tinha a lembrança do loirinho de 12 anos com quem jogava bola na escola.

Ele estava olhando para ela como se pudesse ler o que estava se passando naquela cabecinha perturbada. Pediu para que ela dissesse tudo. Pôr pra fora era bom. Mas ela não estava a fim. Ele apagou o cigarro, fechou metade da janela e foi colocar uma música, porque a noite estava fresca e seria divertido rir das desgraças um do outro ouvindo música e tomando qualquer coisa alcólica, como já haviam feito tantas vezes.

Ela já sabia como aquilo iria acabar. Já imaginava a cabeça parecendo inchada de tanta ressaca na manhã seguinte e a desagradável (e absolutamente inútil) sensação de estar incomodando os vizinhos com risadas histéricas e mais altas ainda que o som madrugada adentro. Mas era justamente daquela histeria que ela estava precisando. E ficou olhando o menino loirinho colocar uma música para tocar.

Música alimenta a alma, gostavam de pensar. Álcool e cumplicidade também. E a sincronia entre eles era tão doce que era enjoativa, mesmo que ainda se comportassem como crianças de 12 anos entre si. E ofendiam-se e diziam-se coisas ridículas e infames simplesmente porque podiam. Entendiam-se assim. E ninguém mais entendia porque entendiam-se tanto. Mas ninguém ligava pra isso.

Ben Harper tocava canções suaves e poderosas usando apenas um violão. Ela amava Ben Harper e ele gostava também, sobretudo daquelas músicas acústicas. Ela parecia-lhe bem. Ele parecia-lhe confortável. Ela colocou a cabeça no ombro dele. De repente estavam fundidos no sofá. De repente estavam fundidos numa coisa só.

Sexual Healing estava lenta e delicada naquela versão do Ben Harper, alheia às bocas, mãos, roupas, almofadas do sofá e barulho de copos e o universo todo confuso no meio daquelas duas pessoas que ignoravam o fato de que conheciam-se tanto. E paradoxalmente era tudo novidade. E explosivo. E saboroso. E estranhavam-se ao trombarem os olhares. E riam-se disso.

Horas depois, exaustos e ainda incrédulos, respiravam o silêncio recente. Sonolento, ele ajeitou a cabeça para ouvir o que ela tinha a dizer. Agora entendi!, ela disse. Agora entendi o que ele queria dizer com Sexual Healing. Ele também entendia e disse a ela: Marvin Gaye deve ter praticado bastante. Concordaram: sexo é terapêutico. E riram-se da própria ruína estampada no caos deixado na sala e na amizade.

4 minutos

Senti-me como num trampolim. Olhei para baixo como quem olha com medo da água, inofensiva mas longe, de aparência tão lisa que parece dura. Olhei para os lados e a ausência do chão me fez sentir a sobrecarga do meu próprio corpo, como se ele quisesse duvidar da gravidade instável da prancha, tão longa, mas curta diante do meu medo. Demorei 4 minutos para atravessar a passagem e do lado de lá não havia ninguém esperando. Estar só é como saltar da tal prancha. E 4 minutos demoram uma vida inteira.

Prisioneiros repetidos

Ficamos aqui fechados nesse quarto escuro, nessa prisão sem celas, sem paredes, sem sentinelas, prisão que criamos nós mesmos... e estamos tão presos agora, tão condicionados a repetir os mesmos crimes, e repetir e repetir e nem notar mais toda a repetição que nos prende. Ficamos aqui fechados e não notamos que pode-se sair. Fomos nós quem criamos a prisão. Pode ter sido por medo, por razão, por não saber como dizer sim e aí continuar repetindo o não. Eu pergunto e você não me responde. E eu pergunto de novo, pois o não, mesmo repetido tantas vezes, eu já tenho.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Antes tarde

Se eu pudesse, arrancaria com a mão, com os dentes, as unhas, como faz a leoa ao caçar para alimentar seus filhotes. Se eu pudesse tirava de mim com tirania e qualquer brutalidade essa coisa boba que sinto. Sentimento inútil que não serve de nada para ninguém. Se eu pudesse, esqueceria e fingiria que nunca aconteceu, que não houve você, que não houve nada. Mas que posso eu fazer se você insiste em ocupar esse espaço que eu não te dei e você invadiu? Não sei brigar... fique aí então. Fique até cansar. Pode ficar. Porque a gente acaba se acostumando. Então quando parar de incomodar será porque você já foi. E tudo o que eu vou dizer será: já vai tarde, mas que vá bem.

Registro

O moço era alto, magro, timidamente bonito. Era bonito se olhássemos de perto, mas de longe era um homem normal, desses que a gente vê no metrô. Tinha pilhas e pilhas de cds em casa. Tentava mantê-los em ordem alfabética, mas era difícil porque ele tinha dificuldade em colocá-los de volta no lugar devido quando os tirava de lá para ouvir. Mesmo que as caixinhas ficassem a poucos centímetros de onde moravam. O equipamento de som era pequeno e poderoso, como costumam ser esses equipamentos hoje em dia. Mas ele ainda sonhava com o que tinha antes, que na verdade nem era seu, mas da ex-mulher, Priscila, que conseguia ter o mesmo gosto exagerado que ele por música e consumo obsessivo de tudo ligado ao assunto. Quando se separaram foi um drama. Não que tivessem brigado, xingado e magoado muito um ao outro. Nada além do normal que toda separação tem. Mas separar os discos, cds, dvds, vhs (quem ainda via isso hoje em dia? nem videocassete existe mais!) e livros, revistas, cartazes e outra pequena infinidade de coisas inúteis e queridas foi certamente um dos momentos mais difíceis de sua vida. De repente sair da vida de Priscila era mais fácil que fazer a mudança da casa dela. Mas ele ia embora com carinho. Com Priscila ele havia aprendido coisas muito boas - o gosto por The Clash, por exemplo, que ele nunca antes tinha conseguido sacar direito, e a prática (ou ao menos tentativa) de organizar as coisas em ordem alfabética. Menos os livros. Os livros ele continuava organizando por assunto e tamanho. Para os livros o cérebro dele funcionava de outra maneira, de um jeito que ele nunca conseguiu explicar e Priscila nunca se incomodou muito em entender. Cada um é do jeito que é, dizia ela, displicentemente. Mas gostava dela mesmo assim. Se ela desse mole ele ainda lhe daria uns beijos facilmente. Mas só uns beijos porque Priscila já lhe era impossível de se conviver. Por mais amor que houvesse as manias dela deixavam-no irritado. E aquele jeito sempre feliz demais causava-lhe uma desconfiança de que ela se esforçava demais para sempre estar tão bem. E ainda que não fosse a intenção dela (ou era?) ele se sentia pressionado a sempre estar tão bem também. O que seria absolutamente insignificante se ainda estivessem apaixonados. Mas já não era mais o caso. A obsessão nova dele chamava-se Julia. Sem acento, como ela gostava de dizer. E Julia gostava de Led Zeppelin. E nunca mais ele conseguiu ouvir Dazed and Confused sem pensar nela. Conheceu Julia na festa de um amigo de uma amiga de Julia, que nem ele nem ela conheciam direito. Era uma festa à fantasia e nenhum dos dois estava fantasiado. Possivelmente não teriam se visto se lá pelas tantas ela não lhe desse uma cabeçada no cotovelo quando a festa inteira pulava enlouquecida gritando fuck you I won't do what you tell me. Poxa, você me deu uma cotovelada que quase me matou, disse ela meio rindo, meio chorando, coçando a cabeça descabelada no final da sessão rock n'roll da festa com uma mão e com a outra empurrando a barriga dele como se já se conhecessem há muito tempo. Naquela noite, depois da discussão sobre quem bateu em quem, depois de uns dois cigarros no meio da rua (os lugares agora expulsam os fumantes temporariamente dos lugares...), depois de uns três uísques cada um, ainda pularam muito mais ouvindo AC/DC, Twisted Sister e outros clássicos e lixos divertidos que ele não conseguia mais lembrar. Julia praticamente pulou no seu pescoço. Ele adorou. Ia mesmo pular no pescoço dela. Mas gostou de deixá-la fazer o movimento primeiro. Julia tinha o beijo mais gostoso que ele havia experimentado no último ano inteiro. Beijando Julia ele conseguiu pensar apenas em Julia, aliás, beijando Julia ele conseguia evitar de pensar em qualquer outra coisa. E há muito tempo ele não se sentia assim. Talvez desde Priscila. Mas isso há uns 5 anos atrás, quando se conheceram. Porra, porque será que ele não conseguia manter o mesmo entusiasmo do começo das coisas? Ninguém conseguia, ele pensava. E no segundo seguinte voltava ao pensamento que estava tendo antes sobre Julia - era bom sentir aquele entusiasmo de novo. Depois da festa ele deixou Julia na porta do prédio dela. Ela não o convidou para subir, nem ele se ofereceu, mas pegou o telefone dela e ligou logo em seguida para que ela tivesse o dele. Não subir era a última de suas preocupações até o momento em que Julia desceu do carro e bateu o portão do prédio. Estavam um tanto bêbados, então melhor deixar para outro dia, pensou ele tentando convencer-se (inutilmente) de que em outra oportunidade seria melhor. Falaram-se de novo só depois de alguns dias. E depois saíram e beijaram-se loucamente e quando Julia o convidou para subir ele não entendeu como é que pôde deixar isso passar em branco naquela primeira noite. Saíram várias outras vezes. Ela sumia de vez em quando. Ele sumia de vez em quando. Mas ele continuava com ela na cabeça e tentava manter uma certa frequência em vê-la. Um dia na casa dela ele pegou o cd do Mothership que estava em cima da mesa, sobre uma pilha de uns outros 5 cds, olhou em volta e viu a pequena estante com mais uns cento e poucos cds talvez e perguntou a ela se eles estavam em ordem alfabética. Não, eu tenho poucos cds, ela respondeu e explicou que preferia ter as músicas no computador e no ipod e os cds que estavam ali eram os que ela considerava essenciais e estavam organizados por banda, numa ordem meio própria. Os que estavam em cima da mesa estavam ali para guardar. E o Mothership era uma das coisas que ela mais ouvia na vida. Jura? Ele perguntou parte surpreso e parte seduzido pela explicação toda minuciosa dela. Porra, Led Zeppelin era uma de suas bandas preferidas... E qual dos dois você ouve mais, o um ou o dois? Ele perguntou com o Mothership na mão, sem conseguir disfarçar a empolgação. Ela respondeu que ouvia igualmente os dois e riu – e ele adorava aquela risada dela, mostrando muitos dentes. E meio minuto depois ela completou dizendo que ouvia igualmente os dois mas gostava mais do um porque tinha Dazed and Confused. E então passaram a noite ouvindo o Mothership muito alto, como ela gostava. Ele se sentiu confortável na casa dela. Gostou de passar a noite. E chacoalhou a cabeça tentando afastar os pensamentos indevidos de planos ridículos de futuro no dia seguinte. Ele tinha essa mania de achar que um dia encontraria a mulher ideal. Mas a verdade é que não queria que isso acontecesse agora. Estava solteiro, precisava aproveitar outras coisas. Coisas que a gente só faz solteiro. Mas estava meio que hipnotizado por Julia. Pensava nela com uma constância chata, que lhe tirava um pouco a concentração das coisas. Pensava nas músicas todas que queria ouvir com ela. E ficava um pouco irritado com o sumiço eventual dela. Achava um pouco de descaso e talvez falta de interesse por ele. E chacoalhava a cabeça de novo para afastar o pensamento, tentando convencer-se de que era melhor assim, porque a última coisa que ele queria era que a garota grudasse nele bem agora. Estava com problemas em administrar as emoções contraditórias que Julia lhe causava. Numa determinada manhã, de novo na casa dela, acordou com Chris Robinson cantando canções que ele não conhecia. Isso é Black Crowes? ele perguntou a Julia que estava na cozinha. Sim! É o disco dois do Warpaint, ela respondeu apontando a caixinha em cima da mesa. Ele pegou a caixinha e foi para a sala. Sentou-se no sofá e ficou lá ouvindo, ainda sonolento, músicas que ele não conhecia. Uau! Como posso nunca ter ouvido esse disco? Ele perguntou a ela em tom confessional, quase culpado, já que gostava tanto daquela banda e nunca tinha ouvido o cd que era bom pra cacete. E com uma xícara de café na mão ela lhe explicou que também tinha conhecido aquele disco recentemente, depois de ver o dvd na casa de um amigo. Era um sábado de manhã e ela o convidou para ficar. Passaram o dia entre o sofá, a cama e os dvds e cds do Black Crowes – que coisa genial ela ter tantos cds do Black Crowes... No fim da tarde Julia disse a ele que tinha adorado o dia, mas tinha um compromisso a noite. Ia ver um filme da mostra de cinema com um amigo que tinha comprado ingresso para ela. Não podia convidá-lo. Tudo bem, ele pensou, então depois a gente se fala. Eu te ligo amanhã, ela disse. Ele foi para casa, mas antes passou numa loja no caminho e comprou o Warpaint, lindamente embalado num pack promocional com cd e dvd, como ela havia lhe indicado. Nos dias que se seguiram ele ouviu todos os discos que tinha do Black Crowes. E contraditoriamente tentou evitar um pouco pensar em Julia. Ele estava interessado demais nela e ela parecia não ter o mesmo interesse por ele. Pelo menos é o que ele achava, mas não estava a fim de perguntar. Passaram-se alguns dias. Ele não ligou nem mandou mensagens. E ela também não. Ele já estava distraído com outras coisas, mas ainda pensava um pouco em Julia. Um pouco a mais do que gostaria. Mas não ia ligar. Ela tinha dito a ele que ia ligar no dia seguinte e nunca ligou... aquilo o deixava meio puto. Um orgulho bem idiota, admitia. Passaram-se algumas semanas. Um ou dois meses talvez. Paul Mccartney veio para o Brasil e todo mundo só falava nisso. Ele viu o segundo dia da apresentação. Lembrou-se da última vez que havia visto, em 1993, e o quanto tinha sido lindo. E mais uma vez o melhor beatle que já existiu fez um show maravilhoso – a discussão sobre o melhor beatle era sempre calorosa entre ele e Priscila, a ex-mulher, que dizia com muito fervor que o melhor beatle era o George e ficava irritadíssima com o escárnio dele ao dizer que o fantástico George não tinha a mesma competência, talento e sorte do Paul. – Priscila tinha visto o show no primeiro dia e ele não pôde deixar de pensar muito nela quando Paul tocou Something. A melhor música do show talvez. Mas pensou em Julia ao ouvir Let me roll it, My love, Eleanor Rigby, Band on the road, Paperback Writer, Helter Skelter e talvez mais algumas outras. Chacoalhou a cabeça de novo no dia seguinte, ao pensar novamente em Julia e no quanto queria vê-la. Voltando pra casa, caprichosamente, o rádio do carro começou a tocar Rock and roll. Porra, porque será que as rádios sempre tocam o lado A dos discos? Podiam muito bem tocar Dazed and Confused, por exemplo. Ele chegou em casa e foi procurar o Mothership para ouvir. Estava meio por cima da pilha de cds desorganizados em cima da mesa. Ele pensou por um segundo que nunca mais iria conseguir colocar ordem de novo naquela bagunça... Quando abriu a caixinha, para seu desespero, o disco um não estava no lugar. E ele não queria ouvir o dois. Ele queria ouvir o um! Como assim o disco não estava lá? Ele nunca guardava os cds nas caixinhas erradas... Ou será que guardava? É, de vez em quando pode acontecer. Que merda, pensou. E já derrotado pela falta de vontade de procurar o disco desaparecido, ele resolveu então ouvir Black Crowes. Encontrou o Warpaint com algum esforço, soterrado por outros cds, misturados aleatoriamente sobre a mesa que já não tinha mais espaço para nada. Abriu a caixinha do Warpaint e encontrou lá dentro o Mothership um. Meu deus, então está aqui! Respirou aliviado e não pôde deixar de rir da própria confusão. O Warpaint por sua vez estava na caixinha do By your side e nesse momento ele deu-se conta de como sua cabeça confusa atuava de maneira completamente óbvia. Pensou em Julia. Colocou o Mothership um para tocar muito alto, sentou-se no computador e escreveu para ela um email longuíssimo, contando sobre como havia pensado nela no show do Paul, nas últimas semanas em que não se viram nem se falaram, na confusão sobre a troca de cds nas caixinhas e em todas as coisinhas idiotas que ele adoraria ter dito a ela e não tinha tido chance... Ele escreveu, leu e releu a mensagem muitas vezes, mas não enviou. Sei lá, algumas coisas funcionam muito bem na nossa fantasia, mas não são tão simples assim de serem colocadas em prática, pensou. Leu o email mais uma vez e viu ali coisas muito boas. Coisas que talvez ele pudesse usar em alguma canção. Leu uma última vez para se despedir e o apagou. O computador, desgraçado, o desafiou com a pergunta clássica: tem certeza? E sem pensar muito no assunto ele respondeu que sim. Apagou o email do draft e Julia da memória. Não queria ter mais nenhum registro daquela história. Mas nunca deixou de pensar nela toda vez que ouvia Led Zeppelin.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amanhecem e anoitecem

Quando eles se afastam, percebem a falta. Quando acham que tudo está perdido, é quando se encontram – na falta que se fazem. Porque estão em todos os lugares, nas canções, no jeito de abrir os olhos de manhã, na lua que teima em ficar cheia tão depressa. Tantas coisas em toda parte... mas há coisas que não foram feitas mesmo para conviver, não é? Às vezes sol e lua se encontram num breve momento, mas eventualmente um apaga o outro no céu.

sábado, 20 de novembro de 2010

Viajante idiota

Me senti muito idiota. Imbecil mesmo. Ruim a gente se sentir assim... completamente sem valor. Sertir-se pequeno. Animalzinho pior que inseto, esmagável, frágil, insignificante. Senti-me de uma ridicularidade que eu preferia mesmo não passar, não ter que admitir. Obviamente é sua indiferença ou sua evidente preferência por outra coisa que me faz sentir-me assim. Então pronto, que posso eu fazer? Tem que deixar de ser idiota aos pouquinhos, curar a ressaca devagarinho, tomar muita água para reidratar o organismo. E muito ar para refrescar a alma exausta, abusada, tropeçando pelas delícias e as amarguras de uma jornada de extremos.

Conselho do horóscopo

Admire a Lua Cheia nestas noites e compreenda que ela lhe concede o dom da renovação.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Outro dia outra vez

O sol caía de um lado. A lua surgia, quase cheia, de outro. As duas coisas aconteciam simultaneamente. Em São Paulo os 180 graus do céu são muitíssimo reduzidos e não se observa facilmente o sol e a lua despedindo-se. É uma visão romântica de uma cena incomum. A banalidade da natureza pode ser chocante e poética.

Sinônimos antônimos

E o que é o tempo se não a sincronia que faz tudo no universo girar junto? E o que é a sincronia se não o ponteiro longo do relógio andar mais rápido que o curto e mesmo assim os dois formarem alguma hora? E não é assim que se faz o tempo - de algumas horas, alguns dias, alguns anos sincronizados num calendário?

Grato silêncio

Falava muito. Mas naquele dia estava quase muda. Guardou no silêncio as palavras que tinham mais poder ao não serem ditas. Deixou perdidas no vácuo de sua mudez todas as possibilidades. E entregou ao universo sua gratidão calada – gostava de agradecer ao universo TODAS as coisas que ele lhe ofertava. As boas e as más. Com as más, por exemplo, havia aprendido (em boa hora) a ficar quieta.

Thank you note

Pedi para te aprender. E tudo o que você me ensinou foi como ficar inteira estando tão só. Foi uma lição válida. Obrigada.

Um pouco

Tinha o sonho de ir a lugares. Queria ir ao México. E também à Roma, Índia, China, Grécia, Rússia, Prússia, Passárgada. Tinha o sonho de conhecer muitos lugares, muitas pessoas, muitos amores. Mas depois de um tempo deu-se conta de que muito às vezes é um pouco demais. Já tinha andado muito, amado muito e percebido que quantidade e qualidade não são coisas complementares. Agora seu sonho era ter apenas um pouco daquilo que realmente importava. Estranhamente, porém, isso agora parecia pedir demais.

Falsa verdade

Vou fingir que estou feliz já que hoje é sexta-feira e está sol. Vou fingir que estou feliz para você não achar que estou triste por sua causa. Vou fingir que você poderia se importar com isso. De repente assim eu fico feliz de verdade.

Sexta afora

Era sexta-feira e o dia estava lindo. Pelo menos foi isso o que ele pensou quando olhou para fora, pela janela do carro, e algo incomodou seus olhos pretensamente protegidos pelos óculos escuros. Ele se sentia escuro. Era sexta e ele não gostava de usar roupas pretas neste dia. Havia ouvido de alguém que sexta era dia de todos os santos e o os santos não gostam de cores escuras. Mas a sexta dele, apesar de ensolarada lá fora, estava escura lá dentro. E ele não sabia exatamente o porquê. Sentia-se cansado. Exausto de perguntas, dúvidas pequenas, pequenas incertezas... sentia-se exausto da pequenez do mundo e das pessoas. Pensou na dezena de oportunidades que são despejadas diariamente na nossa frente e que desprezamos, sem prestar o mínimo de atenção. Pensou no futuro e em outras sextas-feiras possivelmente ensolaradas, mas não conseguiu ver nada. Pensou que um dia bonito às vezes é só um dia bonito. E nem importa que seja sexta-feira.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Narciso

Se procurares bem vais ver que há algo ali no espelho que te desmente. Vai ver que seus olhos tristes contradizem sua cabeça dura, sua elegância fajuta, sua calma falsa. Se procurares bem vais encontrar o que ando sentindo falta em mim.

Parte

Hoje havia sol quando abriu os olhos, mesmo preferindo que eles pudessem continuar fechados. Sentou-se devagar na ponta da cama e tentou sentir-se parte de algo, mesmo que lá no fundo sentisse que, na verdade, estava à parte de tudo. Mas hoje havia sol desde cedo. E leu o céu azul, salpicado de nuvens dispersas e velozes, como se fosse uma mensagem do universo dizendo que era hora ir. Sorriu e partiu.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Better days

Ouvi esta canção e ela me fez pensar em você. Me fez pensar naquela história que ensaiamos escrever. Nos momentos aos pedaços, migalhinhas de felicidade que tivemos, valiosos se sabemos olhar para eles - como as pedrinhas preciosas que podem ser falsas ou verdadeiras. A canção me pareceu verdadeira. Me lembrou você porque fala justamente desses momentos preciosos, que a gente não enxerga direito porque fica misturado com o que acontece todo dia - então sem perceber acabamos achando que as coisas que acontecem todo dia são mais importantes que as tais migalhinhas, recolhidas na madrugada, num dia de bebedeira, numa foto banal, num apelido infantil, numa manhã de sábado meio sem querer... Tudo bem, não era exatamente disso que falava a canção. Ela me lembrou você porque falava de dias melhores. De encontrar as coisas certas, na hora certa, e esbarrar em diversas coisas erradas pelo caminho. A canção fala sobre errar. Fala de descer ao fundo do poço e achar que está baixo demais. E descobrir que é possível ficar ainda mais baixo que isso. E então fala dos dias melhores - que eles eventualmente chegam, mesmo que aos pedaços. Fala sobre não sermos inteiros até enxergarmos que nunca seremos inteiros - porque se você está completo, já rodou todas as estradas, viu todos os peixes, beijou todas as bocas... então o que te resta? A canção fala sobre quando nos sentimos parte de algo. E também sobre quando nos sentimos à parte de tudo. Os meus dias têm sido cada vez melhores e eu tenho buscado fazer parte das coisas que me fazem bem. O que posso dizer? Sempre me achei uma pessoa de sorte... E acho que me traz sorte compartilhar isso. Acho que me traz sorte enxergar que as coisas e as pessoas e as oportunidades me são quase sempre boas e quando elas não são, acho que tenho sorte em perceber que quase sempre elas são. A canção me lembrou você porque fala sobre tentar e falhar. E tentar mais. E insistir. Não nos erros. Mas no medo de errar mais e paralisar. No medo de sentir medo. De sabotar a possibilidade de fazer dar certo. De ir quando temos que ir. E ficar quando vale a pena. A canção me lembra você porque fala sobre ser livre - e sobre isso não ser uma estrada sem fim, mas justamente sobre poder seguir sem se preocupar com ele. Sobre aproveitar a companhia porque ela existe, sem ser obrigado à ela. Sobre abrir espaço para os dias melhores e o que pode vir com eles.

Amar de leve

Bom mesmo seria poder amar de leve. Sem pressões ou obrigações. Sem esperar do outro a mesma coisa, a mesma dedicação, a mesma adoração ou atenção e cuidados. Bom mesmo seria a gente poder entregar nosso amor numa bandeja ou numa caixinha, como um presente de aniversário. Mas não esperar retorno. Não esperar que o outro lembre-se que também precisamos receber presente de volta, mesmo que seja só de vez em quando. Há gente que não sabe amar. Que se sabota sem querer. Há gente que não sabe ser feliz simplesmente porque não sabe. Gente que diante da possibilidade de ser feliz (ou amado) se apavora. Gente que não sabe compartilhar sempre. Que se esforça para mostrar que se importa, mas de repente mete os pés pelas mãos e complica tudo. Então, bom mesmo seria a gente ter discernimento para saber lidar com essas pessoas - pegá-las pela mão, mostrar a elas que é mais fácil do que parece, abraçá-las devagarinho e esperar o abraço fazer efeito. Mas não se pode forçar o amor do outro. O amor do outro é do outro. E ele nunca vai ser seu só porque você o deseja tanto. Bom mesmo seria a gente ter tudo assim tão claro sempre e não se sentir tão ameaçado ou sensível a esta "falta de amor do outro". Bom mesmo seria a gente amar de leve e isso bastar.

A primavera dela

De todas as coisas, o que ele mais apreciava na companhia dela, era o seu jeito gracioso de dizer as coisas. Alguma coisa nela o fazia rir. Não era um riso de graça, apenas. Era um riso fácil, como se ela conseguisse aflorar nele sentimentos escondidos na dureza do dia a dia, na crueldade do mundo real. Quando ela lhe dizia aquelas coisas engraçadas (quando às vezes nem ela mesma enxergava tanta graça) era como se descortinasse uma janela para outro mundo, onde era sempre primavera.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Me erra

Falhas?
Migalhas de imperfeição
Supostas testemunhas do medo
Ou não?
Ou apenas tentativa de acertar?
E não seria o medo de errar
Esse entrave no tempo
Que impede às vezes
A pura vontade de ir?
Precisamos errar mais
Chorar de menos, rir demais
Errar é acertar em etapas...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O tempo todo

Há tempo de rir e tempo de chorar. Tempo de duvidar e perdoar. De estar junto e de estar só. De notar o que é belo e o que é feio e de aprender a conviver com ambos, porque não há só bondade e alegria na vida. Mas para o amor não há tempo certo. Fácil ou difícil, há amor de todas as formas e cores. E algo me faz crer que, se há amor, qualquer coisa é possível - para amar temos todo o tempo do mundo.

sábado, 6 de novembro de 2010

Outros

Vou ali e já volto. Ficar aqui me dá nos nervos. Pode ser só desapego, mas penso que é mais. Não ter parada significa adaptar-se a outros portos. E em outros portos sempre há outros amores.

Funny thing

It's such a funny thing. Every time I think I can be yours, you just can't be mine...

Paraquedas (pré AO-1990: pára-quedas)

Se eu falar demais então, me interrompa. Me corrija. Me dirija. Me diga um pouco o que eu tenho que fazer. Eu nunca quis saber. Primeiro porque achava que já sabia. Depois porque vi que não sabia porra nenhuma, mas achava divertido descobrir. E um pouco mais depois, quando a adrenalina baixa, nada é mais tão divertido assim. Vou até discordar das suas sugestões - ei, uma coisa de cada vez, né? - mas quero ouvi-las mesmo assim. Elas me fazem pensar. E quando penso sou bem mais feliz.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O que temos que fazer

O dia mal começou, o céu acabou de mudar de cor e me parece cedo demais para algumas coisas e tarde demais para outras. Me parece que o tempo anda lento. Me parece que falta alento para tanto engano... Me parece um engano eu estar aqui e você não. Me parece um erro pensar assim – porque mesmo você não estando aqui, há você em cada lacuna desta noite enganada que acabou, em cada pausa entre as notas deste solo. Me parece errado pensar que tudo está perdido só porque não me encontro ainda em você, já que tudo está tão impregnado de você em mim.

E nesta pausa que fizemos – um intervalo caprichoso dos destinos, como aquele espaço que existe entre as linhas paralelas que se encontram no infinito -, nesta pausa que parece infinita, há coisas demais que não foram ditas, que não foram feitas e confesso que me cansei delas. Me cansei do que não foi. Fizemos o que tínhamos que fazer e agora é hora de olhar para frente. O dia mal começou e ainda é cedo. Temos o dia todo. Vamos fazer o que há para ser feito. E eu penso que deve ser assim, como num solo – não há regras. As notas de encaixam sem esforço, desde que se respeite a natureza de cada uma delas.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Novilúnio

Não há lua no céu. Não há vento balançando as folhas. Não há barulho, apenas um avião ao longe, o freio de um carro talvez na rua de baixo. Não há palavras suas. Nem as gentis, nem as minerais - aquelas, longas ou curtas, que pesam uma tonelada cada. Há um novilúnio acontecendo e a escuridão aqui dentro treina o olhar até que ele se acostume que nem sempre é da luz que vem a clareza.

Monólogo

Quis escutar o que você tinha a dizer. Quis ouvir, juro. Quis entender, quis aceitar, quis saber o que fazer com essa confusão toda. Mas não sei... Há coisas óbvias. E há coisas que por mais óbvias que pareçam, não me fazem sentido. Então diga todas as palavras que você puder. Todas as que você quiser. Com todas as letras, pausas e vírgulas. Não prometo te entender, mas vou sempre ouvir até o fim. E não pense que esse é um exercício fácil. Ouvir até o fim é uma das coisas mais difíceis que já tentei fazer...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Por sua causa

Rezou para que seus santos lhe deixassem forte. Pediu piedade e permissão. Partiu para o ataque com a frieza dos orientais quando vão para a guerra, com a mesma devoção dos kamikazes, com o mesmo desprezo pela vida que os hindus têm diante do próprio karma. Sublimou o medo, que de nada iria lhe adiantar. E, na ausência dele, deu-se conta: somos mais fortes e capazes do que supomos; uma pena não sabermos ao certo o que fazer com isso.